Em Espermagedão, remetendo para o apocalíptico Armagedão, o jornalista e escritor norueguês Niels Christian Geelmuyden releva uma “epidemia silenciosa” que ameaça a espécie humana: a infertilidade masculina. Pouco falada na comunicação social, por um certo pudor masculino, esta condição não aflige apenas os homens – o mesmo fenómeno está a ser detectado em machos de espécies de peixes, insectos, répteis e mamíferos. Em conversa com o PÁGINA UM, por video-conferência, Geelmuyden aponta causas e soluções, antes que seja demasiado tarde.
O tema da infertilidade masculina não é muito falado nos media. Qual foi a sua motivação, como jornalista, para pesquisar este tema?
Este foi o meu 38º livro, e esta temática já a tinha abordado superficialmente em três deles. Já escrevi sobre alimentação, sobre o que beber, e por isso decidi terminar esta série abordando a infertilidade porque é, de facto, um problema grave. Há casais jovens que hoje não estão a conseguir engravidar. E é verdade: os media mainstream não abordam este problema com frequência. Acredito que seja por causa da velha ideia de que se um casal não consegue engravidar, a culpa é da mulher. Quase todas as pessoas ainda acreditam nisso, embora em dois terços dos casos se deva ao homem. Claro que as mulheres também sofrem de infertilidade: a endometriose, por exemplo. Mas o principal problema parece ser que a abundância de espermatozoides está em queda. Não só nos humanos, mas também em peixes, pássaros e insectos.
Na Noruega, fala-se mais sobre este assunto?
Não, mesmo aqui é muito difícil chamar a atenção das pessoas para esta questão. Mesmo depois do meu livro, até os meus amigos receiam mais que o problema esteja no excesso populacional, que a população mundial vá “explodir”, e que vamos ser muitos milhares de milhões. Mas não vai ser assim. Será o oposto. Eu não acho que os seres humanos vão desaparecer; acredito que haja uma solução. Mas, até lá, o sistema de segurança social que conhecemos vai acabar, não vai haver dinheiro quando chegarmos a uma situação em que 60% das pessoas tenham mais de 60 anos.
Geralmente, quando se falam de ameaças próximas para a Humanidade destaca-se a sobrepopulação e também cada vez mais as alterações climáticas. Mas nunca se refere a infertilidade…
Sim. Eu acredito daqui a uns anos, as pessoas se interessem. Já existem países onde a fertilidade é tão reduzida que existe mesmo o risco de populações desaparecerem, se continuarmos assim.
Na Europa, a taxa média de fertilidade é de 1,61 filhos por cada mulher. Já estamos abaixo do nível de reposição demográfica
E deveria ser de 2,2. Na Coreia do Sul já só é de 0,80. Na China, o banco de esperma de Shangai tem de rejeitar 90% das doações porque não é fértil. Mas eu falo disso às pessoas, e elas até dizem: “boa!, que boas notícias, vamos ser menos, vai haver mais espaço na praia, vai ser mais fácil” [risos]. Mas acho que não estão a pensar bem. Não reconhecem que este é um enorme problema.
Continua a propagar-se a ideia de que o mundo é demasiado populoso; que somos muitos. Mas a incidência de infertilidade também é um indicativo de uma saúde mais débil das pessoas, certo?
Sim, é verdade. Há duas coisas que nem sempre se compreende: uma, é que o esperma é um espelho da saúde dos homens. Portanto, se um homem tem uma baixa contagem de espermatozóides, significa que terá uma menor esperança média de vida e uma maior susceptibilidade a doenças crónicas. Terá ainda uma maior probabilidade de desenvolver cancro e outras doenças. E, atenção, esta realidade não atinge só os seres humanos, mas todas as espécies na Terra. Em Inglaterra, descobriram certos peixes-machos já estão a pôr ovos. Não é um bom sinal. E isso poderá significar que o plástico ingerido pelos peixes é “estrogénico”, que os microplásticos têm um efeito “efeminizante”. Na Dinamarca, seis em cada 10 rapazes desenvolvem seios. E alguns, até com leite. É mesmo assustador.
Mas se a fertilidade é um espelho da saúde, é importante que as pessoas tenham atenção a esse aspecto, independentemente de quererem ou não ter filhos, certo?
Sim, eu digo sempre duas coisas para chamar a atenção. A nossa fertilidade reflecte o nosso estado de saúde, e, por outro lado, não somos apenas nós [humanos] que estamos mais inférteis. Os cães, por exemplo, também estão. A qualidade do esperma dos cães está a diminuir tão depressa como o dos humanos. E eles não usam telemóveis nem têm tatuagens [risos]. Escrever este livro foi como desvendar um crime. Algo está a tornar milhões de pessoas inférteis e descobrir o que é, foi o meu principal objectivo com este livro. Perceber o que está a causar tanta miséria e a destruir às pessoas o sonho de serem pais.
No seu livro chega a comparar o processo de escrita com a descoberta do criminoso em Um crime no Expresso Oriente, da Agatha Christie. Sem querer entrar em teorias da conspiração, acha que o silêncio sobre esta crise é inocente?
Eu não acredito que isto seja uma conspiração, não acho que o Bill Gates nos queira “eliminar” da Terra. Eu acredito que é o nosso estilo de vida moderno que nos está a pôr doentes. Se víssemos a forma como os porcos e os frangos são criados convencionalmente, os químicos no salmão de cativeiro… bom, deixaríamos de os comer. Eu escrevi um livro sobre esse tema em 2013, que vendeu quase 30 mil cópias na Noruega. A partir daí, mudei a minha vida. Sou tão estúpido que tive que escrever um livro primeiro para mudar. [risos]
Em Espermagedão indica vários factores que podem ter desencadeado a crise da fertilidade masculina, como a proliferação do plástico, mas menciona outros. Quais são, realmente, as causas mais perigosas?
Eu sou apenas um jornalista, por isso oiço os grandes especialistas desta área. Um deles é o Richard Sharpe, professor inglês da Universidade de Edimburgo. Ele indica os quatro motivos principais: a alimentação, o nosso estilo de vida, os medicamentos e as toxinas ambientais.
Parece ser difícil evitar tudo isso, porque estamos rodeados por “maus alimentos”. Tudo é muito processado…
Há luz ao fundo do túnel, no final do meu livro digo qual é.
Não lhe vou perguntar em concreto que “luz” é essa, para que os leitores possam descobrir isso no seu livro, mas, em todo o caso, que pode um homem fazer para melhorar a sua fertilidade?
Se um homem souber que tem esperma de má qualidade, ele consegue duplicar a contagem de espermatozóides através de uma alimentação biológica. E não é só porque os alimentos biológicos têm menos pesticidas, mas também por serem muito mais nutritivos. Possuem mais vitaminas, minerais e antioxidantes; e menos metais pesados e microplásticos.
Recentemente, foi anunciado que em breve se iniciam testes em humanos para uma pílula masculina. Considera isso preocupante, uma vez que os homens já estão cada vez menos férteis?
Eu já tenho 61 anos, já tenho dois filhos e não deverei ter mais. Portanto, não é por mim que eu escrevi este livro, mas pelos mais jovens. E o problema não é só eles estarem menos férteis. Na Noruega, e também no resto da Europa, muitos jovens já precisam de usar viagra. Precisam de comprimidos para terem erecções e possuem menos testosterona. Por exemplo, eu devo ter, provavelmente, metade da testosterona que o meu pai tinha na minha idade. Está a diminuir de geração para geração.
Recentemente, um conhecido apresentador norte-americano, Tucker Carlson, falou desse problema no seu programa e foi ridicularizado. Ele recomendou que os homens bronzeassem os testículos para aumentarem os níveis de testosterona [risos]. Ouviu falar disso?
Há coisas que me têm escapado porque ultimamente tenho estado muito ocupado com o meu novo livro, completamente diferente dos outros. E quando se está a trabalhar num novo livro, recolhemo-nos na nossa “concha”. Entreguei-o esta manhã.
E pode dizer-nos de que trata o livro?
É um livro muito especial. Basicamente, imagino-me a falar com personalidades que já morreram há bastante tempo, como Edvard Munch e Picasso. Tudo com base no que eles escreveram ou disseram em vida.
Há uma questão que lhe gostava de colocar, que é incontornável nos tempos que correm: a pandemia da covid-19 e as vacinas. Suscitou-se algum debate sobre eventuais efeitos na fertilidade. Houve muitas mulheres a reportarem irregularidades menstruais. Tem já uma opinião formada sobre este assunto?
Eu tenho muitas opiniões sobre as vacinas. De acordo com alguns estudos que tenho lido, a própria covid-19 pode afectar a fertilidade. Pessoalmente, não tomei a vacina, porque recebi um transplante renal da minha mulher há 13 anos, e tenho de tomar medicamentação. E por isso, a vacina não funciona da mesma forma. Mas segundo sei, a covid-19 é pior para a fertilidade masculina do que as vacinas.
Está optimista em relação ao “futuro” da fertilidade masculina?
Sim, desde que as pessoas tomem consciência do problema. Nós temos a capacidade de resolvê-lo muito depressa. O problema é haver bastante dinheiro envolvido na indústria alimentar e farmacêutica. Muitos medicamentos foram comercializados sem se avaliar os impactos na fertilidade. O paracetamol, por exemplo, é um dos medicamentos que mais afecta o sistema hormonal, e as pessoas não sabem disso.
A “Big Pharma” às vezes coloca o lucro à frente da saúde das pessoas…
E manipulam os estudos, controlam a Food and Drug Administration (FDA) e os governos.
É algo difícil de combater…
Pelo menos, eu estou a tentar, e espero que as pessoas em Portugal leiam o livro, e acreditem. Mas, claro, é deprimente escrever este livro durante um ano e ver que a maior parte das pessoas não quer saber do assunto [risos].
No ano passado, a cientista Shanna Swan lançou, também, um livro [Count Down] sobre a diminuição da fertilidade masculina.
Sim, eu estava expectante que ela conseguisse mudar o rumo das coisas, porque é uma especialista. Mas não aconteceu nada. Ela integrou o grupo de investigadores de um grande estudo em 2017 que relatou que, desde 1973, a contagem de espermatozóides caiu 60% nas populações do Ocidente.
Hoje em dia, há cada vez mais casais que não conseguem ter filhos naturalmente, mas os nossos pais e avós não pareciam ter dificuldades em engravidar.
Pelo contário. Até tinham medo de se sentarem na sanita e poderem engravidar [risos]. Hoje, as pessoas também estão a querer ter filhos mais tarde. E vivem agora sobretudo em cidades, não precisam tanto das crianças, para as ajudar em trabalhos, como quando se vivia no campo. Depois, temos a guerra na Ucrânia, o clima. As pessoas sentem receio de trazer crianças a este mundo. Portanto, há todos esses aspectos, para além da fertilidade.