Título
Laranjas de Portugal: séculos de cultivo e consumo
Autora
ANABELA RAMOS
Editora (Edição)
Ficta Editora (Junho de 2022)
Cotação
17/20
Recensão
Em Portugal são escassos os livros dedicados à história de certos ingredientes que fazem parte da nossa culinária. Não me refiro obviamente aos grandes protagonistas como o vinho, o azeite, o bacalhau ou o queijo, com farta bibliografia disponível.
Refiro-me a outros, menos destacados e discretos, aos que, talvez pela sua abundância, não suscitem tanto interesse junto dos investigadores.
Contudo, nestes últimos anos, apenas uma mão cheia de autores se tem esforçado para trazer a lume curiosidades e informações preciosas acerca desses produtos, um tanto ou quanto menos nobres. Basta consultar, por exemplo, alguns dos títulos publicados por Ana Marques Pereira, Virgílio Nogueiro Gomes, Fortunato da Câmara ou Paulo Mendes Pinto, com o seu extraordinário De Adão a Eva – Uma História das Maçãs (Esfera do Caos, 2009) para se ter essa percepção.
Felizmente, eis que surge Anabela Ramos com este livro, não só brilhante, mas também perfumado e cheio de sumo. Nunca mais iremos olhar para as laranjas da mesma maneira, sejam elas doces ou azedas. Graças ao seu trabalho, agora conhecemos com mais detalhe a incrível odisseia desse preciso fruto até chegar às nossas mesas, aos nossos copos, às nossas mãos.
“A presença da laranjeira e de outros citrinos, é tema que não tem interessado muito aos historiadores”, assume a autora na Introdução. “Com este estudo, pretendemos ir um pouco mais longe. Cruzando livros de cozinha, livros médicos, farmacopeias, relatos corográficos, tratados agrícolas e outra documentação avulsa, em especial ligada ao mundo agrícola dos mosteiros, podemos aventurar-nos no estudo sobre a presença da laranjeira na Península Ibérica, e em particular em Portugal, desde a Idade Média até ao século XX.”
O livro encontra-se dividido em quatro partes: Laranjas do mundo em Portugal, onde somos informados sobre a existência de laranjas azedas, primeiro, no território português e toda a sua influência, bem como a chegada posterior das laranjas doces, tanto da Índia como da China, em tempos mais recuados, ou as da Bahia e da Califórnia, em datas mais próximas.
É curioso verificar como, pelas mãos dos navegadores portugueses e das rotas comerciais estabelecidas, a laranja se disseminou pelo Mundo, ficando para sempre o nome do fruto associado a Portugal.
Segue-se depois uma parte dedicada aos Laranjais: produção para usos diversos, sejam os medicinais ou os culinários; uma outra parte que versa sobre os Laranjais: uma geografia histórica, que define os territórios onde as laranjeiras foram ganhando predominância e impacto na sociedade e economia desses lugares, ao longo da História, desde certas regiões no Minho até aos Açores.
Por fim, uma parte muito saborosa, dedicada às Receitas culinárias, que vão desde o século XVI ao século XXI, com as mais antigas a serem apresentadas com um texto actualizado e que torna mais fácil a sua confecção. Um verdadeiro desafio para todos os amantes deste citrino.
Remata-se o livro com as Fontes e Bibliografia, preciosa matéria para quem desejar saber mais.
Todo o livro é um manancial de curiosidades e pequenas histórias. A flor de laranjeira, por exemplo, “servia para aromatizar e consertar o vinho, tornando-o cheiroso e macio”. Na doçaria portuguesa, a essência de flor de laranjeira era utilizada em quase todas as confecções: “não se comia arroz-doce sem o respectivo aroma da flor de laranjeira”. Da laranja “se retirava em primeiro lugar a flor, utilizada na doçaria e na medicina, e, depois, o fruto, que se comercializava e exportava para a Europa e que poderá ter dado origem a algum entusiasmo europeu relativo às laranja de Portugal.”
Por todas as cortes europeias a laranja era rainha na mesa e o seu consumo de tal importância que, “na vizinha Espanha, também Santa Teresa d’Ávila, antes da sua morte, em 1582, sentiu-se fraca e pediu para comer laranjas doces.”
Possa este livro deleitar os espíritos de todos aqueles que gostam de conhecer e saber um pouco mais acerca das histórias do que andamos a comer. Dessa maneira, melhor saberemos honrar e preservar o que é bom.