Tento aprender com camaradas de fiscalidade – gente extraordinariamente aborrecida, que ainda assim domina conceitos importantes para que nós, comuns mortais, consigamos perceber de que forma somos apertados a cada mês.
Reparem que escrevi “apertados”, e não o vernáculo apropriado para esta situação. Estive a reler alguns textos e cheguei à conclusão que, aqui e ali, deixava escapar um calão mais ofensivo, por sorte convenientemente censurado pelo meu editor. E não há necessidade: pessoas com a idade da minha avó passam por aqui. Crianças também. E mesmo vocês que são só velhos, como eu, ficariam com a ideia que estou chateado, aqui no frio. Ou que me falta vocabulário.
Hoje é o dia em que tudo muda. Falamos a sério, sem prosa de Bocage, metáforas ou hipérboles.
Portanto, fiscalidade dizia eu quando…uahhh, uaaahhh… zzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz.
Explicam-me que o mercado liberalizado dos combustíveis tem uma lei que, entre outras coisas, permite às gasolineiras decidirem o preço por litro, os aumentos, etc. Livre concorrência entre marcas, algo que, acrescentam na tese, em princípio favorecerá o cliente (baixa de preços e coisa e tal).
Como qualquer nabo que vai a uma bomba de gasolina, tenho aquela eterna questão na cabeça: se o barril de Brent aumenta o preço, a gasolina também aumenta passados poucos dias. Já o contrário não se verifica. Não, nabo não é vernáculo, baixem lá as forquilhas.
Na minha ingenuidade penso que a guerra é a mãe de todos os males. Ou seja, se o fornecimento de petróleo é cortado, reduzido ou a produção menor, o preço sobe. E a coisa parece umbilicalmente ligada. Dispara-se um tiro num país produtor, no dia seguinte há mexidas nas tabelas da Repsol da Segunda Circular. Parece que recebem o baldinho de gasolina pela manhã, com a entrega de pão quente.
Elucidam-me os camaradas fiscalistas/economistas que nada se faz com balde, e julgo que até me dirigem uns merecidos insultos. Portugal compra o seu crude à Nigéria, à Angola, à Líbia, etc., e tem reservas, portanto, nada se altera hoje porque ontem caiu um míssil em Kiev, ou se alterará se amanhã rebentar outro carro armadilhado em Bagdade.
“O que é que acontece então?”, pergunto eu na minha sede de conhecimento. Aqui junta-se um camarada major-general à conversa, que separa um pouco as águas. Num cenário de crise há sempre quem consiga lucros extraordinários. Por exemplo, na pandemia foram os laboratórios, e agora, com um país produtor de energia a invadir outro, está a tempestade perfeita montada para uma crise energética, mesmo nos países menos afectados.
Por outras palavras, as refinarias aproveitam para vender mais caro, e as gasolineiras também, maximizando os seus lucros. De forma legal, entenda-se. No entanto, e esta é a parte verdadeiramente fantástica, quando o barril volta a descer e as refinarias também, ainda assim as gasolineiras dificilmente baixam, pelo menos em igual percentagem.
O que resulta daqui? O caos total num país completamente estrangulado pela carga fiscal e os baixos salários. Dizem-me que o Governo, que, entretanto, se fartou de arrecadar impostos com os aumentos, dá uma compensação a cada um de nós – vouchers, certo? –, mas, no essencial, a pressão devia ser feita pelo Estado nas gasolineiras, não permitindo o aumento descarado de lucros numa altura de crise.
Fico verdadeiramente baralhado. Se é um camarada que me diz isto, bom, compreendo. Somos pela regulação do sector. Reparem no “somos” a apelar ao insulto gostoso.
Mas é um liberal que me diz: “temos que meter travão nas gasolineiras!”. Como dirão o mesmo das eléctricas quando o quilowatt por hora subir e a autonomia da bateria der para pouco mais de 300 quilómetros.
Percebo pouco de Economia, menos de fiscalidade e nada de crude, mas se há coisa que os últimos dois anos me ensinaram é que não há como uma boa crise para um liberal passar a socialista. Está a tornar-se uma verdade tão profunda que, não tarda começa a entrar nos prefácios do Minh’Alma.
Fiquei na mesma em relação à lógica dos aumentos, o mercado liberalizado, a lei que dá o poder às gasolineiras e o pudor do Estado em lá meter o pé.
Cheirou-me a capitalismo puro e duro, mas que se “coza tudo isto” [N.D. censurámos o vernáculo original], sempre foi uma hora bem passada entre ilustres pensadores.
Ahhhh…estava eu a ir tão bem [N.D. e ficaste bem; nós aqui estamos atentos a desvarios!].
Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.