Consulta pública para renovar por mais um ano a vigência do certificado digital está a merecer uma contestação nunca vista. Em situações normais, regulamentos em dicussão recebem poucas dezenas ou centenas de comentários antes da sua aprovação, mas o prolongamento do documento que é a imagem da discriminação a quem recusa vacinar-se, em muitos casos por ter imunidade natural, já conta com mais de 136 mil comentários de cidadãos e entidades sobretudo da Itália, Holanda, Alemanha, Bélgica e Eslováquia. Em Portugal, porém, no pasa nada. A imprensa mainstream ignora o assunto. E de todos os partidos políticos, apenas o PCP quis falar ao PÁGINA UM.
Manter ou não manter por mais um ano o certificado digital de vacinação como forma de discriminar os não-vacinados contra a covid-19 no controlo transfrointeiriço ou locais públicos e privados: eis a magna questão.
Falta menos de uma semana para terminar a mais concorrida e polémica iniciativa legislativa da Comissão Europeia, e quase todos os principais partidos políticos portugueses ignoram este assunto. E nem se mostram interessados em o debater. A imprensa mainstream também nada noticia sobre a intenção da Comissão von der Leyen, que tomará uma decisão após a consulta pública que termina na próxima sexta-feira, dia 8.
A fase de consulta pública do projecto de regulamentação da Comissão von der Leyen em prolongar a vigência do certificado digital até Junho de 2023 – declaradamente para incentivar a vacinação contra a covid-19 está a sofrer uma contestação nunca vista.
De acordo com os registos no site da Comissão Europeia foram contabilizadas, até às 19:30 horas de hoje, um total de 136.039 comentários e apreciações à proposta de uso do certificado digital, praticamente todas contra.
Em pouco mais de um mês, os comentários mais do que duplicaram. Em 24 de Fevereiro, num levantamento do PÁGINA UM, estavam então registados 61.532 comentários.
A Itália – país onde o uso do certificado digital para uso interno se aplicou de forma radical, condicionando mesmo o acesso ao emprego, transportes públicos e a bens essenciais – lidera as estatísticas, com 24.413 comentários de cidadãos e entidades.
Segue-se a Holanda e a Alemanha a pouca distância uma da outra, com 22.631 e 22.592 comentários, respectivamente. A França conta já com 17.282, e Bélgica e Eslováquia contam, cada, com mais de cinco mil.
Portugal é apenas o 13º país com mais comentários, com um total de 1.257,o que se deverá, em grande medida, à falta de eco sobre a consulta pública, quase um boicote, pela imprensa mainstream.
Para obter uma reacção sobre a necessidade de prolongamento do certificado digital – que cientificamente não garante a não transmissibilidade da covid-19 nem tão-pouco de mecanismo de controlo da pandemia –, o PÁGINA UM contactou durante a passada semana todos os partidos políticos com assento na Assembleia da República e/ou no Parlamento Europeu sobre esta matéria, a saber: Partido Socialista, Partido Social Democrata, Chega, Iniciativa Liberal, CDS, PAN, Bloco de Esquerda e Partido Comunista Português (PCP).
Apesar de terem sido feitos dois contactos, apenas o PCP reagiu. Referindo que “quando da discussão e aprovação do ‘certificado digital’ no Parlamento Europeu”, discordou e repudiou “um regulamento que permitia aos Estados Membros imporem restrições à circulação de pessoas”, incluindo o acesso ao emprego, os comunistas dizem “não ver nenhuma razão para alterar a nossa posição”.
E relembram ainda que “a Organização Mundial de Saúde, não só desaconselhou que tal decisão fosse tomada, como chamou a atenção para o facto de se estar a fazer tábua rasa do Regulamento Sanitário Internacional, subscrito por 196 países, que aponta soluções mais eficazes.”
Para o PCP, que defende ser a vacinação eficaz no combate à covid-19, não é com o certificado digital, “com este tipo de imposições”, que se consegue convencer os mais reticentes, mas sim “através de outras medidas mais eficazes”. No entanto, para este partido político “não se justifica a introdução da obrigatoriedade.”
O Governo português, por seu turno, aparenta querer manter a sua vigência, tanto mais que tomou a decisão deixar cair o prazo de validade dos certificados dos menores. Significa assim que os maiores de 18 anos terão de tomar reforços da vacina contra a covid-19 de 9 em 9 meses, independentemente do seu grau de imunidade, caso pretendam renovar o seu “passe sanitário administrativo”.
Recorde-se que o regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, ainda em vigor, que criou, em Junho do ano passado, “um regime para a emissão, verificação e aceitação de certificados interoperáveis de vacinação, teste e recuperação da COVID-19 (Certificado Digital COVID da UE)” pretendia “facilitar a livre circulação de pessoas durante a pandemia”. Mas era temporário, com o prazo de um ano e apenas para controlo transfronteiriço.
Porém, estes certificados foram depois abusivamente aproveitados por diversos Estados-membros, incluindo Portugal, para discriminarem não-vacinados (mesmo se recuperados há mais de seis meses) no acesso a determinados espaços.
Em todo o caso, de acordo com um levantamento ontem apresentado pelo jornal ECO, há 15 países que já decidiram terminar com as restrições nas viagens para os cidadãos da União Europeia ou do Espaço Schengen, a saber: Dinamarca, Eslovénia, Finlândia, Hungria, Irlanda, Islândia, Lituânia, Luxemburgo, Noruega, Países Baixos, República Checa, Roménia, Suécia, Suíça e Liechtenstein.