Entidade Reguladora para a Comunicação Social impõe ao canal televisivo a publicação de texto de resposta do PÁGINA UM sem qualquer alteração, e remeteu processo à Comissão da Carteira Profissional de Jornalista para abertura de processo contra 10 jornalistas da CNN Portugal por alegada violação do Estatuto do Jornalista.
A CNN Portugal foi condenada pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), através de uma deliberação, a publicar o texto integral de um direito de resposta, que negara inicialmente, em consequência da sua notícia intitulada “Covid-19: dados confidenciais de crianças internadas em UCI partilhados em página negacionista“, publicada em 23 de Dezembro do ano passado. O canal televisivo de Queluz de Baixo terá de cumprir esta obrigação no prazo de 24 horas após a recepção da notificação da ERC, ficando sujeita a “sanção pecuniária compulsória” de 500 euros por cada dia de atraso.
A ERC também remeteu para a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) o processo com vista à abertura de um processo contra o autor da notícia (o jornalista-estagiário Henrique Magalhães Claudino), os directores da CNN Portugal (Nuno Santos, Pedro Santos Guerreiro e Frederico Roque de Pinho) e ainda seis jornalistas que, ao longo do dia 23 de Dezembro, divulgaram repetidamente aquela notícia difamante.
Em causa está uma notícia da CNN Portugal que acusou o PÁGINA UM – não o citando, mas permitindo facilmente a sua identificação – de ser uma página “negacionista” e “anti-vacinas” por revelar dados anonimizados – ou seja, sem qualquer identificação do nome e local de residência – de crianças internadas com covid-19.
Saliente-se que o PÁGINA UM, na sua notícia intitulada “Zero mortes, 0,5% de hospitalizações e 0,03% de internamentos em cuidados intensivos“, utilizara informação de uma base de dados oficial (mas confidencial) de internados-covid, a que tivera acesso, visando um correcto enquadramento do risco desta doença na população infantil.
A notícia da CNN Portugal surgiu dois dias após a inauguração do site oficial do PÁGINA UM, e não estava dissociada aos incómodos causados pelas investigações, já então em curso, sobre as ligações comerciais entre farmacêuticas e a Ordem dos Médicos e diversas sociedades de médicos.
Aliás, a notícia da CNN incluía a opinião (crítica à informação veiculada pelo PÁGINA UM) de Alexandre Lourenço (presidente do Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos), de Jorge Roque da Cunha (presidente do Sindicato Independente dos Médicos), Manuel Ferreira de Magalhães (pediatra e professor auxiliar da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto), Filipe Almeida (director do Serviço de Humanização e Ética do Hospital de São João) e Cristina Camilo (presidente da Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos Pediátricos).
Em declarações à Lusa, o próprio bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, chegou mesmo afirmar ter apresentado uma queixa à Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD), também “pedindo a intervenção do Ministério Público”, porque considerava que a divulgação daquela informação verídica (mas anonimizada) do PÁGINA UM seria “uma situação muito grave” que, “ainda por cima”, envolvia crianças.
O PÁGINA UM não tem conhecimento de qualquer diligência da CNPD ou do Ministério Público sobre si. E pediu mesmo, através de e-mail de 5 de Janeiro último, que a presidente da CNPD, Filipa Calvão, confirmasse se essa suposta queixa de Miguel Guimarães foi mesmo remetida “e se já houve alguma resposta definitiva, e se sim qual o teor”. A CNPD não respondeu ao PÁGINA UM.
Na sua análise ao processo instaurado contra a CNN Portugal, a ERC salienta primeiro, face à documentação existente (incluindo troca de e-mails) que “dúvidas não existem de que era ao Recorrente [Pedro Almeida Vieira] e ao jornal Página Um que a CNN Portugal se referia na notícia publicada em 23 de Dezembro de 2021, sendo, assim o Recorrente e o jornal que dirige suscetíveis de serem identificados e reconhecidos pelo círculo de pessoas do relacionamento pessoal e profissional do Recorrente”.
E acrescenta ainda a ERC que a referência a “‘página de negacionistas’, a ‘página anti-vacinas no Facebook’, associada à imputação da revelação de dados pessoais sigilosos de crianças na internet, é manifestamente suscetível de afetar a reputação e o bom nome do Recorrente, tanto mais que se trata de um jornalista com carteira profissional, responsável por um órgão de comunicação social online, sujeito a regras legais e éticas de conduta profissional, que lhe impõem a isenção e a imparcialidade no desempenho da sua atividade, facto que, como se viu, era conhecido pela CNN Portugal”.
A CNN Portugal ainda tentou, junto da ERC, alegar que algumas partes do direito de resposta não fossem expurgadas, designadamente a formação académica e percurso profissional do seu director do PÁGINA UM, a referência a uma editora de multimédia daquele canal (Catarina Guerreiro) e aos interesses da Ordem dos Médicos em causar danos à reputação do PÁGINA UM por via das investigações jornalísticas então em curso. Contudo, a ERC considerou que todo “o texto de resposta [do PÁGINA UM]” se mostra “apto a contestar ou modificar a impressão causada pelo texto [do jornalista-estagiário Henrique Magalhães Claudino] a que responde, improcedendo o fundamento invocado pela CNN Portugal para negar o exercício do direito de resposta”.
De igual modo, a CNN quis também que a ERC censurasse o ponto 7 do texto do direito de resposta do PÁGINA UM: “Não há memória, na História recente da Imprensa Portuguesa, de um órgão de comunicação social claramente independente (sem publicidade e sem parecerias comerciais) ser atacado de forma tão vil, e apelidado de ‘página negacionista’ por um órgão de comunicação social de um importante grupo empresarial. E ser ainda acusado de propalar alegada informação falsa, ademais omitindo, intencionalmente, elementos essenciais.”
A ERC não deu também qualquer razão à CNN Portugal neste ponto.
Além disto, a ERC considerou que as referências que o PÁGINA UM faz ao artigo da CNN Portugal – e em concreto ao “jornalista-estagiário Henrique Magalhães Claudino” e ao seu trabalho “ultrajante” – “não se apresenta desproporcionalmente desprimorosa, tendo em conta o ‘rótulo’ de ‘página negacionista’, ‘página anti-vacinas’, ‘caso gravíssimo’, ‘inaceitável’ e ‘deplorável’, dado pela CNN Portugal ao jornal que o Recorrente dirige”.
A ERC abre, porém, a porta à CNN Portugal para não publicar o direito de resposta, uma vez que “a publicação com o texto de resposta [do PÁGINA UM] deve estar disponível [somente] enquanto a notícia respondida permanecer online, devendo estar acessível através de link, com relevo adequado, na página do texto respondido”. Ou seja, a direcção editorial da CNN Portugal pode, inadvertida ou intencionalmente, carregar numa tecla do back office do seu site, para eliminar o artigo do jornalista-estagiário Henrique Magalhães Claudino, que ainda hoje, três meses depois, continua disponível.
Esta deliberação da entidade reguladora sobre a postura da CNN Portugal acaba, porém, por ser paradoxal face a uma anterior decisão que ilibou o Público de publicar um direito de resposta exigido pelo PÁGINA UM.
Embora uma notícia do Público, colocada no seu site em 23 de Dezembro passado, fizesse referências expressas à notícia original da CNN Portugal (com um link activo) e de ali constarem comentários de leitores identificando expressamente o PÁGINA UM e o seu director, a ERC escreveu então que, naquele caso, “não pode razoavelmente interpretar-se” haver uma associação “inequívoca”. E manifestou então, nessa deliberação de 9 de Fevereiro, que a “expressão ‘página de negacionistas anti-vacinas no Facebook’” não era “subsumível ao conceito de referência indirecta suscetível de afetar a reputação e boa-fama de Pedro Almeida Vieira [director do PÁGINA UM]”.
O PÁGINA UM recorreu junto da ERC, através de uma reclamação formal, dessa deliberação que considerou “legítima” a recusa do Público em publicar o texto de direito de resposta.
Saliente-se que é usual, em organismos reguladores, as deliberações serem escritas por assessores com formação jurídica, e sensibilidades distintas, antes das votações pelos membros dirigentes, ou seja, nem sempre as deliberações entre si se mostram coerentes. A ERC terá, por certo, oportunidade de as tornar coerentes, tanto mais que se encontram ainda para deliberar queixas similares contra a Lusa, Observador e Expresso.