Em 14 de Outubro de 2018, o fundador e director do Polígrafo, Fernando Esteves, escreveu o seguinte, ao anunciar o seu fact-checker: “Outro detalhe importante: o Polígrafo não analisa notícias de outros jornais. O trabalho dos nossos colegas, sendo muito relevante, não é o nosso core business. Escolhemos avaliar e classificar, de acordo com uma escala, as declarações dos protagonistas das notícias, porque são eles os agentes proativos na difusão de inverdades no espaço público.“
Convenhamos, que Fernando Esteves e os seus colaboradores têm cumprido: nunca analisam o trabalho dos seus colegas, e por maioria de razão, sendo eles jornalistas, nem a qualidade do seu próprio trabalho.
Ora, como bem se sabe, eu e particularmente o PÁGINA UM não somos propriamente defensores do papel imaculado da imprensa, nem tão-pouco que seja ela um mero agente de transmissão de informação.
Em más mãos, em maus profissionais, em pessoas com problemas em perceber e praticar os princípios da ética e da deontologia, a informação facilmente se transforma em manipulação.
Isto a pretexto de um fact-checking do Polígrafo, ontem publicado, sobre a veracidade da morte de soldados ucranianos na ilha de Zmiinii (ou ilha das Serpentes) por terem recusado a rendição, no início da invasão pela Rússia.
Na introdução ao tema em verificação, a jornalista do Polígrafo Salomé Leal escreve o seguinte: “De acordo com várias publicações nas redes sociais, os 13 soldados ucranianos que defendiam a Ilha das Serpentes, no Mar Negro, terão sido mortos pelos russos, depois de terem protagonizado um ato de resistência que já é considerado histórico na guerra da Ucrânia. Confrontados por militares russos e aconselhados a renderem-se, os ucranianos terão respondido: ‘Vão-se lixar!’ Confirma-se que os 13 resistentes perderam a vida?“
Como se sabe agora, esta informação é falsa.
Contudo, toda a análise do Polígrafo omite o papel crucial da comunicação social mainstream na divulgação desta fake news, propalada inicialmente pelo governo ucraniano, de tal modo que o presidente Volodymyr Zelenskyy até chegou a anunciar condecorações póstumas aos soldados massacrados.
Na verdade, tanto a imprensa internacional como a nacional não fizeram o “trabalho de casa” essencial no jornalismo: verificação dos factos; ou, no mínimo, assumpção do erro pela manipulação a que foram sujeitos. A inverdade, termo usado por Fernando Esteves, não foi iniciada nas redes sociais. Teve a sua génese e eco, e maior, por causa das notícias na imprensa mainstream.
No caso português, eis os jornais que relataram, em primeira-mão, esta fake news: Público (numa parceria com o Washington Post), Expresso, Visão, Sábado, Observador e (a inefável) CNN Portugal, apenas para citar alguns.
Passado uns dias, vários destes órgãos de comunicação social deram o dito por não dito, sem um mea culpa. O Público até teve a desfaçatez de fazer a seguinte adenda, três dias mais tarde: “Esta notícia teve uma actualização“. Ou seja, os mortos (da primeira notícia) passaram a estar vivos (na segunda notícia).
Convenhamos que uma situação dessa natureza, uma “actualização” assim, apenas é “conhecida” com Cristo: na Sexta-Feira Santa estava “morto”; no Domingo de Páscoa o seu estado sofreu uma “actualização” para “vivo”.
E que faz o Polígrafo? Nada! Omite tudo isto. Omite o papel da imprensa mainstream. Execra as redes sociais como fonte de toda a manipulação. Limpa a imagem da imprensa, do triste papel dos jornalistas que na pressa de darem informação sem verificação, apenas divulgam, de forma viral, notícias manipuladas.
Relembro, por isso, ao Polígrafo aquilo que, segundo consta no seu site, é – ou deveria ser – o seu método:
“A partir do momento em que o POLÍGRAFO (…) decide ‘checar’ uma informação, há cinco passos que devem ser cumpridos:
Consultar a fonte original da informação
Consultar fontes de natureza documental que possam solidificar o processo de checagem
Ouvir os autores da afirmação, dando-lhes o direito de a explicar
Contextualizar a informação
Avaliar a informação de acordo com uma escala de avaliação“.
Na sua ânsia de diabolizar as redes sociais e de lavar a imagem da imprensa mainstream, o Polígrafo não cumpriu, em rigor, nenhum destes passos.
Manipulou.
O habitual.
Compreendo cada vez melhor por que razão Fernando Esteves nunca quis que o seu Polígrafo verificasse o trabalho dos jornalistas. Prefere branqueá-los quando fazem porcaria, culpando as redes sociais – excelentes bodes expiatórios. Uma indecência.