Vértebras

Manifesto consciente e com Ciência contra os senhores inquisidores dos tempos modernos

Vértebras

por Pedro Almeida Vieira // Março 29, 2022


Categoria: Opinião

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Por quatro vezes, pelo menos, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) já se debruçou sobre a magna questão da legitimidade dos jornalistas em chamarem alguém, a pretexto da pandemia, de “negacionista”.

Em 9 de Dezembro do ano passado, sobre um artigo da Visão, a ERC considerou que como uma peça jornalística “se reporta[va] a um conjunto de pessoas que ou negam a existência da pandemia de covid-19, ou a sua gravidade, ou a validade científica das respostas de combate à doença”, então mostrava-se “adequada e contextualizada a terminologia (‘negacionistas’)”.

No mesmo dia, abordando mais duas outras peças, ambas do Observador (a primeira publicada em 12 de Setembro; a segunda em 21 do mesmo mês) , a ERC considerava também adequada a terminologia “negacionistas” usada para retratar uma manifestação contra a vacinação contra a covid-19 de crianças realizada em Setembro do ano passado. E acrescentavam os membros da ERC que “negacionistas” era já expressão “globalmente utilizada para descrever pessoas e grupos de pessoas que negam os conhecimentos científicos existentes, à data, sobre a covid-19”.

Mais recentemente, em 23 de Fevereiro passado, a ERC reiterou a sua posição anterior, e, nessa medida, concordava até com a TVI que, em defesa do seu jornalista José Alberto Carvalho, alegou a existência de um insondável “princípio, estatisticamente correto, segundo o qual negacionistas (pessoas que negam a existência da covid-19 ou são críticos das restrições impostas para a resolução do problema de saúde pública por ela colocado) teriam tendencialmente taxas de vacinação e logo de imunização mais baixas do que a população em geral”.

Os excelsos membros da ERC “comeram” de bom modo o tal “princípio, estatisticamente correcto” ditado pela TVI, tal como consideraram que qualquer pessoa que questione e critique uma determinada “linha maioritária” seja “negacionista”.

Compreende-se, lendo os seus curricula:

Sebastião Póvoas, o seu presidente, é licenciado em Direito e juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça.

Mário Mesquita, o seu vice-presidente, é licenciado em Comunicação Social e foi jornalista.

Francisco Azevedo e Silva é licenciado em História da Arte e foi jornalista.

Fátima Resende é licenciada em Direito.

João Pedro Figueiredo é licenciado em Direito.

Nenhum dos excelsos membros da ERC se vê obrigado, portanto, a ler artigos científicos sobre Epidemiologia ou Ciências Médicas.

Até porque são eles sobretudo pessoas de Fé: acreditam na Direcção-Geral da Saúde, no Governo, no vice-almirante herói da Nação, na TVI, na demais imprensa amen, etc..

Mas mesmo que lessem, seguiram os dogmas contra a pravidade e apostasia .

Por exemplo, sem pestanejar mas sem evitar também um estremecimento de horror, determinariam que, perante um texto intitulado “The illusion of evidence based medicine”, os seus autores, um certo Jon Jureidini e tal Leemon McHenry, eram “negacionistas” impenitentes e relapsos.

Benzer-se-iam se chegassem ao lead, com a seguinte frase: “A medicina baseada em evidências tem sido corrompida por interesses corporativos, regulamentação falhada e mercantilização da academia”.

E exorcizariam os hereges perante o seguinte trecho: “Os reguladores recebem financiamento da indústria e usam ensaios financiados e realizados pela indústria para aprovar medicamentos, sem, na maioria dos casos, ver os dados brutos. Que confiança temos num sistema em que as empresas farmacêuticas podem ‘marcar o seu próprio trabalho de casa’ em vez de ter os seus produtos testados por especialistas independentes como parte de um sistema regulatório público?”

E sentenciariam à mesma um anátema mesmo se lhes dissessem que o primeiro autor é um psiquiatra infantil da Faculdade de Medicina de Alberta e o segundo é um especialista em bioética e professor emérito de Filosofia da Universidade Estadual da Califórnia.

E confirmariam a sentença mesmo que lhes argumentassem que esse artigo tinha sido publicado na conceituada revista científica BMJ.

E também decretariam ser um “negacionista” quem questionasse a Direcção-Geral da Saúde para disponibilizar dados e relatórios, e que, após uma “luta” para obter alguns desses dados, revelasse que, afinal, andou-se a vacinar adolescentes quando cinco dos 12 membros da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTVC) não concordava com a medida. Como eu fiz.

Também promulgariam ad perpetuam rei memoriam ser um “negacionista” quem questionasse a ética do senhor vice-almirante Gouveia e Melo e da Direcção-Geral da Saúde de quererem vacinar a torto e a direito os recuperados da covid-19, sabendo – porque sabiam – que este grupo não tinha sido incluído nos ensaios clínicos das vacinas, e que existiam já indicações sobre os riscos de efeitos adversos das ditas serem superiores nesses em comparação com aqueles que nunca antes tinham tido contacto anterior com o vírus. Como eu fiz.

E também deliberariam in saecula saeculorum ser um “negacionista” quem questionasse a ética deontológica de certos jornalistas e o sentido ético dos membros da ERC. Como eu fiz.

E por esses benquistos motivos, porque chamar “negacionista” a alguém incómodo é um expediente muito cómodo para evitar questionamentos, o jornalista José Alberto Carvalho não tem assim de provar coisíssima nenhuma.

Nem tem ele e ela de mostrarem estudos a suportar aquelas afirmações. Um dogma surge da Fé.

Nem a ERC exigirá, a si e à TVI, que seja provada a existência de um “princípio, estatisticamente correto, segundo o qual negacionistas (pessoas que negam a existência da covid-19 ou são críticos das restrições impostas para a resolução do problema de saúde pública por ela colocado) teriam tendencialmente taxas de vacinação e logo de imunização mais baixas do que a população em geral”. Um dogma não necessita de comprovação nem comprovativo.

Resultado do teste serológico de IgG em 24 de Março de 2022 com referência ao valor obtido em 20 de Dezembro de 2021 para um “recuperado” em Junho de 2021 e não-vacinado nem com teste positivo nos últimos 10 meses.

Não têm eles, nem ninguém, nem muito menos a Direcção-Geral da Saúde, nem o vice-almirante, nem quem o premiou, nem os excelsos membros da ERC terão que dar explicações sobre as razões pelas quais eu e muitos outros recuperados da covid-19 – mais precisamente, agora, um terço da população – temos de nos vacinar se quisermos ser, ou continuar a ser, cidadãos de pleno direito no século XXI, uma vez que só assim, com injecções cujos efeitos não são conhecidos (aguarda-se que o Infarmed cumpra o parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos), receberemos uma espécie de “carta de alforria” como obedientes súbditos dos paladinos de um bem comum e das nossas vontades.  

E se eu, recuperado há nove meses, argumentar que a Ciência me indicou, através de um teste serológico em Dezembro de 2021, que os meus níveis de IgG no sangue eram de 427,00 BAU/ml, e que três meses mais tarde (terceira semana de Março) o valor era de 438,00 BAU/ml (não me tendo vacinado nem sentido quaisquer sintomas de nova infecção nesse interim), e que, portanto, não vislumbro necessidade de vacinação, então têm eles todos o “direito” de me chamarem “negacionista”. E de me prescreverem castigo compatível.

E podem ter, sim, esse poder.

Não devem é chamar a isto uma democracia.

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