VISTO DE FORA

O pragmatismo para evitar a III Guerra Mundial

person holding camera lens

por Tiago Franco // Abril 27, 2022


Categoria: Opinião

minuto/s restantes


Aqui há uns dias tive uma discussão com um amigo sobre o “estado da arte” na Ucrânia. Discussão não; um debate. É sempre bom lembrar que mesmo na maior das discordâncias ainda somos capazes de conviver e tolerar as opiniões alheias. Já não é mau para os tempos que se vivem, onde escolhemos odiar a cada divergência.

Eu acho um erro continuar a armar a Ucrânia, ele acha que se deve “armar pela paz”. Como nos bombardeamentos de Belgrado ou nos ataques de Nagasaki e Hiroshima. Matar pela paz. Foi este o início de conversa, e o cabo das tormentas, que, julgo eu, divide a maior parte das opiniões.

person touching and pointing MacBook Pro

Percebo a visão de continuar a armar a Ucrânia. Não o digo de forma irónica, percebo mesmo. Há um invasor; logo, temos que correr com ele. E para esta argumentação vou fugir ao whataboutismo abordado noutras crónicas. Vou ignorar todos os demais invasores a quem continuamos a estender a passadeira, consoante os interesses económicos do momento, e focar-me apenas no caso ucraniano.

Se optamos por continuar a armar a Ucrânia temos duas saídas possíveis no pensamento.

Ou acreditamos que os ucranianos, sozinhos, vão conseguir fazer o regime de Putin capitular. Ou então, alimentamos a escalada do conflito até a intervenção da NATO ser irremediável. Em qualquer um dos casos morrerão mais ucranianos e corremos o risco da utilização das armas nucleares. No segundo caso, deixamos de assistir à guerra pela CNN, já que entraremos num conflito global.

Sempre que ouço o facilitismo com que se discute a escalada bélica, pergunto-me se os autores de tal discurso estão dispostos a sacrificar o seu estilo de vida, ou mesmo a própria vida, com as consequências de tais actos.

Depois, para quem defende o armamento contínuo, esperando por uma rendição russa – lembremo-nos que, neste momento, o desequilíbrio de forças é de 10 para 1 –, é preciso lembrar que dois dos maiores exércitos do mundo (China e Índia) não só não condenaram a invasão como continuam a fazer negócios com a Rússia.

Portanto, caso cheguemos a um conflito global, quem é que nos garante o lado em que ficarão indianos e chineses?

landscape photography of trees

Eu compreendo a solidariedade com um povo que sofre. Com todos, já agora. Só não vislumbro menos mortes com mais armas. É apenas isso.

Isto leva-nos ao odioso da questão. E então, qual é a alternativa? Deixamos os ucranianos entregues à sua sorte?

Ora, a não ser que de facto um exército estrangeiro vá para o teatro de operações, os ucranianos estão entregues à sua sorte. E com todos os erros de cálculo dos russos, com todas as perdas assumidas, com todo o material deixado a meio do caminho, são os ucranianos que estão a perder as famílias, a ver as suas cidades arrasadas e a perder o controlo do Este e Sul do país.

Por mais injusta que possa ser a discussão com o inimigo e invasor, de que servirá chegar a essa conversa com um número de mortos maior?

Ouvindo os jornalistas no terreno e os especialistas militares, tenho a sensação que estamos a assistir a uma viagem entre Lisboa e Porto. A dúvida parece apenas ser se lá chegamos rapidamente ou se optamos por dar a volta pelo Algarve. Quanto maior for o percurso, mais pesada será a factura na contagem de mortos e mais do território haverá para reconstruir.

Sim, porque essa também é uma parte que convém não esquecer. Quando a poeira da guerra assentar e se enterrarem os mortos, Putin – ou o que sobrar do seu regime – estará isolado do resto da Europa (espero eu!) com os restantes amigos de França, Itália e Hungria, entre outros.

black barbwire in close up photography during daytime

Mas a Ucrânia, com o FMI a bater à porta, terá um garrote financeiro por décadas. Os falcões da guerra lucram sempre duas vezes. Primeiro, com o ecoar da destruição provocada pelas armas; depois com a estridente azáfama dos camiões e das escavadoras.

Em resumo, se continuarmos a enviar armas ninguém se sentará à mesa e com mais mortos, o regime de Zelensky ficará na mesma sem os territórios ocupados e com uma factura maior de reconstrução. É chegar ao mesmo sítio usando um caminho maior.

Para as armas, que enviamos, servirem de facto para ganhar esta guerra, então temos que estar preparados, sem burocracias, para intervir. Nós, a tão famosa comunidade internacional.

Na frieza do pragmatismo parece-me que, apesar de tudo, ainda são dois cenários bastante diferentes. Um leva à perda de parte de um território soberano. Com tudo o que isso tem de injusto para um povo – ninguém o discute. O outro, leva a um conflito mundial. Perdoem-me quando digo que, entre estes dois males, não pode haver dúvidas sobre qual o caminho a seguir.

Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

O jornalismo independente DEPENDE dos leitores

Gostou do artigo? 

Leia mais artigos em baixo.