Portugal entrou numa tourada sem fim à vista. Será uma metáfora simplória, reconheço, mas andamos todos a marrar no vermelho. Não sei se o editor vai deixar passar a palavra “marrar” [N.D.: deixou], mas convenhamos, não há melhor sinónimo para a situação actual. Evitemos discussões sobre o VAR, uma distância de dois centímetros e os 400 penaltis do Taremi, e foquemo-nos no outro vermelho que o país tenta abater.
Não entendo, na verdade, o destaque dado ao presidente de uma associação ucraniana, residente há 20 anos em Portugal, que disse não perceber como é que um país da União Europeia, como Portugal, ainda tinha um partido comunista.
Segundo a mesma notícia (SIC), este senhor fez o ensino secundário e universitário em Portugal. A avaliar pela questão deixada aos microfones das televisões, assumo que tenha estudado qualquer coisa ligada às ciências. Malta dos números é sempre mais trapalhona com o conhecimento e percepção da História. Ou então, frequentava muito a zona dos matraquilhos enquanto a professora se esforçava para explicar o que foi o Estado Novo em Portugal e o papel do PCP no combate à ditadura.
Ainda assim, sem grandes teorias, a resposta mais simples para esta questão é: Portugal tem um partido comunista por que é uma democracia. É só isso.
Todas as correntes políticas que não vão contra a Constituição são legais, aceites e debatidas. Não é assim em todos os países, de facto, e talvez daí a confusão do nosso interlocutor. Por exemplo, na sua Ucrânia natal já se passou uma esponja sobre os partidos de esquerda.
Estas declarações originaram uma série de manifestações xenófobas, que se poderiam resumir ao “vai mandar bocas para a tua terra”.
Ora, isso também não é grande coisa, vista do nosso lado, pois não? Julgo que foi Raquel Varela quem melhor resumiu a polémica. O que este senhor disse é um problema, apenas e só, por ser uma declaração profundamente anti-democrática.
O facto de um ucraniano comentar a vida política portuguesa é absolutamente irrelevante. A democracia acolhe todas as asneiras sem olhar para o passaporte. E assim é que deve ser.
O PCP não faz grande falta à Ucrânia. E as suas posições contra qualquer guerra, império, aliança, invasor ou governo pouco democrático, são isso mesmo, opiniões. Não afectam o teatro de operações. Já um jovem em idade de combater parece-me ser mais útil em Kiev do que no Terreiro do Paço a sugerir o fim de um partido secular.
Não o estou a mandar para a terra dele, que fique claro; só a dar sugestões de como usar melhor o tempo na defesa da causa.
Depois de Benfica e PCP, boa parte do país vai marrando também no vermelho do sangue. Querem mais. Ainda não chega. Crescem, florescem e multiplicam-se as opiniões de que a NATO deve entrar (ainda mais) nesta guerra.
A última voz foi a de Inês Pedrosa que a cada semana vai ficando mais bélica. Já não chega armar, pagar, devemos agora entrar na guerra e ganhá-la. Disse ela: “A NATO deve entrar nesta guerra e ganhá-la”.
Fico impávido e estarrecido a ver sexagenárias clamando pelo sangue alheio. A teoria é simples. Se a NATO não entrar, depois da Ucrânia, o Putin não parará. Quem sabe que país invadirá a seguir?
Já se a NATO começar a bombardear Moscovo, relembrando os sucessos de Belgrado ou Tripoli, Putin certamente baterá em retirada para a sua datcha na Sibéria. Em princípio, não usará aqueles mísseis nucleares que tem lá na garrafeira, ao lado das reservas de Dão.
A leveza com que as pessoas discutem ataques bélicos, é inversamente proporcional à probabilidade de lá irem parar.
Portugal já envia ajuda para a Ucrânia, dinheiro, equipamento, bens de primeira necessidade. Proponho que os nossos pensantes e opinadores públicos contribuíssem antes para a resolução de problemas mais simples e próximos. Por exemplo, discutir como ajudar os refugiados ucranianos depois das luzes das televisões se desligarem. É que segundo relato dos próprios, ter acesso às ajudas depois de aqui chegarem é um mar de burocracia sem fim, e o relançamento das vidas mostra-se extraordinariamente difícil.
Português algum desconfia destas palavras. Burocracia é a nossa forma de estar na vida. A dar conferências de imprensa com medidas e acções em PowerPoint, somos uns ases. A fazer cabeçalhos com boas intenções, também. Já a simplificar a vida das pessoas, quando a poeira assenta, nem tanto.
Começo eu, para não dizerem que é só conversa. Sugiro que pintem a burocracia de vermelho.
Depois é só esperar que vão marrar no sítio certo.
Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
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