Título
Espermagedão: a fertilidade masculina em queda livre
Autor
NIELS CHRISTIAN GEELMUYDEN (tradução: Maria de Fátima Carmo)
Editora (Editora)
Casa das Letras (Abril de 2022)
Cotação
17/20
Recensão
Espermagedão – um termo inusitado, mas que nos traz à mente o Armagedão, a derradeira batalha bíblica entre as forças do Bem e do Mal.
Não é mero acaso: o objectivo do título é precisamente causar impacto, pois o livro constitui um alerta sobre o qual o subtítulo logo nos elucida: “a fertilidade masculina em queda livre”. Batalha final ou não, o que o autor nos diz é, inegavelmente, estarmos na iminência de uma hecatombe: a qualidade do esperma no mundo ocidental caiu 60% em menos de 40 anos. Associada a este problema está, também, uma dramática redução nos níveis de testosterona.
Niels Christian Geelmuyden, um conhecido ensaísta norueguês, tem sido também um dos poucos jornalistas a fazer soar os alarmes sobre esta crise que assombra o sexo masculino. Neste livro, Geelmuyden faz eco de estudos científicos e de opiniões de especialistas em reprodução e fertilidade.
Aos que pensam que não precisam de se preocupar porque não planeiam ter filhos, o autor faz uma advertência: a incapacidade de gerar bebés não é a única consequência negativa que advém de uma fraca reserva de espermatozoides, ou de gametas masculinos “pouco nadadores”. Geelmuyden indica outros efeitos perniciosos, como seja uma maior susceptibilidade a doenças como o cancro, nomeadamente dos testículos.
E, como se tudo isto não fosse suficientemente apocalíptico, o norueguês alerta que similares problemas já se encontram no mundo selvagem, com diversas "bizarrices": peixes-machos a pôr ovos, répteis com pénis mais curtos e incremento da homossexualidade e a bissexualidade no reino animal.
Quanto a possíveis causas que expliquem este boom de infertilidade, existem muitas. Dir-se-ia até, demasiadas, como expõe Geelmuyden. No livro ocupam quatro vezes mais páginas do que as que nos oferecem soluções, o que pode não ser muito tranquilizar para os leitores.
Aparentemente, os “gatilhos” que tornam os homens inférteis (e também as mulheres) estão por todo o lado: poluentes, pesticidas, água da torneira, sedentarismo, organismos geneticamente modificados, flúor, soja, etc., etc., etc.
Espermagedão faz-nos, assim, dar conta de que, no mundo actual, estamos mergulhados num ambiente pouco amigável, ou mesmo hostil, à homeostase e à fecundidade dos nossos corpos.
Na quarta parte, em que se pretende responder à pergunta sobre o que podemos fazer, encontramos conselhos variados. Alguns, lembram-nos a sabedoria ancestral das nossas avós, como “comer fruta e legumes” e “dormir o suficiente”; outros, espelham os hábitos do típico millenial do século XXI, como, por exemplo, a recomendação de “não guardar o telemóvel no bolso”; e, finalmente, temos aqueles que não nos deixam esquecer que estamos na era da tecnologia, como a congelação de amostras de esperma e a procriação medicamente assistida.
Já bem no final do livro, “entramos” numa espécie de filme louco de ficção científica com soluções mais radicais. Por exemplo, fica-se a saber que, já em 2016, investigadores espanhóis anunciaram ter produzido esperma humano a partir de células da pele. Em simultâneo, o livro fala-nos de cientistas e especialistas em bioética, como Henry T. Greely, que anunciam que “daqui a vinte ou quarenta anos, o sexo para fins de reprodução terá quase deixado de existir”.
Geelmuyden levanta, por isso, uma série de questões pertinentes também do ponto de vista ético: “Onde nos conduzirá tudo isto, no longo prazo? O que nos espera? Será um admirável mundo novo ou uma barbárie tecnológica de contornos estranhos? Poderemos adivinhar os desígnios do despotismo dos manipuladores biológicos vestidos de branco? O poderio mundial será transferido para os laboratórios?”
Um dos principais méritos de Espermagedão, e que torna urgente a sua leitura, reside na necessidade de percebermos que um problema é real para que o possamos resolver. Em suma, só podemos derrotar o “papão” da infertilidade se soubermos que ele anda por aí à solta. Se, alheios à sua existência, o ignorarmos, a Humanidade, como a conhecemos, corre um sério risco de desaparecer.