A Direcção-Geral da Saúde nunca divulgou um relatório sequer sobre os efeitos da pandemia nos lares, e procurou sempre falar pouco do assunto. O PÁGINA UM quis saber detalhes, e mais uma vez a entidade liderada por Graça Freitas recusou. A Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) diz agora, em parecer, que a DGS deve disponibilizar esses dados. Se a DGS persistir nesta postura, o PÁGINA UM accionará o seu FUNDO JURÍDICO para (mais) um processo de intimação junto do Tribunal Administrativo.
Em Novembro do ano passado, a Amnistia Internacional pediu ao parlamento italiano a realização de um inquérito independente sobre as mortes por covid-19 em lares de idosos e sobre “relatos de retaliação” que denunciaram condições de insegurança, relatou a Euronews.
Na província canadiana de Ontário, uma comissão de cuidados de longo prazo concluiu que a região “não estava preparada para uma pandemia e que as casas de repouso da província, que foram negligenciadas por décadas por sucessivos governos, eram alvos fáceis para surtos descontrolados”
No mês passado, um artigo no The Lancet destacava que a taxa de mortalidade nos lares ingleses em Abril de 2020 – quando surgiu a primeira vaga – tinha sido 17 vezes superior à registada nas pessoas com mais de 65 anos que viviam na comunidade, quando nos anteriores essa relação era de 10 vezes.
Também um artigo recente da Nature veio corroborar as críticas iniciais à gestão da pandemia da Suécia nos lares, embora de uma forma enviesada, porque comparou aquele país escandinavo apenas à vizinha Noruega, o país europeu menos afectado pela pandemia
Em Portugal, pouco relevo tiveram os efeitos da pandemia nos lares. Não houve estudos divulgados nem relatórios oficiais executados.
Sendo certo que foram frequentes as notícias de surtos e de mortes nas denominadas Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas (ERPI), na verdade nunca houve um relatório oficial sobre o verdadeiro impacte da covid-19 naquela comunidade. As últimas informações oficiais quantitativas, mas nunca discriminadas por ERPI, foram dadas em 8 Fevereiro do ano passado quando a Direcção-Geral da Saúde (DGS) revelou que tinham morrido, até àquela data, 3.750 idosos em lares, das quais 42% entre 4 de Janeiro e 4 de Fevereiro. Esse número representava então 26% do total dos óbitos atribuídos à covid-19, numa altura em que os dados oficiais apontavam para 14.354 vítimas da pandemia.
Em Janeiro deste ano, o PÁGINA UM decidiu assim solicitar “ o acesso, para eventual obtenção de cópia (analógica ou digital), de todo e qualquer documento administrativo (em documento escrito ou sob a forma de base de dados) elaborado pela DGS, ou por outra entidade por sua iniciativa, ou ainda que esteja na sua posse, e que cont[ivesse] informação desde o início da pandemia, até ao momento da consulta, sobre o número de utentes, por Estrutura Residencial para Pessoas Idosas (ERPI), cujos óbitos [tivessem] ocorrido numa instituição com casos confirmados de covid-19 ou em utente ou trabalhador que [tivesse] apresentado sintomas compatíveis com a doença”.
Em suma, pretendia-se ter acesso às comunicações recebidas pela DGS, ou o suporte digital dessas comunicações após tratamento informático, em cumprimento do ponto 68 da Orientação nº 009/2020 de 11 de Março de 2020, com actualização em 10 de Janeiro deste ano.
Como habitualmente, a DGS não respondeu ao PÁGINA UM, mas um parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), aprovado na quarta-feira passada, considera agora que, apesar dos documentos solicitados respeitarem “a informação nominativa, reveste natureza quantitativa”, pelo que “livremente acessível”. E salienta que se a DGS quiser manter a recusa terá de “proferir decisão fundamentada” no prazo de 10 dias.
Caso a DGS não reconsidere a sua postura, este será mais um dos elementos a integrar num processo de intimação que o PÁGINA UM está já a preparar para entregar em breve no Tribunal Administrativo, recorrendo ao FUNDO JURÍDICO.
Saliente-se que este é um dos oito requerimentos à DGS apresentados pelo PÁGINA UM ao longo dos últimos meses sobre a pandemia – e que mereceram parecer da CADA. Além do pedido relacionado com os surtos e óbitos nas ERPI, o PÁGINA UM solicitou ainda o acesso às bases de dados dos internados e do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SINAVE); a documentos sobre a evolução (temporal) da incidência cumulativa (real ou estimada) e as taxas de letalidade em Portugal das diferentes variantes do SARS-CoV-2 classificadas pela OMS como de preocupação (VOC) ou de interesse (VOI); os registos de surtos e mortes por covid-19 (como infecção nosocomial) em unidades hospitalares do SNS; os registos detalhados do conjunto de testes de deteção de SARS-CoV-2 e o número de casos positivos por idade ou faixa etária; os documentos produzidos no âmbito da actividade da Comissão Técnica de Vacinação contra COVID-19 (CTVC); e a consulta presencial do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO).
Apenas no caso dos documentos da CTVC, a DGS satisfez, entretanto, parcialmente o requerimento do PÁGINA UM (cedendo os pareceres), mas ainda não disponibilizou as actas que, por exemplo, permitam identificar os consultores que votaram contra a vacinação dos adolescentes no Verão do ano passado. De entre os oitos pareceres, somente no caso do acesso ao SICO a CADA considerou que esta base de dados se encontra regida por uma legislação especial – negando assim razão ao PÁGINA UM –, questão que virá a ser dirimida nas instâncias judiciais.