Vértebras

Sei o que fizeste no Verão passado, Manuel Carvalho…

Vértebras

por Pedro Almeida Vieira // Abril 7, 2022


Categoria: Opinião

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No seu editorial do passado 4 de Abril no jornal Público, Manuel Carvalho zurze em “majores generais” e em “aprendizes de espiões” que promovem a desinformação.

Omitiu ele que o Público foi já um promotor de desinformação na primeira fase da injustificável invasão da Rússia, quando anunciou, em 25 de Fevereiro, que 13 soldados ucranianos tinham sido massacrados na ilha das Serpentes, para surgir três dias depois com uma, enfim, “actualização” (sic): afinal os homens estavam vivos. O Polígrafo tratou de fazer a “limpeza“. Ou tentar fazer.

O Público, esse, e Manuel Carvalho, esse, não pediram desculpas aos leitores. Por quem sois.

Nem se lembrou ele serem essas atitudes desresponsabilizantes – que perpassam a legacy media –, que alimentam hoje a falta de confiança dos leitores na imprensa, nos jornalistas.

Colocar dúvidas sobre os agentes do massacre de Bucha não se deve à desinformação que possa vir da propaganda russa – como em tempos houve propaganda norte-americana para justificar a invasão do Iraque – nem às análises mais ou menos enviesadas e erradas de “majores generais” alegadamente putinistas ou de “aprendizes de espiões” sem o corte de cabelo de Nuno Rogeiro.

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A incredulidade deve-se à situação da imprensa, à qualidade da sua informação, porque quase todos os jornalistas deixaram de querer ser meros observadores ou árbitros, que são funções nobres e primordiais numa sociedade democrática, para se transformarem em diligentes arautos da verdade imediatista, em sacerdotes de uma doutrina maioritária.

Na pressa, e sobre a pressão de serem os primeiros, muitos jornalistas optam por “publicar” agora primeiro e “confirmar” depois, subvertendo o princípio basilar do jornalismo. Na verdade, nem sequer confirmam depois, ou se o fazem e verificam que meteram os pés pelas mãos, saem de mansinho como sendeiros.

Nunca a imprensa mainstream gosta de admitir ser o rei que vai nu, e até tem horror ao espelho. Não acredita sequer que não acreditam nela, e quando se lhe mostra o descrédito, apontam-no como mera maledicência de uma minoria sem expressão da realidade.

Não é, por mais vezes e vozes que lhes diga o contrário.

O descrédito de jornalistas como Manuel Carvalho é um descrédito que plasma sobretudo nos momentos em que, pomposamente, se entoam grandiloquentes princípios de ética jornalística.

Note-se esta passagem do seu editorial de 4 de Abril, após a zurzidela nos “majores generais” e “aprendizes de espiões”, e onde defende até o seu direito a expressarem-se [presumo que com um letreiro a atestar serem “desinformadores, pela forma como ele os destrata]:

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Se há um reduto inexpugnável para o jornalismo é o da liberdade de expressão. Um bem precioso, mas delicado, que é melhor ter a mais do que a menos. Uma leve amputação pode confortar a consciência no presente – mas implica um risco para o futuro.”

Ui! Palavras como boomerangs!

Vamos ser claros: sei o que fizeste no Verão passado, Manuel Carvalho…

Ou, pelo menos, no dia 19 de Agosto de 2021.

“Despublicaste” um artigo de opinião do médico Pedro Girão, e ainda escreveste, para opróbrio do dito, a seguinte nota editorial intitulada “Um erro e um pedido de desculpas”:

Um erro de controlo editorial corrigido nesta quinta-feira às 17h42 permitiu que um artigo de opinião (‘Uma vacina longe de mais’) assinado pelo médico anestesiologista Pedro Girão estivesse disponível na nossa edição digital durante horas.

A sua despublicação justifica-se não apenas pelo tom desprimoroso e supérfluo usado pelo autor em relação a várias personalidades da nossa vida pública, como pelo seu teor que, de forma ora mais velada, ora mais explícita, tende a instigar a ideia de que a vacina contra a covid-19 é ‘uma experiência terapêutica’ sem validade científica.

Como é do conhecimento dos nossos leitores, o PÚBLICO é um jornal que cultiva e estimula a diferença de opiniões que alimenta as sociedades democráticas. Mas há padrões e valores que não podem ser cedidos em nome do pluralismo. Numa questão tão sensível como a da pandemia, recusamos em absoluto promover juízos que tendem a negar a importância ou o relativo consenso científico em torno das vacinas.

Por isso errámos ao publicar o texto e por isso agimos com a celeridade possível para corrigir esse erro, despublicando o artigo em questão e pedindo desculpas aos nossos leitores pelo sucedido.

Ora, hoje sabemos que Manuel Carvalho errou, mas não foi apenas por ter exercido um reles acto de censura, ainda mais eufemisticamente auto-classificado de “despublicação”.

Manuel Carvalho cerceou uma opinião porque, entre outros considerações, recusava “em absoluto promover juízos que tendem a negar a importância ou o relativo consenso científico em torno das vacinas”, e Pedro Girão era uma das vozes que publicamente criticava o tema quente de então: a vacinação de adolescentes.

Mas hoje sabemos sobretudo que o consenso em redor das vacinas em adolescentes nunca existiu mesmo no seio da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTVC), que integra 12 insuspeitos “peritos”.

E sabemos não graças a perguntas de Manuel Carvalho ou dos jornalistas do Público – que sempre se mantiveram unha com carne da narrativa do Governo, do Presidente da República e da Direcção-Geral da Saúde – alvos das críticas do artigo “despublicado” de Pedro Girão –, mas das insistências e da luta do PÁGINA UM.

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Sabemos hoje porque o PÁGINA UM perguntou pelos documentos à DGS, e não ficou satisfeito com o silêncio, e recorreu à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, e insistiu e insistiu, e ganhou para os “arrancar”. Não foi o Público nem Manuel Carvalho que fez isso.

Sabemos hoje porque o PÁGINA UM foi o único órgão de comunicação social que fez perguntas incómodas à DGS e lhe pediu documentos para comprovar ou desmentir a narrativa. Não foi o Público nem Manuel Carvalho que fez isso.

Sabemos hoje, graças ao PÁGINA UM, que em 8 Agosto do ano passado, 11 dias antes do acto de censura do Público a Pedro Girão, que cinco membros da CTVC não votaram favoravelmente o parecer que recomendava a vacinação dos adolescentes. Quatro dos 12 peritos votaram contra, e um decidiu não votar. Não foi o Público nem Manuel Carvalho que divulgou essa informação.

Informação essa que deveria ser agora cruzada com o acto de censura de Manuel Carvalho em Agosto de 2021 e com esta frase do mesmo Manuel Carvalho em Abril de 2022: “uma leve amputação [leia-se, censura] pode confortar a consciência no presente, mas implica um risco para o futuro”.

Nunca vai haver desculpas de Manuel Carvalho, porque não se pode esperar desculpas quando se andou meses e meses a fio alimentando e propalando o mito do consenso, o mito da certeza absoluta baseada na Ciência, o mito da existência de uma estúpida, tresloucada e marginal franja de “negacionistas assassinos” anti-vacinas, onde se metia todos aqueles que questionavam e incomodavam com perguntas e opiniões dissonantes.

Aquilo que Manuel Carvalho e o Público fizeram, ao longo de toda a pandemia, não foi defenderem a liberdade de expressão e de opinião; foi sim o oposto. Chegaram ao cúmulo de se munirem de um lápis negro para “limpar” supostas heresias, quando, por engano, não se aperceberam do conteúdo.

Isto não pode jamais ser esquecido, e deve ser agora sobrelevado mais ainda por causa do fingido editorial de Manuel Carvalho do passado 4 de Abril.

Mas, para mim, pior do que aquilo que Manuel Carvalho fez no Verão passado, é aquilo que Manuel Carvalho fez no final do Inverno passado e na Primavera que se iniciou. E continuará a fazer.

Já passaram 24 dias – não são 24 horas, são 24 dias – desde que o PÁGINA UM publicou integralmente – até para a concorrência ver, ler e usar – todos os pareceres da CTVC, incluindo aquele de 8 de Agosto de 2021 sobre o programa de vacinação dos adolescentes.

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Nesse parecer mostra-se, prova-se, de forma indesmentível, que o consenso nunca existiu sobre a vacinação de adolescentes. Mostra-se, prova-se, que Pedro Girão tinha razão quando escreveu, por exemplo, que “a posição do Presidente da República nessa matéria [apoio incondicional à vacinação de adolescentes] é absolutamente escandalosa, parecendo baseada em conhecimentos débeis do assunto, em hipóteses duvidosas, em desvario emocional, ou em possíveis interesses.”

Para Manuel Carvalho, isso pouco importa agora.

O PÁGINA UM até chegou a aguardar três dias, depois de 14 de Março passado, antes de escrutinar o conteúdo daquele parecer dos adolescentes, e fazer a notícia sobre o assunto. Quis testar a legacy media; saber se a concorrência pegava no assunto.

Confirmou-se. Ninguém quis. Pudera: arder-lhes-iam as mãos. Teriam de se vergar, e envergonharem-se pelos actos passados.

Nem quando a própria DGS divulgou no seu site os ditos pareceres, que desmoronam toda a narrativa do alegado consenso, a imprensa mainstream se mexeu. Era o que faltava.

Ah, mas talvez eu esteja a ser demasiado exigente com Manuel Carvalho. O Verão passado já passou.

As suas incongruências e hipocrisias, não.

Contudo, não se livra Manuel Carvalho de uma coisa: escrevendo ele agora, no ano da graça de 2022, que “se há um reduto inexpugnável para o jornalismo é o da liberdade de expressão”, então eu direi, ao abrigo da liberdade de expressão, que o jornalismo deveria expugnar-se de pessoas como ele.

São pessoas como ele, Manuel Carvalho, que, infeliz e lamentavelmente, embora se espere não inexoravelmente, descredibilizaram a imprensa.

O jornalismo independente DEPENDE dos leitores

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