É mais do que um objecto; é um símbolo e, por isso, ocorreu-me falar hoje de uma peça que, muitas vezes, passa despercebida aos olhos daqueles que nos conhecem, e que frequentam a nossa casa, a nossa intimidade.
Uma peça que, não sendo secreta – excepto em alguns contextos que agora não são para aqui chamados –, se torna discreta. Atrás de uma porta, numa gaveta, num armário, ali está: o avental…
O uso de avental como peça de vestuário remonta a tempos imemoriais. Feito de pele, de tecido vegetal, de plástico ou de outro qualquer material qualquer – desde que seja maleável – é de uso universal por homens, por mulheres, por crianças.
Serve de proteção, geralmente em trabalho.
Por isso mesmo, geralmente ao abordarmos alguém vestido com um avental pedimos desculpa, supondo estar a interromper o visado. O avental tornou-se um símbolo de “mãos ocupadas”.
Envolvidos na ideia do avental, rapidamente recordamos as nossas mães, tias, avós. Recordamos a infância. Recordarmos a avó de avental e relembramo-la das suas ocupações, dos seus afazeres. O mesmo avental que lhe servia para colher uma peça de fruta no regaço e levá-la até à mesa, servia-lhe de pega quando a panela estava quente. Servia-lhe igualmente para secar as mãos antes de nos abraçar e, por incrível que pareça, bastava-lhe tirá-lo, ajeitar o cabelo e estava “arranjada” para sair de casa.
Era mágico, aquele avental: podia desaparecer num piscar de olhos, sem que déssemos por isso. Também servia para fazer desaparecer alguma lágrima num desgosto inesperado, para fazer sumir o pó, para esconder pequenos objetos, qual manto da invisibilidade. Era útil para afastar moscas e, se não resultasse, para as matar!
Provavelmente não recordaremos as nódoas desse avental, mesmo se nele se transportava lenha, legumes ou cascas. Servindo para (se) sujar, a verdade é que a avó o mantinha sempre limpo. Imaculado.
O avental era uma extensão de si. Era sinal de identidade e, por isso, tinha orgulho nele do mesmo modo que tinham orgulho em tudo aquilo que fazia.
Refiro os aventais das avós, mas também posso referir os outros aventais! – os manchados, rotos, riscados, rasgados. Com nódoas de sangue, de óleo, de ferrugem. Acontece que certas profissões a isso obrigam; labutar sujo, marcado pela natureza do trabalho. Sobre estes, escreverei um dia.
Enquanto crianças, talvez nos recordemos de que sempre que tentávamos usar um avental, achávamo-lo cumprido, largo, e, por isso mesmo, fazia-nos sentir adultos, responsáveis.
Hoje, já crescidos, pouco ligamos aos aventais. Vendem-se por aí alguns exemplares cuja natureza é meramente decorativa, não oferecendo, por exemplo, segurança nem funcionalidade, fruto de uma sociedade plástica, fútil, superficial.
O avental é útil para quem faz, não para quem fala. Fala-se tanto… faz-se tão pouco.
Neste ponto reside o fundamental que a todos aproxima – a possibilidade de transformar o mundo através das nossas próprias mãos. Não importa que o avental seja usado por um homem ou por uma mulher, importa o resultado: a eficácia.
Talvez nos falte entender que é na utilidade que reside a perfeição, porquanto algo somente se torna perfeito se cumpre a função da sua concepção.
Talvez um dia, quando aqueles que nos sucederem, se recordarem dos aventais, relembrem-se de nós com o mesmo amor e ternura com que recuperamos da memória aqueles que, por nos terem sido úteis, foram perfeitos.
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