Perguntam-me se Putin pode ser derrotado pelo ostracismo da cultura russa. Admitindo que a cultura russa estivesse a ser ostracizada pelos adversários de Putin (e não me parece que esteja), o tema não afecta o quotidiano da larga maioria do povo russo, elites de Moscovo e São Petersburgo incluídas.
As quebras de contrato que atingiram a soprano Anna Netrebko e o maestro Valery Gergiev, a primeira afastada do Metropolitan Opera de Nova Iorque, o segundo da Filarmónica de Munique, são desaires que afectam a carreira de ambos, artistas de reputação planetária. Mas nenhum deles detém o monopólio da cultura russa.
Dir-me-ão que não são casos isolados. Pois não: atletas russos foram impedidos de participar nas Paraolimpíadas de Pequim, universidades de prestígio cancelam cursos de literatura russa, cineastas russos são afastados de festivais de cinema para os quais haviam sido convidados, e até a Federação Felina Internacional proibiu gatos russos de participarem nas competições agendadas para este ano.
Todos os dias surge uma nova forma de boicote. É deprimente, mas não será por aí que Putin verga. O grande mistério radica na razão que terá levado Putin a desencadear uma guerra que terá consequências no quotidiano da população da Rússia, hoje completamente ocidentalizada, dependente do vasto arsenal de bens de consumo que moldam o dia-a-dia da geração pós-Perestroika.
Aparentemente, terá julgado que a ocupação da Ucrânia durava umas horas, graças a hordas de ucranianos russófilos desejosos de afastar Zelensky. Nada disso aconteceu. No trágico ínterim em que todos estamos mergulhados, o povo russo descobre, estupefacto, estar a um passo de regredir cinquenta anos.
A classe trabalhadora russa não quer saber da visibilidade internacional da sua cultura highbrow. Quer saber se vai poder continuar a manter o padrão de vida dos povos das nações industrializadas, a começar pelos seus vizinhos da Finlândia.
Escritor