VISTO DE FORA

Os pais do Simba

person holding camera lens

por Tiago Franco // Junho 25, 2022


Categoria: Opinião

minuto/s restantes


Nos meus tempos de teenager, durante os verões alentejanos, um amigo mais eufórico depois daqueles jantares regados com uva das adegas locais, gritava: “sou filho do meu pai e da minha mãe, não pago e não tenho medo de ninguém!”.

Quando a conta chegava, enfim, como todos nós, ele pagava. Mas durante cinco minutos sentia-se o pai do Simba, com o sangue ali a circular mais depressa entre as veias. E tudo bem, entre teenagers com aquele grau de idiotice mais próprio da idade, não há problema.

brown lion on green grass field

Até porque, quando eu era gaiato, não existiam telefones com câmara ou lives no Facebook. A vida era reservada ao que a nossa memória guardava, e isso, meus amigos, valia ouro. Sorte a do meu amigo que eu não me esqueci dos números de Rei da Selva…

Dizia eu – quando perdi o foco, como é habitual – que a idiotice é natural em jovens imberbes. Mas isso torna-se mais preocupante em adultos, especialmente se esses adultos forem líderes de países democráticos.

Recentemente a Estónia veio bater à porta da NATO, porque um helicóptero russo passou no seu espaço aéreo.

Na Finlândia, o líder das Forças Armadas afirmou que estão prontos para combater com os russos.

Já na Lituânia, as autoridades decidiram bloquear o acesso dos comboios russos de mercadorias ao enclave de Kaliningrado.

Vejo aqui vários candidatos a pais do Simba – alguns Reis da Selva e poucos cérebros em funcionamento.

brown and gray concrete building during daytime

Os russos já avisaram que responderão à Lituânia caso o bloqueio não termine. Seja ou não um membro da NATO, note-se.

Vou ouvindo e lendo que a Rússia está de rastos, que não aguenta nova frente de batalha e que não são perigo para ninguém – excluindo para os ucranianos, deduzo. É uma teoria assente no desgaste que estão a sofrer em território ucraniano, e na frase que se repete: “se nem com a Ucrânia podem, quanto mais com a NATO”.

Permitam-me discordar aqui um pouco antes de chegarmos ao fundamental desta questão.

Os russos estão certamente desgastados, mas julgo que, por esta altura, já ninguém se atreve a dizer que esta é uma guerra entre dois países. Os mortos são de facto maioritariamente de dois países, mas há um envolvimento directo do chamado Ocidente na contenda.

Sem o dinheiro e armas despejados pela União Europeia, NATO, Estados Unidos e Reino Unido, a Ucrânia já teria capitulado há muito. Portanto, é justo dizer-se que os russos combatem contra uma coligação.

É certo que o Ocidente incentiva os ucranianos a continuarem e a doar a carne para o churrasco, mas o carvão, as acendalhas e as minis são oferecidas por nós.

sunset

O envolvimento da NATO nesta guerra é mais do que assumido; portanto, tenhamos pelo menos esse dado em conta e não continuemos a fingir que os ucranianos estão sós. Sós estavam os georgianos e duraram cinco dias. Sós estão os palestinianos que vivem em prisões a céu aberto.

Portanto, voltando ao ponto inicial: quando vejo simulacros de pai do Simba, imagino que todos, agora na União Europeia, vejam os russos debilitados e em ponto de rebuçado para levarem mais umas vergastadas.

E a minha pergunta aqui é: porquê? Mesmo que estejam desgastados, cansados e debilitados, quem é que ganha com o alargar do confronto para a Zona Euro? Se um touro de 500 quilos andar às voltas num praça durante uma hora, passa a ser um acto de inteligência correr contra ele só porque já exercitou um pouco a musculatura? Os 500 quilos de peso doem menos e provocam menos danos no nosso esqueleto?

É que nem essa teoria dos russos estarem de gatas, caso fosse mesmo essencial alargar o conflito, parece ter base firme.

Televisões ocidentais, portuguesas incluídas – portanto, não foi a RT –, anunciaram que os lucros no último trimestre aumentaram mais de 30% na Rússia. A principal razão continua a ser a venda de energia, neste caso, com a China e a Índia – entre outros BRICS – a adquiriram o excedente que deixou de ser vendido para a Zona Euro.

Ou seja, as potências emergentes dizem, pela vertente comercial, que não se importam de financiar a invasão russa, e ainda aproveitam para fazer negócio, refinando a matéria-prima e voltando a vendê-la aos europeus.

Ao mesmo tempo, Xi Jinping, líder chinês, afirmou que as sanções impostas à Rússia seriam um tiro nos pés dos europeus e, cedo ou tarde, se virariam contra o próprio povo.

Como se percebe pelo custo dos combustíveis, redução de salários e aumentos das taxas de juro, ele está certo. Mais não seja, porque a continuação da guerra e as restrições impostas, dá às petrolíferas e às financeiras a desculpa perfeita para os aumentos desejados – sejam ou não realmente afectadas. 

Por outro lado, as relações comerciais entre a Rússia e os BRICS – que são potências emergentes –, com China e Índia à cabeça, mostram-nos qual foi o lado que estes exércitos escolheram no conflito. Ou seja, o touro exaurido e com a língua de fora parece ter amigos do tamanho da NATO.

Neste cenário, queremos mesmo ver três países – Estónia, Finlândia e Lituânia –, cujas populações somadas não chegam à portuguesa, a encherem o peito em nosso nome em frente à Rússia?

Estamos assim tão confiantes que os Estados Unidos e a NATO se vão meter nisto, numa altura em que Joe Biden já assumiu que, cedo ou tarde, Zelinsky terá de se sentar e chegar a um acordo?

Pessoalmente, preferia que a malta do Báltico se acalmasse, aproveitasse o Verão – que são sempre os melhores quatro dias do ano – e, se possível, que tentassem contribuir para uma conclusão do conflito.

green wheat field under blue sky during daytime

Gente com gasolina ao redor da fogueira, já temos em demasia. Agora, aquilo que precisamos é de sair disto rapidamente, e usar a política para o que ela realmente serve: sossegar os egos dos líderes.

Venham acordos de paz, com ou sem território, com mais ou menos dinheiro, com ou sem entradas na União Europeia. Façam lá as promessas que precisam de fazer para todos saírem desta guerra vencendo qualquer coisa.

Acabem é com a carnificina de russos e ucranianos no terreno, e ainda com o empobrecimento generalizado da população europeia. O desgaste russo assumido pelos americanos é, na realidade, o desgaste de toda a Europa. Eu sou aquele que confiou nos avisos dos serviços secretos britânicos que, em Fevereiro passado, julgo, afirmavam que a guerra estaria terminada em Maio. Enfim, nunca mais foram os mesmos depois da morte do James Bond – spoiler alert.

Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

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