A insónia é a minha pior maleita. Reza a lenda que começou aos dois anos, e deduzo que me acompanhe até ao descanso final. Ontem, em mais uma dessas noites, resolvi ver o que passava na RTP3 já para lá da meia-noite, na hora local do meu estimado Ártico.
Vítor Gonçalves, na sua “Grande Entrevista“, tentava colocar umas questões relativamente simples a Luís Montenegro, um dos candidatos à travessia do Saara em patins nos próximos quatro anos, também conhecida por “liderança do PSD”.
Questionava o bom do Vítor sobre a linha vermelha que entalou Rui Rio. “Então, e o Chega? É desta que alguém nos diz um sim ou não?”. Montenegro passou os minutos seguintes a elaborar uma tese que daria para apresentar na defesa de José Sócrates. Infelizmente, não respondia era à pergunta…
O Vítor tentava agora o gancho, e o Luís esquivava-se novamente, com um bom jogo de pés, dizendo que “não vou perder mais tempo com essa conversa que, no fundo, é fazer um frete ao PS”.
O entrevistador, sorrindo, dizia-lhe que, “em vez de divagações tão longas, poderia reduzir o tempo dizendo apenas um sim ou não”, ao que o amigo Luís, ainda não satisfeito com o conforto do buraco cavado até ai, acrescentou “mas não é uma resposta de sim ou não!”.
Oh Luís!, oh Luís!… é pois! Se te perguntassem, por exemplo, se a pizza deve ser comida com talheres ou não, é que era uma resposta não binária. Terias um infindável número de factores a considerar.
Estás a comer a pizza no sul de Itália e não queres levar uma chapada? Usas a mão.
Estás num primeiro encontro romântico? Arriscas o garfo.
A pizza vem a ferver, mas estás esganado sem hipótese de esperar? Metes as fichas todas nos talheres.
A base é muito fina e quando pegas no pão cai-te tudo nas calças? Voltas ao garfo.
Estás a comer com a tua mulher e és casado há 30 anos? Comes com a mão, em qualquer circunstância, porque já não tens nada a perder.
Não sei se me estou a fazer entender, Luís. Às vezes sou um pouco limitado no uso da metáfora. Mas acho que percebes a coisa…
Agora, quando nos perguntam diretamente: “ouve lá, gostas de fachos?”; nós, em princípio, dizemos que não. É mesmo daquelas questões em que não usamos o 50/50 ou a ajuda do público. Basta teres completado o 9º ano sem faltar às aulas sobre a década de 40. É só disto que precisas para responder à pergunta do pobre Vítor.
A minha insónia piorou, aliás, porque comecei a ficar interessado, cada vez mais, na catadupa de disparates.
Infelizmente, sou uma daquelas pessoas que contribui para o caos no trânsito, sempre que acontece um acidente. Não consigo parar de olhar quando vejo uma desgraça. Assumo. Ouvir o Luís nesta entrevista foi como estar na Segunda Circular às 6 da tarde num dia de chuva.
E pensei com os meus botões que o legado de Rui Rio estaria, se calhar, bem entregue – e, provavelmente, com resultados eleitorais idênticos.
Mas Montenegro não se ficou por aqui. Piscou o olho à Função Pública, dizendo ser preciso atrair talento com melhores salários. Segundo ele, uma técnica superior não pode levar para casa 900 euros. Fez-se a “hola mexicana” em casa de cada funcionário público, e, antes que se voltassem a sentar no sofá, esclarecia o Luís que era necessário contribuir para as nossas responsabilidades na NATO, os tais 2% destinados ao Ministério da Defesa, indo buscar dinheiro com uma “melhor gestão da Administração Pública”.
“Por exemplo, na Saúde”, dizia ele, “podemos poupar muito dinheiro”. Nada contra evitar o desperdício da má gestão, contudo, todos os que andamos por cá desde o tempo do Cavaco que percebemos o politiquês da coisa. Entendemos que esta é a famosa conversa das gorduras do Estado, que levou a uma década de congelamento das carreiras, destruindo parcialmente o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e a Escola Pública. Isto, claro, enquanto se continuou a salvar a banca privada.
Não sei absolutamente nada do outro candidato à liderança do PSD para lá do seu nome, Jorge Moreira da Silva, do seu anterior emprego (OCDE) e da total recusa em estabelecer conversas com o Chega.
Se não quiser também rebentar com a Administração Pública para desviar o dinheiro para os lobbies – sejam estes da banca, da construção ou do armamento –, já parte em vantagem nesta corrida.
Não é que algum dia vá votar em qualquer um deles, mas, como se vê pela maioria absoluta e crescimento da extrema-direita, o país não ganha nada com um PSD de joelhos.
Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
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