Recensão: Doce Tóquio

Terá a vida mais sabor com pasta de feijão doce?

por Paulo Moreiras // Abril 20, 2022


Categoria: Cultura

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Título

Doce Tóquio

Autor

DURIAN SKEGAWA (tradução: Isabel Veríssimo)

Editora (Edição)

Edições ASA (Março de 2022)

Cotação

16/20

Recensão

"Qual é o sentido da vida?" eis a pergunta que Durian Sukegawa (n. 1962) colocou antes de começar a escrever este romance. "Tem de haver uma razão para nascermos independentemente das circunstâncias individuais" (p. 190), explica no final do livro, numa Nota do Autor.

Foi com base nessa premissa, a que não é indiferente o facto de Sukegawa ter sido um antigo estudante de filosofia oriental, que tomou uma decisão: "Escreveria sobre o significado da vida com uma nova perspetiva, no contexto da doença de Hansen" (p. 190).

O romance conta a história de Sentarô Tsujii, ex-presidiário, bastante desiludido com a sua vida e longe de realizar o seu desejo: ser escritor. Nos últimos anos, passara todos os dias no interior de uma pastelaria, na Rua das Cerejeiras, numa zona desertificada de Tóquio, diante de uma chapa quente a confeccionar panquecas para fazer dorayaki. "Nunca se imaginara a fazer tal coisa" (p.14).

Trabalha para pagar dívidas à mulher do antigo patrão, proprietária da pastelaria. Sente-se preso e um inútil, com a vida a escapar-lhe por entre os dedos. Certo dia, porém, Tokue Yoshii, uma "senhora idosa com um chapéu branco na cabeça", que observava as cerejeiras em flor, entra na pastelaria para responder ao um anúncio de que pretendiam um empregado.

Por causa da qualidade duvidosa da pasta de feijão doce que recheava as panquecas de Sentarô, Tokue confessa que não aprecia os seus dorayaki, pois não consegue "perceber quais eram as emoções da pessoa que a fez" (p. 11). Sentarô limitava-se a usar a mesma pasta de feijão doce pronta a usar que o falecido patrão utilizava. Então a senhora idosa dá uma caixa a Sentarô com pasta de feijão doce confeccionada por si, especialidade que ela praticava há cinquenta anos.

Ao princípio, Sentarô não queria provar aquilo, mas depois decidiu provar um pouco: "aquela colherada fê-lo soltar uma exclamação de espanto" (p. 13). "Nunca provara nada como a pasta de feijão de Tokue" (p. 13). Para Tokue, a pasta de feijão era a alma dos dorayaki, pois "em pastelaria, o que importa são os pormenores" (p. 31).

Quando Sentarô prova um dorayaki confeccionado por Tokue compreende as diferenças e subtilezas que existem entre o dela e o seu: "O aroma pareceu saltar, como se estivesse vivo, e correu pelo nariz até à parte de trás da cabeça. Ao contrário da pasta pronta a usar, cheirava a feijões frescos e vivos. Tinha intensidade. Tinha vida. Um sabor doce, rico e aveludado encheu-lhe a boca" (p. 33).

O pasteleiro pede que a idosa o ensine a confeccionar a sua pasta de feijão doce e entre os dois desenvolve-se uma relação de profunda amizade, tendo as cerejeiras em pano de fundo, permanentemente, nos seus vários estágios, como testemunhas do desenrolar de toda a trama. Por ter padecido da doença de Hansen, também conhecida como lepra, Tokue fora encerrada num sanatório aos catorze anos, vendo-se assim privada de liberdade e de realizar o seu sonho de ser professora.

Uma escrita subtil, plena de emoções, que nos guia pela narrativa com a leveza de uma flor de cerejeira na Primavera. Uma apologia da vida, da alegria de viver, da esperança, da culinária e, acima de tudo, da maneira como devemos escutar o mundo e tudo aquilo que nos rodeia. "Todos nascemos para ver e escutar o mundo", escreveu Tokue Yoshii a Sentarô, e isso "é uma poderosa noção, com potencial para dar uma nova forma à nossa visão de tudo", acrescenta Durian Sukegawa.

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