VISTO DE FORA
Páscoa de chamas na Suécia

O fim de semana de Páscoa esteve quente em várias cidades suecas. Esta entrada poder-nos-ia levar a pensar que esta seria uma crónica do saudoso Anthimio de Azevedo, mas não. Vamos falar de nazis, tema em voga há 70 anos, e que nunca desilude.
Rasmus Paludan, um advogado gordinho de quem nunca tinha ouvido falar, é o fundador do Stram Kurs, um partido nacionalista de extrema-direita da Dinamarca, que, curiosa e felizmente, também nunca tinha ouvido falar.
O bom do Rasmus, filho de um cruzamento entre suecos e dinamarqueses, e por isso beneficiado com dupla nacionalidade, pode dizer asneiras em ambos os lados da ponte Öresund, a maravilha da engenharia que liga Copenhaga a Malmö.
Pegou no carro e em alguns amigos, e veio fazer uma tour pelo sul e centro da Suécia, com uma agenda bastante simples: falar em praças vazias para quem ali passava e, sempre que possível, queimar um Corão. Esta foi a estratégia de marketing pensada pelo gordinho para entrar no “mercado sueco” e tentar conseguir juntar assinaturas para concorrer às próximas eleições.

O Stram Kurs, uma versão escandinava do PNR, Ergue-te ou qualquer outra coisa que o José Pinto Coelho se lembre amanhã, já disputou eleições, aqui ao lado de onde vos escrevo, na Dinamarca. Entre algumas frases polémicas, encontra-se esta: “a melhor coisa que poderia acontecer era não sobrar um muçulmano na nossa querida Terra”. Portanto, uma ternura de homem apenas com alguns problemas mal resolvidos. ↓
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Agora, depois de umas dezenas de votos em 2017 e uns milhares em 2019 (com suspeita de fraude e suspensão) na Dinamarca, Rasmus Paludan tenta concorrer às eleições suecas em 2022.
Num país onde uma em cada cinco pessoas vota no Chega local (Sverigedemokraterna), a quota de fascistas parece já estar bem preenchida, e não sei se há muito espaço para nazis da linha dura.
Para já, a tour do Rasmus conseguiu que membros das várias comunidades muçulmanas se juntassem nas diferentes cidades em protesto pela queima do Corão. Protestos esses que resultaram em confrontos com a polícia, carros destruídos, gente ferida e prisões.
Eu pensei, na minha mais profunda ingenuidade, que a sociedade cairia que nem um trovão em cima deste energúmeno, e que, em momento algum, se discutisse a liberdade de expressão numa acção que é simplesmente de incitamento ao ódio. Não há qualquer hipótese de discutir uma ideia política com alguém que vê num livro a arder uma mensagem. Seja o Corão, a Bíblia ou a Tora. É irrelevante para o que aqui se debate.
Quem não tolera outras raças, outros credos ou outros tons de pele, não tem sequer base para o início da conversa. Com um fascista não se discute, combate-se.

Hoje, no Göteborg Posten, o maior jornal da cidade de Gotemburgo, vejo um editorial onde se exigem mais e melhores meios para a polícia. Canhões de água e toda uma lista de requisitos que transformem as pacíficas forças de segurança, pouco habituadas a motins, numa SWAT de louros que, ao mais pequeno sinal de manifestação, aprendam a disparar e depois perguntar.
Curiosamente, nem uma palavra sobre prender o gordinho que originou tudo isto. Ou seja, envolto na capa da liberdade de expressão, o fascismo e o nazismo tiveram tempo de antena, e o odioso ficou do lado de quem mostrou a sua indignação.
Mais de 70 anos depois de termos dito “nunca mais”, vou-me convencendo que o maior perigo neste cancro, que se espalha novamente pela Europa, não está necessariamente nos nazis que se assumem de megafone numa praça perdida. O real problema está naqueles que, em silêncio e nos escritórios, parecem concordar com eles.
Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
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