Mais que o novel presidente da autarquia, José Manuel Silva ficou conhecido por dois mandatos à frente da Ordem dos Médicos, entre 2011 e 2017. Nesta segunda parte da longa entrevista com o PÁGINA UM, não se furta a falar de tudo sobre a pandemia. E tanto disse ele que haverá ainda uma terceira parte nesta primeira ENTREVISTA P1.
Antes de ligar o microfone, falou-me que, se os munícipes assim o entenderem, ficaria à frentes dos destinos da Câmara de Coimbra durante dois mandatos, ou seja, oito anos. A prática médica estará assim, para si, em segundo plano…
Completamente suspensa.
Em todo o caso, será sempre um médico. Por isso, e também porque esta entrevista se justifica por ter sido bastonário da Ordem dos Médicos durante seis anos (2011-2017), como vê agora a pandemia? Ou melhor, se calhar já estamos na fase pós-pandemia, não?
Para mim já estamos. A partir do momento em que um vírus se transforma num vírus endémico, como é o caso, já estamos na fase pós-pandémica, embora isso seja um debate interessante, mas de efeitos concretos pouco estimulantes.
Não vou fazer nenhuma inconfidência, mas estamos aqui todos sem máscara, mas não estamos aqui a cumprir a lei e as orientações da Direcção-Geral da Saúde (DGS), certo?
Se estivéssemos todos num restaurante estávamos todos sem máscara, a comer, e onde há mais gente. E com maior concentração de pessoas do que aqui, onde estão cinco. Um dos exemplos que dou das medidas absurdas durante a pandemia é a dos semáforos em 2021 nas praias, que foi uma manifestação de estupidez humana. E, por exemplo, nos restaurantes, em que temos de entrar com uma máscara, estamos lá dentro a comer, a beber, a conversar e a cantar, se for o caso disso, sempre sem máscara, e depois para sair do restaurante temos que pôr uma máscara outra vez. Isso é a insanidade total. A irracionalidade total nas medidas.
Havia algumas medidas não-farmacológicas que até faziam sentido: a promoção do teletrabalho e a redução do número de pessoas nos transportes públicos, por exemplo. Mas chegou-se ao limite de multar pessoas por comerem sandes no carro, ou por comprarem gomas em máquinas de vending. E vedaram-se bancos de jardim com fitas para as pessoas não se sentarem. E por que não ouvimos médicos distintos a dizerem que essas medidas eram loucas? Ou melhor, porque não se permitiu ouvir? Na verdade, houve alguns que criticaram essas medidas, mas foram logo catalogados. Porque é que houve esta gestão, assim?
Porque se instalou uma circunstância de pânico, e depois de controlo das populações pelo medo. O condicionamento das pessoas pelo medo. Eu fui tentando, nomeadamente nas redes sociais, fazer alguns comentários que divergiam das verdades oficiais, e era quase crucificado pelos extremistas das medidas e do controlo das pessoas pelo medo. Chegaram mesmo a defender que era preciso que as pessoas tivessem medo.
Sim. Houve uma task force da DGS que defendeu essa estratégia do medo…
E eu dizia que não; devia-se, sim, informar as pessoas. Temos aqui um distinto psiquiatra [Pio Abreu, que assistiu à entrevista], que pode confirmar que houve problemas grave de saúde mental por causa do pânico. Um pânico como se a Humanidade se fosse extinguir por causa de um vírus, quando, desde o início, se percebia que a taxa de mortalidade até era relativamente baixa.
Eu ia colocar-lhe essa pergunta, porque o medo ou o pânico advêm sobretudo do desconhecido ou da ignorância. Ora, muito rapidamente se constatou que a taxa de letalidade rondava os 2%, que era muito superior nos idosos ou pessoas com comorbilidades, mas baixíssima na população abaixo dos 40 anos. A mortalidade pelas pneumonias, sendo irrelevante abaixo dos 20 anos, mesmo assim é superior à da covid-19. Mas quem falava disto era rotulado de negacionista. E aquilo que mais vimos foi a classe médica, corporizada pela Ordem dos Médicos e o seu Gabinete de Crise, a alimentar o pânico… Teria sido diferente consigo, se a pandemia tivesse ocorrido durante o seu mandato?
Isso é uma pergunta que me deixa numa posição desconfortável.
Mas é essa a função dos jornalistas, ou não?
[pausa] Sim, teria havido diferenças.
E em que aspectos, mais em concreto?
[risos] [pausa] Teria havido diferenças. Aliás, basta ver o que fui escrevendo no Facebook para se perceber.
Os leitores do PÁGINA UM podem não o ter lido…
Os objetivos deveriam ter sido claramente definidos. Saber o que queríamos com as medidas de combate à pandemia, na prevenção e minimização do impacto na saúde das pessoas. Aliás, como dizia aquele epidemiologista sueco [Johan Giesecke], isto não é como começa, mas como acaba; é como no futebol. Aquilo que interessa não são os picos – que só importam para avaliar a capacidade de resposta do sistema de saúde. O impacto da pandemia mede-se não pelo pico, mas pela área sobre a curva. A única coisa que as medidas [não-farmacológicas] fazem – e bem, porque foi preciso garantir que a capacidade de resposta não fosse completamente ultrapassada, como foi em alguns momentos – é achatar a curva. Mas o que se estava a fazer não era evitar casos; era adiar casos. Aliás, do ponto de vista epidemiológico, basta ver a evolução dos outros quatro coronavírus que já circulavam antes do SARS-CoV-2 para percebermos como este se comporta. E sabemos o que são pandemias quando aparece um novo tipo de vírus. Não há nada de novo nem transcendental. E a verdade é que os confinamentos achatavam a curva, adiavam mas não evitavam casos. Isso foi importante, numa primeira fase, para dar tempo ao país para se preparar melhor, porque estava completamente impreparado. Não foi por acaso que a nossa primeira medida foi o Estado de Emergência [em Março de 2020], e depois tivemos algum tempo para nos prepararmos.
Nos primeiros confinamentos, em 2020, com os Estados de Emergência e os lockdowns até fomos elogiados internacionalmente, e quase levámos uma medalha…
Porque usámos a “bomba atómica”, mas depois…
Pois, a questão é essa: depois, em Outubro de 2020, o Ministério da Saúde anunciou que tinha 17 mil camas para doentes-covid, mas chegámos ao Inverno de 2020-2021 e foi o descalabro completo. O Serviço Nacional de Saúde colapsou.
Colapsou…
E no último Inverno, com tantos casos positivos, não se repetiu porque claramente a Ómicron, a variante dominante, tem uma letalidade muito mais baixa…
Os casos pela Ómicron não interessam…
Exactamente…
E quanto mais testes se fizessem mais casos tínhamos, porque se detectavam pessoas assintomáticas. O nosso número elevado de casos foi devido à decisão de se fazerem mais testes.
Mas sempre que se falava em aplanar a curva, era afinal uma curva de casos positivos. Estava-se sempre a falar nos casos. Estávamos sempre numa epidemia de casos…
O problema foi que não houve capacidade ou interesse do Governo, do Ministério da Saúde e da DGS em se fazer uma análise sobre o antes e o depois das vacinas. Quando apareceu a pandemia dizia-se que só se resolvia isto com a imunidade de grupo, só quando todos apanhássemos a doença, porque não havia vacinas. Ou, dependendo da contagiosidade, quando 85% da população tivesse apanhado covid-19. Felizmente – e porque a técnica já existia, já estava a ser muito desenvolvida e testada para várias doenças, incluindo terapêutica do cancro –, foi possível descobrir-se ou preparar-se, com rapidez, uma vacina contra o SAR-CoV-2, e tudo mudou. A população que nunca tinha tido contacto com o vírus, podia desenvolver imunidade sem doença, de modo a estar preparado para quando houvesse contacto com o vírus. E assim teria a situação amenizada, como acontece com as vacinas, e como acontece com a gripe. Portanto, isso preparou-nos. Houve uma redução significativa do número de casos. Por isso, a partir de Outubro ou Setembro do ano passado, quando tínhamos 86% da população vacinada – só não estavam vacinadas as crianças, que nunca precisaram de ser vacinadas, e as pessoas que não se queriam vacinar, cuja opção eu respeito –, devíamos ter recuperado uma vida normal. Desenvolver uma vida normal.
Vamos falar da vacina. É uma tecnologia nova, que não tinha sido ainda utilizada de uma forma massiva. Ora, estamos perante uma doença em que sabemos que acima de 80 anos a taxa de letalidade rondava os 15%, depois baixava para os 4% ou 5% nos septuagenários; na minha idade descia para 1%. E por aí fora… Num adulto jovem e numa criança era 0,00 qualquer coisa. Ora, conhecendo-se isso cientificamente, e sabendo-se ainda que, afinal, a vacinação não dava imunidade de grupo, que um vacinado podia infectar e ser infectado, justificava-se a vacinação universal, como fizemos, de uma forma praticamente coerciva?
As crianças, não. Os jovens… [pausa] Repare: fez-se uma coisa que não existe na Medicina, que é tratar uma pessoa para prevenir a doença noutra. E essa foi a justificação para se vacinarem as crianças e os jovens.
Isso é etico?
É discutível.
Mas, na sua opinião, é ético ou não?
É discutível. A ética é um conceito relativo. É eticamente discutível fazê-lo.
Desculpe insistir, mas não me respondeu. Imagine que estava num fórum sobre ética a discutir esta questão. Qual seria a sua posição? Pode dizer-me que ainda não tomou uma posição. Mas diga-me se é a favor ou se é contra, ou se ainda não tomou uma decisão…
Nós não vivemos num mundo de extremos, de preto e branco. Temos os tons de cinzento. A ética é um conceito relativo e subjectivo.
Mas eu coloquei-lhe a hipótese de não ter uma posição definitiva. Nem branco nem preto, estou ainda a reflectir…
Digo-lhe que é eticamente discutível e não foi discutido. Por exemplo, o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) não foi ouvido, e eu acho que devia ter sido ouvido. Não sou um eticista. Tenho o meu conceito de ética, mas eu gostaria de ter visto esta questão ser discutida pelos especialistas em ética. E eu soube de um representante do CNECV a dizer que deviam ter sido ouvidos e não foram. Eu não vou dizer preto ou branco, é ético ou não é ético, porque há imensas matizes na ética. Agora, eu gostaria de ter ouvido o CNECV pronunciar-se sobre vacinar pessoas que não beneficiam de uma vacina alegadamente para proteger outras. E é mesmo alegadamente – não é que a vacina lhes fizesse mal, atenção. Não está isso em causa, na minha opinião. Aliás, muitas pessoas perguntaram-me se deveriam vacinar os filhos ou não. E eu disse-lhes: façam como vocês entenderem, porque eles não precisam de ser vacinados, mas a vacina também não lhes faz mal. Dizia-se, por exemplo, que os jovens vacinados têm menos miocardites [do que os não-vacinados]. Sim, e depois? É verdade, têm menos miocardites; qualquer pessoa que tenha uma doença virusal pode ter uma miocardite, mas a mim não me interessa que tenha uma miocardite; sim interessa é saber se essa miocardite tem consequências.
É a velha questão dos casos e dos assintomáticos…
Sim. O que me interessa termos 10 mil casos de covid-19, se muitos são completamente assintomáticos? Não contam. Portanto, pode-se dizer, até inequivocamente, que os jovens vacinados têm menos casos de miocardite, porque não têm uma infecção vírusal – embora a própria vacina, mas enfim de uma forma discutível, pudesse eventualmente desencadear casos de miocardite, porém numa taxa inferior aos não-vacinados. Mas a questão essencial é: beneficiaram disso? Não há provas nenhumas que beneficiem disso; por isso é que nos estudos de prevenção não se aceitam os endpoints intermédios, que são os casos, porque aquilo que tem peso são os hard endpoints, como as mortes e os internamentos em unidades de cuidados intensivos. Ora, não está demonstrado que as vacinas reduzam os hard endpoints nas crianças, portanto não precisavam de ser vacinadas.
Ainda sobre a segurança das vacinas, e o tal princípio da prevenção…
Eu não tenho dúvidas sobre a segurança das vacinas. Algumas pessoas receiam levar RNA mensageiro porque dizem que mexe com a nossa genética, porque entra na célula. É verdade, mas se nós levamos com o vírus, em vez de levarmos uma dose controlada de RNA mensageiro, apanhamos uma dose maciça de RNA mensageiro do vírus. Eu acredito na inocuidade da vacina. Vacinei-me com as três doses, embora ache que nem precisava da terceira dose, porque tinha anticorpos positivos. Aliás, estive a trabalhar em enfermarias-covid, lidei com o vírus todos os dias, já depois das duas doses de vacina. Eu tinha valores de anticorpos positivos, porque os medi. Não precisava da terceira dose, mas ok vacinei-me, para ter o certificado, porque aquilo também não me fez mal. Andei para aí um dia com cansaço anómalo, mas isso também faz parte.
Falou dessa questão dos anticorpos, e vou aproveitar para uma “consulta”. Tive covid-19 com internamento em Junho do ano passado, nunca usei o certificado digital por considerar que não é método de controlo da pandemia, e serve apenas para discriminar, fui recusando os “convites” para me vacinar desde Agosto, li literatura científica sobre imunidade natural, sobre efeitos adversos. Em finais de Dezembro do ano passado, fiz um teste serológico (IgG) que deu um valor 427 BAU/ml; repeti agora em finais de Março e deu 438 BAU/ml, o que indicia que, provavelmente, até terei contactado com a Ómicron. Pergunto ao médico: devo vacinar-me ou não?
Com anticorpos positivos, não vale a pena. A não ser para ter um certificado digital, que é o passaporte para a liberdade [dito com sarcasmo]…
Mas que é isto do passaporte sanitário? Mas o que é que é isto de se usar um passaporte sanitário? E pergunto-lhe a si como cidadão e como médico. Onde está a Ciência no passaporte sanitário? Porque, salvaguardando a analogia, é o mesmo que impor, numa campanha de redução dos cancros da pele, que qualquer pessoa se besunte de factor 50 para entrar na praia, mesmo um negro do Senegal…
É um exagero sanitarista, até porque isso é o resultado de as autoridades não acreditarem na vacina. Eu não preciso que se vacine, ou que tenha um passaporte, para eu me proteger. Para me proteger, vacino-me. Se eu quisesse, até podia estar aqui de máscara, enfim, também tinha uma proteção adicional, mas se me quero proteger, vacino-me. Quem se quer proteger, vacina-se. Eu não tenho nenhum problema com as pessoas que não se querem vacinar. Eu acho que não devia ser necessário passaporte sanitário nenhum. Quem não se quer vacinar, prefere estar desprotegido, corre riscos maiores, mas é uma opção. Aliás, a base do exercício da Medicina é o consentimento informado; ou seja, eu não posso obrigar nenhum doente a fazer uma coisa que ele não quer. Como é que eu posso obrigar alguém a vacinar-se se ele não quiser? Como é que eu posso obrigar alguém a ter um passaporte sanitário, se ele não quiser? Eu protejo-me da forma que entendo mais eficaz, e vacinei-me. No entanto, convém dizer que há alguma similitude, por exemplo, com febre amarela em alguns países. O conceito do passaporte sanitário já existe, não é novo, não há também razão para o diabolizarmos. Mas no caso da febre amarela – que pode ser uma chatice – está em causa sobretudo evitá-la quando se está em certos países com piores cuidados médicos.
Mas voltando atrás. Se o certificado digital deixar de estar em cima da mesa, uma pessoa nas minhas circunstâncias deve vacinar-se?
Nos outros coronavírus já sabemos que a imunidade, a memória imunológica, aos coronavírus é transitória, e é reactivada por ciclos regulares de reinfecção a cada dois a quatro anos. Já tivemos muitas infecções por coronavírus, e vamos ter muitas infecções por SARS-CoV-2, que está endémico. Por isso, andarmos de máscara agora, quando não há uma pressão sobre o Serviço Nacional de Saúde, até é contraproducente. Por isso digo que a partir de Outubro do ano passado devíamos ter passado a fazer uma vida normal, porque tínhamos a população com a taxa máxima de vacinação. E, nessa medida, seria preferível ter um contacto com o coronavírus quando se tem ainda memória imunológica, e ele reactiva, do que quando a memória imunológica se perdeu completamente. Por isso, usar máscara depois de termos 86% da população vacinada não tem nenhuma fundamentação científica. Nenhuma.
Ou seja, até convém que as pessoas recentemente vacinadas tenham novamente contacto com o vírus…
Claro. Para reactivarem a sua memória imunológica, e irem fazendo uma transição progressiva entre as novas variantes do coronavírus, que se sucedem, porque assim ficarão mais bem preparadas.
Quanto à questão do consentimento informado. Soube-se no mês passado que quatro membros da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 votaram contra o parecer que deu luz verde para o programa de vacinação de adolescentes em Agosto de 2021, mas isso foi escondido por meses pela DGS. Essa informação não deveria ter sido dada aos pais, tanto mais que não houve unanimidade, mas sim unanimismo?
Claro que sim, claro que sim.
E porquê que houve este unanimismo?
Não me pergunte a mim, porque não participei dele.
Entretanto, esta semana a directora-geral da Saúde defendeu ser ainda muito cedo para deixar as máscaras em espaços fechados.
Eu gostaria que jogássemos pela Ciência. Eu gostaria de ter um debate com ela sobre esta questão do “seguro”. O que é isso “jogar pelo seguro”? Defina “jogar pelo seguro”. Vamos evitar alguma coisa num vírus endémico? Ou vamos adiá-lo?
Ou esperar que tenhamos mortes zero…
A DGS tem que decidir com rigorosas bases científicas. Ora, ela diz “vamos jogar pelo seguro”; o que é isso? Ela tem a certeza que se continuarmos a usar máscara é mais benéfico do que não-benéfico? Não tem nenhuma evidência. Aliás, temos agora uma epidemia de gripe A exactamente por termos estado a usar máscara durante dois anos. É evidente que usar máscara também tem efeitos negativos. Sim, foi necessária na fase pior; foi necessária enquanto não estávamos vacinados; foi necessária não para evitar casos, mas para adiar e achatar a curva. Agora, para um vírus que se tornou endémico, ou nós usamos máscara para toda a vida e andamos a ser vacinados de seis em seis meses, ou vamos ser infectados regularmente como acontece com os outros quatro coronavírus.
O PÁGINA UM divulgou informação detalhada de uma base de dados oficial de internados-covid, revelando situações estranhas de contabilização de óbitos por covid-19. Temos doentes terminais de SIDA considerados vítimas do SARS-CoV-2, centenas e centenas de mortes por AVC e ataques cardíacos atribuídas à covid-19 apenas por causa de testes positivos. Quedas de camas e infecções nosocomiais não-covid são imensas. Uma mulher com queimaduras de 3º grau na cara e peito, metem-lhe a zaragatoa, testa positivo, acaba por morrer três dias depois, mas por covid-19. Num hospital, um doente atira-se pela janela, como está descrito, portanto suicidou-se…
Foi o SARS-CoV-2. Provocou-lhe um surto psicótico…
Como foi possível tanta contabilização criativa?
Houve uma contabilização sem rigor científico relativamente às causas de morte.
E isso aumentou mais o pânico?
Isso contribuiu para aumentar o pânico, porque aumentou a casuística. Por acaso, falei com um colega do Alentejo quando morreu o primeiro doente nessa região. E ele disse-me que era uma pessoa de idade com polipatologia, acamado, demenciado, a quem, por acaso, fizeram uma zaragatoa, já ele tinha falecido, ou estava a falecer. Aliás, como está já publicado, muitas das pessoas que morreram de covid-19 iriam falecer nesse mesmo ano pela sua doença de base, pela sua idade ou pela sua polipatologia.
E o PÁGINA UM também noticiou que até Maio de 2021, em cada 10 internamentos-covid, quatro eram afinal por outras causas…
A congestão dos hospitais também foi agravada por causa das determinações da DGS. Eu estive a coordenar três enfermarias-covid há um ano aqui no Hospital de Coimbra, e quisemos mandar doentes para as suas instituições de origem, e não podíamos porque, embora ao décimo dia estivessem absolutamente assintomáticos, tinham de ficar lá mais 10 dias sem necessidade nenhuma. Tudo por causa de regras não cientificamente fundamentadas da DGS. E eu reclamei por escrito, depois de falar com vários colegas do hospital, e nunca obtive resposta.
(continua amanhã)
Fotos da entrevista: António Honório Monteiro