REGULAÇÃO DOS MEDIA

José Alberto Carvalho pode (ainda) chamar negacionistas a pessoas não-vacinadas

white sheep on white surface

por Pedro Almeida Vieira // Março 18, 2022


Categoria: Imprensa

Temas: Imprensa

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Pela terceira vez, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social arquivou queixas por jornalistas usarem o termo “negacionista” de forma generalizada. Desta vez o visado foi o pivot e jornalista da TVI. Segundo estatísticas que não revela, a TVI defende que os críticos das restrições impostas para controlo da pandemia apresentam tendencialmente taxas de vacinação contra a covid-19 e logo de imunização mais baixas do que a população em geral.


A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) considera que o uso do termo “negacionista” pode ser usado livremente por jornalistas. Numa deliberação tornada pública esta semana no decurso de duas queixas contra as declarações do jornalista da TVI José Alberto Carvalho no programa Global, com Paulo Portas, aquela entidade reguladora presidida pelo juiz Sebastião Póvoas garante que o uso das expressões “negacionistas, por exemplo”, num contexto em que se abordava pessoas imunodeprimidas, não constitui “falta de rigor ou de violação do dever de imparcialidade, nem parecendo ficar em causa a devida cultura de tolerância, de não discriminação e inclusão”.

Em causa estava um comentário do jornalista José Alberto Carvalho – que recentemente recuperou a carteira profissional, com o número 7128, no decurso de uma notícia de 30 de Janeiro passado do PÁGINA UM – em conversa com Paulo Portas sobre a vacinação com a terceira dose contra a covid-19 no programa Global, onde aquele ex-político comenta uma diversidade de assuntos.

José Alberto Carvalho, pivot da TVI, que recentemente recuperou a carteira profissional de jornalista.

Quando Paulo Portas se referia ao novo antiviral da Pfizer, indicando ser “muito importante para gente que tem hospitalização, que está imunodeprimida, ou que não está suficientemente imunizada”, o pivot da TVI retorquiu: “os negacionistas, por exemplo”.

Apesar de “negacionista” ser termo considerado altamente pejorativo – o PÁGINA UM foi já acusado, de forma difamatória, pela CNN Portugal e outros órgãos de comunicação social com a clara intenção de denegrir a sua credibilidade e rigor –, a ERC parece, em todo o caso, ser agora menos liberal no seu uso.

Numa deliberação de 9 de Dezembro passado, a ERC arquivara uma queixa contra a Visão por considerar que, apesar de “em termos históricos, a negação da existência do Holocausto foi cunhada de ‘negacionismo do Holocausto’”, tal “não condiciona a utilização da palavra unicamente neste contexto”, aditando que esta “tem sido utilizada para descrever pessoas e grupos de pessoas que negam os conhecimentos científicos, à data, sobre a covid-19”.

Desta vez, porém, a ERC já diz que “não se escamoteia a dimensão errónea, parcial e pejorativa, e o potencial discriminatório, do uso da expressão ‘negacionista’ quando visando referir ou representar o universo das pessoas não vacinadas contra o coronavírus SARS-COV-2, pois que este universo de pessoas, manifestamente, abrange uma multiplicidade de realidades socioeconómicas, de situações clínicas, e de motivações subjectivas no exercício das liberdades fundamentais que não podem ser, de todo em todo, subsumíveis à da negação dos conhecimentos científicos existentes, à data, sobre a covid-19.”

A ERC acaba por ilibar José Alberto Carvalho sobretudo por interpretar que o comentário daquele jornalista “contextualizada nos termos descritos, não parece ser suscetível de confundir ‘pessoas não imunizadas’ com ‘pessoas negacionistas’”.

Neste processo, em defesa de José Alberto Carvalho, a TVI referiu que o comentário “não é minimamente injurioso, uma vez que não qualifica positiva ou negativamente o negacionismo nem se dirige em concreto a ninguém identificado ou identificável”.

Por outro lado, sublinha que José Alberto Carvalho se limitou “a partir do princípio, estatisticamente correcto, segundo o qual negacionistas (pessoas que negam a existência da covid-19 ou são críticos das restrições impostas para a resolução do problema de saúde pública por ela colocado) teriam tendencialmente taxas de vacinação e logo de imunização mais baixas do que a população em geral”.


NOTA DA DIRECÇÃO DO PÁGINA UM


Tenho sido extremamente crítico sobre grande parte das restrições impostas na gestão da pandemia, e isso não me coloca como um negacionista, qualquer que seja a acepção que se deseje usar. Negacionista é uma expressão que reputo de altamente ofensiva e difamatória. Tenho pautado a linha editorial do PÁGINA UM na escrupulosa procura de informação e seguindo preceitos de rigor científico.

Por isso mesmo, é de uma ignorância atroz – diria mesmo estupidificante –, a TVI e José Alberto Carvalho considerarem que quem critica a gestão da pandemia ou quem opta por não se vacinar seja negacionista e com imunidade mais baixa do que a população em geral.

A protecção contra a covid-19 depende não só de variáveis como a idade e o sexo – daí ser até contraproducente vacinar universalmente populações jovens saudáveis e dever ter-se prudência em vacinar jovens do sexo masculino – como também do contacto prévio com o vírus.

No meu caso pessoal, sendo crítico da gestão pandémica, a minha opção por não me vacinar advém de um dado científico: em Dezembro do ano passado fiz um teste serológico com um resultado de 427 BAU/ml para anticorpos IgG. Garanto que é uma imunidade mais alta do que a população em geral.

Na próxima semana farei novo teste serológico, porque acredito na Ciência e nos diagnósticos.

E desafio, assim, José Alberto Carvalho – que já terá pelo menos três doses de vacina – a fazer similar teste serológico, para se fazer comparação da “coisa”.

Note-se, aliás, que ainda esta semana o PÁGINA UM revelou um (até há pouco escondido) parecer da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTVC) que afirmou – presume-se que com base na Ciência – que os recuperados sem vacina têm um risco “muito inferior ao das pessoas vacinadas sem infecção prévia por SARS-CoV-2”. E, por outro, a própria CTVC confessa que “parece existir uma maior frequência de reacções adversas sistémicas após vacinação de indivíduos previamente infectados”. Além de tudo isto, a vacinação de recuperados nunca foi alvo de ensaios clínicos.

Como pode alguém, ainda mais sendo jornalista, atrever-se a chamar negacionista a alguém por isso.
Só talvez um jornalista que nega os princípios do jornalismo. E a própria Ciência.

Quanto à posição dos circunstanciais membros da ERC, não posso deixar de relembrar um extracto de uma reclamação por mim apresentada recentemente, e que caracteriza a forma lamentável como esta entidade tem regulado os media durante a pandemia:

XXIV

Na verdade, desde 2020, a ERC contribuiu também, pelo menos por omissão, para que certos jornalistas e certa comunicação social, sem qualquer rigor nem pudor, tachasse de “negacionista” toda e qualquer manifestação crítica à gestão da pandemia ou às políticas públicas de Saúde, mesmo quando essas manifestações eram assentes nas premissas da Ciência e no debate de ideias. E a ERC nunca deveria ter permitido tais comportamentos de determinados jornalistas e de determinados órgãos de comunicação social.


XXV

Pessoalmente, considero abjecto que jornalistas me queiram classificar e rotular de “negacionista” ou de “anti-vacinas”, apenas porque questiono as políticas estatais (como deve um jornalista fazer), e sabendo-se ainda que comprovada e reconhecidamente já estive com covid-19 (e, portanto, não há forma de me acusarem de a negar), sob internamento (e, portanto, não há forma de me acusarem de negar a gravidade, em determinadas condições e idades), e que possuo agora, por causa disso, imunidade natural a esta doença, comprovada através de um teste serológico de anticorpos IgG (e, portanto, não há forma de me acusarem de não acreditar na Ciência).

XXVI

Nessa matéria, e em matéria de ética e deontologia, tem mesmo o PÁGINA UM sido um modelo de rigor e de busca de informação a fontes oficiais, de que são exemplo paradigmático as solicitações de documentos oficiais junto da Direcção-Geral da Saúde (DGS) e do Infarmed relacionados com a pandemia. A este respeito, o PÁGINA UM foi o único órgão de comunicação social que tentou promover o arquivo aberto junto daquelas entidades oficiais, e não tendo obtido essa informação, como deveria, apresentou então pedidos de parecer à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA).

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