No final do século XVIII, tiveram lugar as primeiras revoluções liberais do mundo ocidental.
A primeira deu-se com a independência dos Estados Unidos da América no dia 4 de Julho de 1776. A sua Constituição foi aprovada no dia 17 de Setembro de 1787.
A segunda iniciou-se com a tomada da bastilha no dia 14 de Julho de 1789. No dia 3 de Setembro de 1791, inspirada na Constituição norte-americana, a França aprovou a sua primeira Constituição.
Que visavam estas revoluções? Limitar o poder do monarca. Os regimes absolutistas concentravam todos os poderes na pessoa do Rei: (i) a lei, (ii) os tribunais e (iii) o poder executivo. A soberania era transmitida de Deus para o Rei – a sua legitimidade provinha do Céu.
Para evitar tal concentração de poderes numa única pessoa, infelizmente, muito sangue teve que escorrer e muitas cabeças rolaram pelo cadafalso.
As constituições norte-americana e francesa vieram modificar este estado de coisas. As pessoas passaram de súbditos a cidadãos; a estar em pé de igualdade perante a lei, incluindo o monarca; e a soberania passou a residir na Nação, através dos seus representantes eleitos.
A tributação sem representação deixou de ser possível; apenas os representantes eleitos passaram a poder aplicar impostos à população, deixando de ser uma matéria da exclusiva responsabilidade de apenas uma pessoa.
Por último, a divisão de poderes e a sua independência: o poder executivo, o poder legislativo e o poder judicial passaram a estar separados e a actuar com total independência, evitando, desta forma, a concentração de poderes, tal como acontecia durante o absolutismo.
Estas restrições ao poder real já tinham sido iniciadas pelos ingleses em séculos anteriores: a Magna Carta em 15 de Junho de 1215 e a Declaração de Direitos de 16 de Dezembro de 1689, em resultado da Revolução Gloriosa nos anos 1688 e 1689.
Existe, no entanto, um quarto poder que ninguém quer escrutinar ou reconhecer: o Dinheiro.
Há uns séculos atribui-se ao banqueiro Amschel Bauer Rothschild a seguinte citação: “Dê-me o controlo do dinheiro de uma Nação e não me importo com quem faz as suas leis”. Talvez a maior verdade dos nossos dias.
Para os senhores do dinheiro, tal como para os monarcas absolutos, existe uma lei, para a plebe, e outra totalmente diferente para eles.
Segundo nos informam, a manipulação de mercado é punível com pena de prisão até três anos ou com pena de multa, podendo passar pela “prática que consiste em alguém que tem uma influência significativa sobre a oferta ou procura de determinado instrumento financeiro, aproveitar-se dessa possibilidade de forma a distorcer o preço de referência”.
Se olharmos para a figura seguinte, podemos observar a evolução da taxa de juro implícita da dívida pública portuguesa com maturidade a 10 anos negociada no mercado secundário. Com a intervenção do BCE (Banco Central Europeu), em meados de 2012, a taxa de juro desceu de um máximo de 17,4%, em 2012, para valores negativos em 2020!
É isso, estimado leitor, existem investidores que emprestam dinheiro ao estado português e lhe pagam juros, em lugar de os receber: uma manipulação sem precedentes!
Como o fizeram? Simples, tal como o burlão Alves dos Reis, que imprimia notas para se tornar no maior dissipador da cidade de Lisboa – claro está, sem produzir qualquer bem ou serviço útil à sociedade –, o BCE emite moeda do “ar” e compra dívida pública portuguesa no mercado secundário – um autêntico milagre dos pães!
Alguém com este poder aquisitivo, que tem uma fábrica ilimitada de produzir dinheiro, como se estive a jogar Monopólio, pode colocar uma uma enorme pressão compradora no mercado – a tal influência significativa sobre a procura com moldura penal – e faz subir expressivamente o preço de mercado das obrigações – o instrumento financeiro emitido pelo estado português.
Tal como podemos observar na figura seguinte, entre o mínimo de 2012 e o máximo histórico em 2020, as obrigações portuguesas, com uma maturidade a 10 anos, subiram 393% no mercado secundário! Um verdadeiro milagre de Fátima!
A subida do preço de mercado das obrigações reduz a respectiva taxa de juro implícita, chegando-se a valores negativos, como actualmente, permitindo ao Estado português e aos demais Estados europeus reduzirem substancialmente os encargos com juros, ou mesmo recebendo por pedir emprestado, como é agora o caso.
Se o leitor decidir viver submergido em dívidas e não as pagar, é garantido que lhe sobem as taxas de juro e vêm atrás de si para as cobrar.
Em relação aos Estados e Bancos Centrais é tudo diferente: é em nome do Bem Comum!
Precisamente o contrário do que acontece para um simples cidadão: um simples manipulador inadimplente, que merece ir dentro.
Poderíamos pensar que a “dádiva” dos juros baixos pudesse provocar a reflexão da nossa casta dirigente. Nada disso. Como podemos observar na figura seguinte, a dívida pública em 1999, no momento de aparecimento do BCE, era de 6.600 euros por português aproximadamente; hoje, é de 26.700 Euros por português. Em 21 anos, a dívida multiplicou-se por quatro!
Por que não se lhe ocorre a reflexão?
Existem eleições para vencer.
Como se assegura a vitória?
Pela compra de votos: empregos seguros no Estado, para uma grande parte da população, clientela política e família; subsídios e ajudas estatais, apenas concedidos a quem se dirige à fila da esmola a implorar, precisamente a quem lhe destruiu o ganha-pão em nome de uma “pandemia”; “negócios da China” atribuídos a empresas amigas do regime, sem qualquer risco e com grande parte da receita a partir de fundos europeus provenientes da máquina de imprimir notas do BCE.
As actuais democracias tornaram-se num autêntico casino. Para incitar os clientes a jogar sem parar, proporcionam-se-lhes bebidas, comida, viagens, estadas a preços simbólicos, ou mesmo “grátis”; mas, no fim, a casa fica com tudo, nem que para isso lhes desgracem por completo a vida – relógio, casa, carro, qualquer coisa serve.
Agora, o dono do casino é o banco central e a casta dirigente os seus clientes. Como são atraídos para a partida, qual é o champanhe da nossa história? O dinheiro grátis!
Proporciona muita coisa: aeroportos sem passageiros, auto-estradas sem carros, estádios sem espectadores, comboios de alta velocidade que apenas existem na nossa imaginação, compra de empresas de aviação falidas, realização de eventos faraónicos… um sem fim de glórias eleitorais.
A casa como se cobra? De três formas:
Primeira: a primeira, em particular quando a coisa aperta, através da entrega das jóias por um preço simbólico – eléctricas, aeroportos, portos, bancos, tudo serve;
Segunda: solicitando a aprovação de leis propostas pelos donos do casino, para lhes incrementar o poder, como a supervisão de todos os bancos da zona Euro ou a possibilidade de aplicar multas sem freio, através de uma legislação Kafkiana sobre o sistema financeiro;
Terceira: exigindo a tributação da plebe – aquela que não come à mesa do orçamento – sem quaisquer contemplações; tributos e taxas sem fim, suportado numa máquina fiscal intimidatória, com recursos inimagináveis e pagos pela plebe, obviamente com a legislação toda a seu favor.
Com a crise da covid-19, apareceu a oportunidade perfeita para vampirizar todas as gotas de sangue da plebe. Para tal, os bancos centrais já nos vieram explicar como irão explorar esta oportunidade, publicando para o efeito os respectivos planos.
O primeiro, elaborado pelo BIS (plano BIS), o banco central dos bancos centrais – admirável, ainda existe outro por cima dos demais! –, o segundo, elaborado pelo BCE (plano BCE) e enquadrado nas directrizes do BIS.
Por que motivo foram elaborados? Servem para preparar o lançamento de moedas digitais, dada a sua estreme “preocupação” com o decréscimo da utilização do numerário – notas e moedas – como meio de pagamento, no contexto de uma “pandemia”, tal como indica a página 13 do relatório do BCE:
…interrupções nos sistemas de pagamentos oferecidos pelo sector privado, banca on-line e levantamentos em caixas multibanco (ATMs) podem afectar significativamente os pagamentos e minar a confiança no sistema financeiro em geral.
Nestes cenários, um euro digital, juntamente com numerário, poderia constituir um possível mecanismo de contingência para os pagamentos electrónicos que poderia continuar a ser utilizado mesmo quando não existissem soluções no sistema financeiro.
Uma pandemia também pode ser considerada como incluída neste cenário, por exemplo, porque o distanciamento social pode modificar os hábitos de pagamento dos consumidores. Os consumidores podem até perceber que o dinheiro é um factor de infecção, apesar da falta de evidências de quaisquer riscos específicos de infecção associados ao uso de notas…”
O relatório do BIS, na sua página 1, no primeiro parágrafo, aparece uma declaração altissonante: “Os bancos centrais têm fornecido dinheiro confiável ao público por centenas de anos, como parte dos seus objectivos de política pública. Dinheiro confiável é um bem público”.
Esta protérvia não fica completa sem mencionar o que consta da página 7 do relatório do BCE, em que esta entidade afirma que o seu dinheiro não tem qualquer risco; na página 10, define tal conceito: sem risco de mercado e sem risco de insolvência do emissor.
O ouro foi a moeda da Humanidade durante 5.000 anos. No entanto, em 1971, o dólar norte-americano (USD) deixou de ser convertível em ouro, colocando-se um fim ao regime monetário de Bretton Woods, estabelecido no final da segunda guerra mundial. Desde então, o USD perdeu 98% do seu valor de mercado, quando medido no metal precioso, tal como se pode observar na figura seguinte.
Fica claro que o dinheiro fornecido por estas entidades não apresenta qualquer risco de mercado!
Por que motivo desvaloriza a moeda fornecida pelos Bancos Centrais?
Ao imprimirem “dinheiro” do ar, por contrapartida de dívida, tanto pública como privada, os Bancos Centrais introduzem enormes quantidades de massa monetária na Economia, sem ocorrer a produção de qualquer bem ou serviço, gerando uma enorme inflação dos activos financeiros (o índice NASDAQ 100 subiu mais de 40% em 2020) e perpetuando os hábitos de Governos dissipadores.
Se o leitor ou eu fizéssemos o mesmo, o nosso destino seria seguramente a cadeia, tal como estabelece o artigo 262.º, com o título “Contrafacção de moeda”, do Código Penal português: “Quem praticar contrafacção de moeda, com intenção de a pôr em circulação como legítima, é punido com pena de prisão de três a doze anos”. Isto é para nós, para eles, justifica-se em nome do bem comum!
Como propõem o funcionamento destas moedas digitais, em particular o Euro Digital?
Em primeiro lugar, estas moedas devem estar sujeitas à política monetária dos bancos centrais, por outras palavras, deve ser possível remunerar ou cobrar juros em relação a um saldo de moeda digital, tal como se menciona na página 13 do documento do BCE “the digital euro should be remunerated at interest rate(s) that the central bank can modify over time”.
Depois, cada indivíduo terá direito a um saldo e um número de transacções limitado, tal como se menciona na página 13 do documento do BCE “limiting the quantity of digital euro that users can hold and/or transact”.
Em seguida, os proprietários de euros digitais não poderão beneficiar do anonimato, ao contrário do que acontece com o numerário (nota e moedas), de acordo com a página 6 do documento do BIS “Full anonymity is not plausible” e página 27 do documento do BCE “Anonymity may have to be ruled out”.
A transacção inicial obrigará à identificação prévia do usuário, tal como acontece na abertura de uma conta bancária, tal como indicado na página 28 do documento do BCE “This would require every digital euro user to be identified at least during onboarding: anonymity would not be possible in order to avoid the circumvention of restrictions by impersonating multiple users.”
Qualquer transacção com euros digitais obrigará ao reconhecimento e validação das partes (a que envia e a que recebe), através da leitura de dados biométricos (reconhecimento da íris, impressões digitais…) de ambos, com o propósito de verificar se os mesmos coincidem com a base de dados do BCE, tal como explicado na página 30 do documento do BCE “The device could, for instance, record information on physical attributes of the intended user (known as biometrics, e.g. fingerprint and iris recognition) and the user must provide matching elements when initiating a payment”.
Para possibilitar a realização de transacções offline, tal como acontece para o numerário há milénios, os terminais (telemóveis, PCs…) devem ser previamente certificados, tal como consta na página 30 do documento do BCE “User-friendly devices to be used in offline digital euro payments would need to be certified”; para se adquirir um telemóvel com estas características, os dados biométricos de cada um serão incorporados nas bases de dados dos novos senhores feudais, para que estes conheçam os proprietários associados a tais telefones.
Neste “Novo Normal”, um burocrata do Banco Central poderá conhecer todos os pagamentos e recebimentos de determinado indivíduo: a que horas sai de casa, por onde se desloca, onde toma refeições, as suas preferências ideológicas, através dos livros ou revistas que adquire, os seus hábitos de consumo, as pessoas com que interage… o Big Brother de George Orwell a caminho!
Qual o único obstáculo à existência deste “Novo Normal”?
Correcto, estimado leitor: o numerário (notas e moedas), a única forma de dinheiro que ainda preserva a nossa anonimidade. Mas eles sabem disso, e confessam-no nos seus documentos.
A necessidade de impor um saldo máximo a cada cidadão – ainda podemos usar tal definição, não será melhor regressarmos ao conceito de súbdito? – está relacionada com a necessidade dos euros digitais competirem com o numerário, pois a taxa de juro associada às notas e moedas que levamos no bolso é 0%.
Assim, se a quantidade de euros digitais que cada um pudesse adquirir fosse ilimitada, numa situação de taxas de juro negativas – obriga ao pagamento de juros em qualquer depósito num banco –, iria criar um forte incentivo à transformação dos depósitos bancários em euros digitais, destruindo, desta forma, o negócio bancário – realmente o banco central, o Frankenstein, irá um dia devorar os seus criadores, os bancos comerciais.
À casta dirigente já pouco lhe resta para entregar ao dono do casino; da última vez, quase tudo teve que ser entregue (eléctricas, aeroportos, bancos…). Agora, a completa ruína está próxima.
O que poderá entregar para continuar a desfrutar do brilho das luzes, das viagens pagas, dos banhos de champanhe, das suítes de hotel à borla, das miúdas e das bebidas, disfarçado de “bazuca” europeia?
Já só lhe resta eliminar o numerário e entregar toda a população. A todos, tal como de gado se tratasse, se lhes irá marcar a pele com a queimadura do ferro – uma base de dados com os dados biométricos de toda a população, o moderno selo do ferro.
Desta forma, a casta poderá continuar na primeira fila do bar, enquanto a plebe, sem escapatória, pois não haverá numerário que a salve, irá entregar todas as gotas do seu sangue, pagando juros, tributos e taxas sem contemplação aos novos senhores feudais do “Novo Normal”, tal como se indica na nota de rodapé (nota 18), da página 18 do documento do BCE:
Uma moeda digital irá ajudar a eliminar o limite inferior da política de juros – jargão de burocrata, o limite inferior é a taxa de juro 0% do numerário –, desta forma alargando as opções disponíveis numa situação de crise (o Covid-19 irá ter a segunda, terceira, quarta, quinta… octogésima vaga, as que forem necessárias), se o numerário desaparecesse “A CBDC could help to eliminate the effective lower bound on policy rates, and thereby widen the policy options available in crisis situations, if cash were to disappear”.
A queda da Monarquia Absoluta no século XVIII teve a ajuda de guilhotinas a executarem durante dois anos, de 1792 a 1794. Agora, quem irá vencer? O verdugo Big Brother, controlado pelos novos monarcas absolutos, ou a guilhotina?
Aceitam-se apostas.
Gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário
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