O dia em que Portugal seria elogiado pelos parceiros europeus por outra coisa que não sol, mar, comes e bebes, haveria de chegar. E chegou!
A União Europeia felicita Portugal pela primeira posição no crescimento previsto do Produto Interno Bruto (PIB) na Zona Euro: 5,8%. Só para terem uma noção da tareia que vamos dar nos outros; no que toca a previsões, alemães e escandinavos nem aos 3% chegarão.
Mal acabei de ler a notícia comecei aos saltos, e tive alguma dificuldade em conter a emoção. Bati com umas panelas, meti o Poeira da Ivete Sangalo aos berros e gozei com os meus vizinhos suecos. Finalmente, vamos crescer economicamente, meter este pessoal a comer o nosso pó do progresso, e ultrapassar a Lituânia, Estónia, Eslováquia e todos os outros que aparecem nos cartazes da Iniciativa Liberal.
Finda a celebração, limpei o suor da testa e sentei-me a fazer contas, só para perceber se mandava vir um Ferrari ou se teria que me contentar com um Mustang.
O primeiro cálculo deu-me a sensação de que iríamos continuar pobres, o que só poderia ser falha minha. Contactei uma economista que conheci poucos dias depois de nascer. Eu; ela já por cá andava.
Para não parecer muito idiota fui navegar na imensidão de dados que o Instituto Nacional de Estatística (INE) nos disponibiliza. Só para ler aquilo, uma pessoa tem de tirar um curso em Matemática Aplicada. Pelos últimos dados disponíveis (de 2020), 40% das famílias declararam menos de 10.000 euros de rendimentos anuais, ou seja, ficaram isentas. No universo de cerca de 5,5 milhões de trabalhadores, temos 86,5% dos agregados que levam para casa (cada elemento do casal em média) menos de 1.000 euros líquidos.
Ou seja, numa aproximação mais simples, em cada 20 trabalhadores portugueses, 17 vendem o seu mês de trabalho por menos 1.000 euros líquidos. Numa realidade sueca isto seria o equivalente a ter 86.5% da população a viver com subsídios de estudante.
Por outro lado, menos de 1% dos agregados conseguem um salário bruto, por cabeça, igual ou superior a 3.500 euros, o que representaria menos de 3.000 líquidos. Ou seja, apenas 0.9% das famílias portuguesas têm um rendimento parecido com aquele que, a tal Europa mais rica que agora nos elogia, aceita como mínimo.
Durante a pandemia a população portuguesa empobreceu – tínhamos cerca de 20% no limiar –, alguns empregos desapareceram e a dívida externa do país aumentou para pagar os custos do confinamento, dos lay-offs e dos apoios ao comércio/actividades encerrados. É por isso de esperar que os rendimentos das famílias tenham piorado.
Junta-se a isto o anúncio do aumento nas taxas de juro e percebe-se facilmente que, com os salários declarados, 80% da população portuguesa não conseguiria comprar uma casa no centro de Porto ou Lisboa, aos preços de hoje.
De onde vem então o milagroso crescimento do PIB? Segundo alguns economistas, essencialmente do consumo interno. Mas este aumento do consumo interno não se deve somente a um aumento do consumo de produtos e serviços, mas também ao aumento dos preços. Portanto, à inflação.
Mas vamos assumir que com o fim das restrições, o consumo aumentou, as pessoas voltam a sair de casa e os lucros já não vão apenas para os supermercados e bens de primeira necessidade.
A vida volta ao normal – pelo menos para a fatia da população que conseguiu manter os seus empregos e o nível de vida. Há ainda a “bazuca europeia” que permitirá uma boa dose de investimento público. Ou seja, com mais pobres do que em 2020, com aumento da dívida externa (a “bazuca” não é grátis) e com a perda do poder de compra (por causa da inflação galopante), o PIB português crescerá.
Que diferença isto trará à fatia de pessoas que depende do seu salário – especialmente daquelas que, apesar de trabalharem 160 horas por mês, não conseguirem abandonar a faixa de pobreza? Nenhuma. Zero.
Algumas clientelas vão receber fatias da “bazuca”, mas, no essencial, o português comum continuará a fazer contas para esticar o salário até dia 25 do mês seguinte.
Pelo meio dão-se ao luxo de um ou outro jantar fora, quem sabe uma volta ao Algarve e está feito. O PIB dispara.
Entretanto, o combustível subirá amanhã pela 18ª vez – décima oitava vez – em seis meses, recuperando assim tudo o que não se vendeu durante a pandemia. Isto apesar da descida dos impostos, provando que o liberalismo dos mercados é um embuste e um apelo aos cartéis. E a Galp Energia obteve um resultado líquido de 155 milhões de euros no primeiro trimestre de 2022, que comparam com 26 milhões de euros do período homólogo.
Bendita Ucrânia de costas largas.
Enfim, estamos mais pobres, mais endividados e mais longe dos centros urbanos. Mas o PIB cresceu. Comemoremos, pois, mas com espumante. Champanhe é só para 0.9% dos portugueses.
Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
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