O PÁGINA UM solicitou acesso aos documentos administrativos na posse do gabinete da ministra Marta Temido desde Janeiro de 2020. Resposta: o pedido é “manifestamente excessivo, abusivo e, logo, inexequível”. O caso seguirá agora para Tribunal Administrativo, através do FUNDO JURÍDICO do PÁGINA UM, mas desde já fica claro que o Ministério da Saúde não aprecia que se veja in loco a sua acção política ao longo dos últimos dois anos e meio.
A Secretaria-Geral do Ministério da Saúde considera que o pedido do PÁGINA UM para aceder aos ofícios, pareceres, relatórios e outros documentos administrativos na posse do Gabinete de Marta Temido desde 2020 é “manifestamente excessivo, abusivo e, logo, inexequível”, acrescentando que assim “não nos é possível satisfazer o solicitado”.
Esta é a resposta ontem enviada ao PÁGINA UM no decurso de um pedido expresso, ao abrigo da Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (LADA), onde se solicitava “o acesso a cópia digital ou em papel, ou outro qualquer formato, de (…) correspondência oficial, pareceres, relatórios e outros documentos escritos ou em formato audiovisual, na posse do Ministério da Saúde (e respectivas Secretarias de Estado), por si elaborados ou elaborados por outras entidades públicas e privadas, ou mesmo por particulares (incluindo assessores e consultores), produzidos desde Janeiro de 2020 até à data.”
No seu pedido, o PÁGINA UM discriminou uma lista exaustiva de mais de duas dezenas de entidades nacionais e internacionais que tivessem sido destinatárias ou remetentes dos documentos em posse do Ministério de Marta Temido, entre as quais a Direcção-Geral da Saúde, o Infarmed, as Administrações Regionais de Saúde, o Conselho Nacional de Saúde, o Gabinete do Primeiro-Ministro, a Presidência de Conselhos de Ministros, a Assembleia da República, a Presidência da República, a Ordem dos Médicos, os Conselhos de Administração das unidades de saúde do SNS e do sector privado, a APIFARMA, as empresas farmacêuticas, a Agência Europeia dos Medicamentos, a Comissão Europeia e diversas instituições da União Europeia.
Apesar desse detalhe, e ignorando na resposta ser este pedido feito por um órgão de comunicação social – cujos direitos de acesso estão consagrados na Constituição da República Portuguesa, na Lei da Imprensa e no Estatuto do Jornalista –, o Ministério da Saúde defende que “as entidades não estão obrigadas a satisfazer pedidos que, face ao seu carácter repetitivo ou sistemático ou ao número de documentos requeridos sejam manifestamente abusivos, sem prejuízo do direito de queixa do requerente”.
Recorde-se, porém, que a Lei do Acesso aos Documentos Administrativos não estipula a partir de que “número de documentos requeridos” se considera os pedidos “manifestamente abusivos”, sendo certo que, se tal for feito de forma arbitrária, significaria a denegação do direito de informação incompatível num Estado democrático. Ainda mais sendo feito por um órgão de comunicação social num processo de investigação jornalística.
Na verdade, a LADA prevê sim que, nos casos da existência de muitos documentos para consulta, a entidade pública requerida possa ter mais tempo – até dois meses, em vez de 10 dias – para os disponibilizar, por fases, mas sempre fundamentando previamente.
No seu ofício, embora negando desde já permissão de acesso ao seu arquivo sem condicionalismos nem restrições – que permitiria conhecer em detalhe todas as orientações da sua política nos últimos dois anos e meio –, o Ministério da Saúde ainda sugere que o director do PÁGINA UM esclareça “qual a informação que pretende aceder, em termos claros e precisos”, deduzindo-se que Marta Temido queira que o jornalista indique os números dos ofícios ou os títulos dos relatórios ou os autores dos pareceres que só o seu gabinete conhece na íntegra.
Na verdade, o PÁGINA UM – e qualquer cidadão – poderia escolher os documentos produzidos e à guarda do Ministério da Saúde se o gabinete cumprisse o estabelecido na LADA. Com efeito, a alínea a) do nº 1 do artigo 10º deste diploma legal – existentes desde 1993 para promover a transparência na Administração Pública – estabelece que “os órgãos e entidades a quem se aplica a presente lei publicitam nos seus sítios na Internet, de forma periódica e atualizada, no mínimo semestralmente, os documentos administrativos, dados ou listas que os inventariem que entendam disponibilizar livremente para acesso e reutilização nos termos da presente lei, sem prejuízo do regime legal de proteção de dados pessoais”.
Isto é, o Ministério da Saúde ostensivamente não divulga a lista dos documentos que produz e só mostra eventualmente disposição em os divulgar se um jornalista adivinhar a sua referência administrativa interna em detalhe.
O PÁGINA UM irá recorrer ao Tribunal Administrativo de Lisboa com um processo de intimação para a prestação de informações, consulta de processos e passagem de certidões contra o Ministério da Saúde. Esta iniciativa utilizará, como habitualmente, o seu FUNDO JURÍDICO.