PANDEMIA

Antigos bastonários da Ordem dos Médicos não poupam (agora) críticas à Direcção-Geral da Saúde

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por Maria Afonso Peixoto // Março 22, 2022


Categoria: Exame

Temas: Saúde

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Num debate organizado pela Cidadania XXI, na passada quarta-feira, Germano de Sousa e José Manuel Silva criticaram papel da Direcção-Geral da Saúde sobre a gestão da pandemia, e nem sequer se furtaram a abordar o tema dos processos intentados pela Ordem dos Médicos que já lideraram.


José Manuel Silva, antigo bastonário da Ordem dos Médicos e actual presidente da autarquia de Coimbra, acusa a Direcção-Geral da Saúde (DGS) de se ter “transformado num órgão político” em vez de funcionar “um órgão exclusivamente técnico, como era suposto”.

Num debate realizado na passada semana em Lisboa, o também antigo presidente da Sociedade Portuguesa de Aterosclerose, e que ocupou ainda o cargo de pró-reitor da Universidade de Coimbra, lamentou ainda que “muitas das decisões [no âmbito da gestão da pandemia] foram baseadas em política e não em evidência científica“, por via de uma demasiada centralização.

Neste debate em torno da gestão da pandemia, promovido pela Cidadania XXI, outro antigo bastonário, Germano de Sousa, salientou a “impreparação indiscutível do Estado português para fazer face a esta epidemia”, exemplificando com o caso dos testes PCR e de antigénio, onde foram os laboratórios privados que os asseguraram.

Debate da Cidadania XXI com a presença de Germano de Sousa (ao centro) e José Manuel Silva (à direita), com moderação de Carlos Alberto Gomes, colaborador do PÁGINA UM (à esquerda)

Um dos aspectos que ambos os bastonários consideraram marcante ao longo dos dois anos da pandemia foi o medo, vindo desde o início com a chegada da covid-19 à Europa. Para José Manuel Silva, instalou-se, injustificadamente, “um clima de pânico, e houve uma dramatização excessiva com as imagens vindas de Itália“. E salientou ainda alguns erros iniciais, mesmo terapêuticos, que levaram a uma maior letalidade inicial da doença.

Na sua opinião, houve algum “experimentalismo terapêutico“, evidenciado, por exemplo, na ventilação quase universal dos doentes, independentemente da idade. Recorde-se que, nos primeiros meses, mesmo idosos foram ventilados em unidades de cuidados intensivos, uma prática que se reveliu fatal e se modificou ao longo do tempo.

Para agravar a sensação de medo e pânico na sociedade, a DGS e a comunicação social também deram um importante contributo, segundo estes dois antigos bastonários. José Manuel Silva considerou que as estatísticas oficiais da covid-19 foram divulgadas com o intuito de “fomentar o medo da população”, mas o seu maior impacte social deveu-se muito à falta de “cultura médica” da população quando essa informação chegava pelos media.

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Germano de Sousa qualificou mesmo a cobertura da pandemia pela imprensa como “chocante“. “Eu abria a televisão e via o Rodrigo Guedes de Carvalho a contar-nos histórias arrepiantes, mudava de canal e era la même chose“, afirmou. “Eu percebo que tenha dado para vender jornais, se eu fosse dono de uma empresa de televisão se calhar também tinha feito o mesmo, mas criou-se um ambiente terrível“, lamentou.

A utilidade da testagem massiva da população, defendida como medida central no controlo da pandemia, também foi posta em causa por estes antigos líderes dos médicos portugueses. Germano de Sousa defendeu que este método só faz sentido “se for possível controlar e isolar os infectados“, algo que nem sempre foi possível. “Na verdade, gostava que me explicassem se [a testagem massiva] serviu de alguma coisa“, reforçou.

No entanto, convém referir que Germano de Sousa é fundador e administrador de um dos principais laboratórios de diagnóstico e análises clínicas de Portugal. Conforme o PÁGINA UM revelou, no primeiro ano da pandemia, em 2020, e muito em virtude dos testes para a covid-19, a sua empresa apresentou um lucro de 31,1 milhões de euros, cerca de quatro vezes mais do que no ano anterior.

Sobre a eficácia dos testes como opção adequada para diagnóstico da covid-19, José Manuel Silva também salientou a polémica em redor dos ciclos de amplificação nos testes PCR. Este antigo bastonário revelou ter chegado a pedir que lhe fosse indicado o número de ciclos utilizados, mas ter-lhe-ão dito que “os médicos não sabiam interpretar essa informação“.

José Manuel Silva considerou que o problema dos testes positivos não se circunscreveu ao diagnóstico, mas também à própria gestão hospitalar ou das pessoas em quarentena. “Houve casos de pessoas já recuperadas, mas que continuaram isoladas ou internadas, porque tinham ainda testes positivo; e isso quando já existia evidência científica de que um resultado positivo não significava que a pessoa tivesse material genético viável ou que contagiasse“, salientou.

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A polémica vacinação de crianças para a covid-19 – que motivou, no final de Janeiro passado, um abaixo-assinado por 27 médicos a pedir a suspensão imediata da inoculação de jovens e crianças – foi considerada “desnecessária“ por estes dois ex-bastonários.

Germano de Sousa considerou ser “inaceitável, do ponto de vista deontológico, vacinar crianças para proteger os mais velhos“, isto mesmo sabendo-se que o programa de vacinação não concederia qualquer imunidade de grupo.

Além disto, José Manuel Silva reforçou que, aquando da decisão da DGS, “não havia evidência científica de que vacinar os mais novos mudasse o curso da pandemia“.

Para a insistência em se vacinarem crianças, o também presidente da Câmara de Coimbra lamentou que a DGS seja, em Portugal, “uma entidade de saúde que se limita a imitar com atraso o que os outros países determinam“. E advoga ainda que os portugueses deviam estar já a fazer uma vida normal desde Setembro – mês em que se atingiu uma cobertura vacinal de 84% da população –, lamentando a lentidão no alívio das restrições.

Também em debate esteve a actuação da Ordem dos Médicos durante a pandemia, com Miguel Guimarães como bastonário, pautada pela abertura de diversos processos disciplinares a médicos, entre os quais Fernando Nobre, fundador da AMI e antigo candidato a presidente da República. Sobre este ponto, Germano de Sousa frisou que, por princípio, “não se deve punir ninguém por delitos de opinião“.

Por sua vez, José Manuel Silva posicionou-se contra qualquer “unanimismos“, defendendo que a Ordem dos Médicos “deve promover o debate sem receios“, pese embora se tenha de cumprir a “leges artis” (métodos e procedimentos, comprovados pela ciência médica), que a “liberdade não é total”.

Texto editado por Pedro Almeida Vieira

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