Apesar dos bombardeamentos que continuam no sul da Ucrânia (não percebo bem se as 12 horas de cessar-fogo eram parte de uma metáfora), hoje é o primeiro dos 13 dias com alguma esperança. Julgo eu.
Zelensky admite deixar cair a adesão à NATO, que nunca esteve verdadeiramente na mesa, pelo menos para a própria NATO, e discutir um acordo para as regiões anexadas pela Rússia.
Fico com a sensação que o tempo não favorece ninguém. Putin nunca mais chega a Kiev e Zelensky não sabe quanto tempo mais resiste a capital. Imagino que tentem os dois uma saída que lhes permita sair do conflito mantendo o poder nos respectivos países.
Os vizinhos europeus parecem um pouco à nora e sem grande coordenação na reacção à situação. Os polacos tiveram aquela ideia peregrina de dar os MIGs à Ucrânia, mas os Estados Unidos meteram um travão na coisa. Os holandeses dizem que, sendo uma verdade inconveniente, não podem simplesmente deixar de receber gás e petróleo russos, porque não há alternativa. Finlândia fala em aderir à NATO, Suécia fica quieta e não quer contribuir para mais atritos, a Moldávia não tem condições para receber refugiados, e já vê os rapazes de Tiraspol, na Transnístria, a pedirem a Putin que os reconheça também.
A crise dos refugiados é a única parte deste conflito não sujeito a opinião, enquadramento ou discussão. Pessoas que ficam sem tecto e passam a depender da caridade alheia. Ponto final. É este o drama real.
Salvini foi humilhado por um presidente de câmara, na fronteira polaca, quando tentou visitar refugiados, e isso é bom. Mostra que alguns detentores de cargos públicos têm memória e espinha. Ventura tomou notas e pensou que continuar calado ainda era, mesmo assim, a melhor opção.
Antony Blinken, secretário de Estado norte-americano anda a fazer um rolé pelos países da NATO que fazem fronteira com a Rússia, e, a cada dia, faz uma conferência de imprensa onde anuncia mais batalhões e armas para as bases europeias.
É o senhor que anda com o barril de gasolina no meio do incêndio.
Sindicatos portugueses apareceram e deram voz a preocupações de exploração de trabalhadores ucranianos, embrulhadas em papel de solidariedade. Fiquei contente.
A hipótese de acordo deixou o pessoal das certezas absolutas, especialistas em cenas e com informações no terreno, perdidos em manobras de contorcionismo. Mais importante do que contar o número de mortos é ter a certeza de que o Alfa português não se enganou no Jornal das 8.
Quem dizia que Putin ia anexar a Ucrânia em cinco dias, agora é um estudioso da resistência. Quem dizia que Putin estava a fazer bluff, é agora um especialista da CIA que afirma “se a inteligência americana avisava, é porque ia acontecer”.
Quem defendia que a NATO tinha que integrar a Ucrânia, ficou assim um pouco sem chão quando o Zelensky disse que “daqui a 15 anos logo vemos”.
Quem defendia que uma coisa são separatistas albaneses e outra são separatistas russos, vê agora com bons olhos uma “relativa autonomia” para o Donbass.
Entretanto, consoante o que sair das conversações amanhã, teremos mais 2.727.4648 posts, debates e intervenções iniciados com um “tal como eu disse/avisei”. Nunca percebi como é que num país com tantas certezas absolutas nunca deixámos de ser pobres. Ah… espera, é por causa do PCP.
Aproximam-se duas discussões interessantes que não podemos ter.
A primeira relativa aos refugiados e à forma como os tratamos, consoante a sua origem. É realmente uma “discussão de caca” que, segundo especialistas me explicam, não deve ser feita neste momento. Por um lado, estão dois milhões de ucranianos em fuga, e há um problema para resolver agora.
Percebo, não é tempo de discutir, mas de agir.
Ao mesmo tempo, no mesmo dia, mas um pouco mais longe, vive um povo há 74 anos nessa situação.
Como estarão eles a olhar para tudo isto?
Mais: o que pensarão, ao ver a Europa solidária contra o invasor russo, e a aceitar como mediador do conflito o Governo que os acorrenta em Gaza e na Cisjordânia?
Bom, mas relativizemos, imagino que para quem já esperou 70 anos, mais semana menos semana, também “não será por aí que o gato vai às filhoses”. Eles aguentam mais 10 ou 15 dias, o Putin volta para casa, e a Europa logo se dedica em força à causa palestiniana.
A outra discussão é o chamado totobola de segunda-feira. Eu, que sempre pensei que a Rússia fosse fazer aqui uma Geórgia 2.0, anexar os territórios do Donbass e dar uns sinais à NATO, fico agora confuso com uma saída antes de tomarem Kiev.
Espero obviamente que isso aconteça, e que o conflito termine o quanto antes. Mas, nesse caso, o que leva Putin daqui? O que já tinha ao fim de dois ou três dias no terreno? E pior do que isso, o que virá a seguir? Narva na Estónia? Klaipeda via Kalinegrado na Lituânia? A Moldávia? Será isto o embrião da Guerra Fria, parte II, ou há um Rambo qualquer que meta uma bala na cabeça deste gajo?
Dúvidas que me assaltam numa Europa que raramente se consegue organizar e falar a uma só voz.
Mas há que dizer, em abono da verdade, que ainda não vi o vídeo da TVI onde o Paulo Portas explica o conflito. Mais três ginjas, e consigo.
Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
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