Antes de emigrar para a Suécia costumava ter acesos debates com um amigo “passista”. Tínhamos visões absolutamente distintas do mundo e percursos de vida completamente antagónicos. Certo dia, durante um almoço perto do mar, com aquele sol bem luso e um peixe grelhado com mestria, ele abre os braços e diz-me: “Tiago, percebes agora porque não emigro? Como é que se vive sem isto?”.
Eu ouvi, respirei e disse: “os teus pais, depois de te pagarem os estudos em universidades estrangeiras, ofereceram-te uma casa e, ao dia de hoje, usas o teu salário para as contas do Pingo-Doce e da EDP. Percebes agora porque não emigras?”
Os nossos caminhos deixaram de se cruzar e imagino que, entretanto, se tenha tornado liberal. Tinha tudo para ser um forte apoiante dos mercados. Mas, por mais que as opiniões dele me irritassem, eu adorava debater com o sujeito. Não só era inteligente na defesa dos seus argumentos, como o fazia de forma convicta, educada e racional. Nas estuchas que eu tinha que levar nos convívios com aquela malta, o choque de opiniões com aquele indivíduo era a única coisa que me cativava.
E isso nunca mudou.
Sempre preferi estar no meio de correntes diversas de opinião em vez de me situar, apenas, entre aqueles que pensam como eu. É a única forma que conheço de evoluir, aprender e até de formar a raiz do pensamento. Se falarmos apenas com pessoas que votam como nós, apoiam o nosso clube e adoram a mesma zona balnear, dificilmente saíamos da bolha a que as redes sociais e a manipulação de informação dos dias de hoje nos condenam.
Portanto, partindo desta base de pensamento, do respeito pelas diversas opiniões e do facto de expor a minha opinião publicamente há algum tempo, estou habituado a receber críticas constantes ao que escrevo. Faz parte e até agradeço.
Aliás, incentivo.
Alguns dos reparos que me fazem ajudam-me a melhorar a escrita e até a ver as coisas de outra forma. Por outro lado, se há crítica é porque há leitores – e esse é sempre o primeiro objectivo de quem quer escrever.
Aqui há uns anos, 2019 julgo, escrevi um texto sobre a TAP e as reclamações constantes dos portugueses aos seus serviços (não me lembro se nessa altura ainda pertencia aos privados a quem o Passos a ofereceu).
Pelo meio fiz uma piada sobre glúten, que, como se percebe, não era o foco do texto. A coisa acabou por ter mais de mil partilhas, e eu passei os meses seguintes a ser insultado por algumas mães ofendidas, cujas intolerâncias próprias ou dos filhos, tinham sido mortalmente ofendidas com essa piada. Não é que eu tivesse matado alguém, mas, a avaliar por algumas reacções, poder-se-ia pensar que sim.
Foi mais ou menos por esta altura que deixei de ler comentários ao que escrevo. Sejam elogiosos ou não, prefiro passar sem ver, porque tenho sempre a tendência para entrar em debate. Especialmente quando leio coisas mais disparatadas ou insultuosas. Um dos fenómenos que nunca perceberei é dos anónimos, sentados em frente a um teclado, e que dedicam boa parte do seu dia a insultarem outros anónimos, por divergência de opinião.
Pode ser um golo em fora-de-jogo, o resultado de uma eleição, a obrigatoriedade de uma máscara ou uma brasileira a abanar as nádegas no Rock in Rio. Tudo, mas absolutamente tudo, serve para insultar o desconhecido do lado, se este não corroborar a nossa opinião. Ora, eu acho esse movimento ligeiramente deprimente e, com a vossa licença, prefiro não entrar nele.
Quando fui convidado para escrever colunas de opinião no PÁGINA UM, a minha pena estava mais do que identificada: emigrante, benfiquista, eleitor de esquerda, área de Ciências, contra os sucessivos confinamentos e pouco amante da histeria em volta da covid-19, sem nunca negar que o vírus existe, e nada fã de teorias da conspiração.
Em princípio, não serei parte de nenhuma minoria escondida… vam’lá a ver: benfiquista e eleitor de esquerda, dizem os números, é onde se situa a maioria da nossa população. E pelo andar da carroça, não tarda, e também seremos mais na condição de emigrantes do que os residentes neste cantinho de bom sol e fresca sardinha.
Portanto, quando escrevo opinião neste jornal – e isto poderá ser surpreendente –, escrevo a minha. Não a do partido A ou B, do clube Z ou Y. Pego nos temas da actualidade, e dou, sobre eles, a minha opinião. Critico o que tenho que criticar, elogio o que tenho que elogiar. Como qualquer um de nós.
Depois das legislativas, repeti que Jerónimo de Sousa estava a afundar o PCP (e fui criticado por comunistas), que Rio não tinha qualquer ideia original e fazia a melhor oposição que Costa podia pedir. Disse que Cotrim de Figueiredo vendia um ideal que não se podia aplicar em Portugal e, mesmo assim, era constantemente apanhado em contradições na tentativa de explicar o liberalismo pensado para a nossa realidade. Valeu-me críticas da malta dos sapatos de vela. Disse que o Ventura não tinha conteúdo para mais do que dois ou três debates de seis minutos, como se provou nos 36 das últimas eleições onde chegou a ser penoso vê-lo.
Critiquei Jorge Jesus desde o malfadado dia em que abandonou o Flamengo. Critiquei as escutas do YouTube que não foram usadas como prova no Apito Dourado. Critiquei Bruno de Carvalho por todo o ódio em que empestou o Sporting.
Durante o confinamento, critiquei muito o Governo português, e escrevi, noutro jornal, sobre a experiência sueca onde a vida seguiu com menos limitações e restrições à liberdade individual. Alguns votantes de esquerda chamaram-me “negacionista” e votantes de direita, nomeadamente liberais ou apoiantes do Chega, sentiram-se mais representados nesse tema.
No entanto, quando o assunto passou a ser eleitoral, os mesmos que elogiavam, passaram a insultar-me. Portanto, é normal que todos cruzemos opiniões algures na vida e que, aqui e ali, concordemos em temas.
Aquilo que quero dizer com isto é que a minha opinião não é partidária ou ideológica. É minha. Segue apenas aquilo que a minha cabeça dita em cada momento.
Ontem, abri uma pequena excepção, e fui ler alguns comentários ao meu texto sobre o festival do Chega. Era uma paródia, pouco mais do que isso.
Vi que alguns leitores decidiam deixar de apoiar o jornal porque o seu partido era satirizado nestas páginas. Houve até quem pedisse mais isenção. Ora… é aqui que eu queria ser bem claro nas linhas escritas: a opinião não é isenta, a opinião nunca pode ser isenta, porque se o for, então não é opinião. É outra coisa qualquer, mas não opinião.
As notícias do PÁGINA UM é que são, e devem ser, isentas.
O facto deste jornal ser apoiado pelos leitores e não ter qualquer patrocínio de entidades privadas ou públicas, significa que nunca será pressionado para não dar a notícia A ou alterar um pouco o conteúdo da notícia B. É isso que marca a isenção do PÁGINA UM, e é isso que o torna diferente e único no panorama nacional.
Quem espera colunas de opinião que reflictam única e exclusivamente o seu pensamento, não está verdadeiramente interessado em “opinião”, mas sim numa extensão da sua bolha informativa.
Em todos os jornais, eu tenho colunistas que gosto muito e outros que não suporto. O mesmo nas televisões. O que faço, quando fala ou escreve algum daqueles que me dá voltas ao estômago, não é partir a televisão ou fechar o jornal. Simplesmente mudo de canal, ou folheio as páginas.
Já se encontrar algum órgão de comunicação social que reflicta apenas aquilo que penso, bom, nesse dia deixo mesmo de o seguir. Para espelho já basta o que tenho em casa.
Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.