Há uns anos, numa daquelas conversas de elevador, dizia-me um colega brasileiro que estava a adorar a experiência europeia. Segundo ele, como as distâncias eram tão pequenas, em cada fim-de-semana ia ver um país diferente.
Achei a prosa um pouco exagerada, mas percebi com o comentário que se seguiu: “é que no tempo da universidade fazia 1.000 quilómetros de autocarro para ir a casa (que ficava noutro Estado) a cada fim-de-semana”.
Portanto, para este camarada, um Copenhaga-Berlim era já ali; e um Gotemburgo-Londres dava para um cochilo rápido.
A noção de distância depende, obviamente, dos sítios que percorremos. Na minha ilha, por exemplo, a maior distância por estrada são 22 quilómetros. Uma pessoa que vá levar o filho aos treinos de futebol fica a engonhar duas horas para não andar “para baixo e para cima”, percorrendo a totalidade dos 10 quilómetros. Porquê perder 20 minutos quando podemos perder duas horas? Fazer os cinco quilómetros duas vezes é que não.
Em Portugal, de uma forma geral, consequência de um país pequeníssimo, embrulhamo-nos em discussões eternas sobre voos ou concertos que existem em Lisboa, e não no Porto; ou estradas que estão no litoral e não no interior.
Sempre que aqui chego vejo uma auto-estrada nova, mas admiro-me que ainda não exista uma na porta de cada português. Lá chegaremos.
Até já ouvi reclamações só porque determinado artista/comediante faz um espectáculo em Lisboa ou em Almada, mas não vai a Setúbal. Portugal atravessa-se num dia; porém, nós queremos que o mundo comece e acabe no nosso bairro.
Isto para dizer que esta história do aeroporto de Lisboa é, de momento, pouco mais do que uma paródia.
A quantidade de estudos, milhões de euros públicos gastos e decisões inócuas, num país de Primeiro Mundo, dariam prisão. Por cá já anunciaram agora três aeroportos: OTA, Portela + 1 e Alcochete. Todos bem estudados, e com as consultoras que gravitam na órbita do Estado, devidamente engordadas. Contar 50 anos de estudos para definir, em definitivo, o local para um aeroporto é uma daquelas coisas que temos vergonha de dizer fora de portas.
Mas é real. De facto, continuamos sem decidir onde será o novo aeroporto de Lisboa, mesmo sabendo que o actual recebe milhões de pessoas todos os anos, apenas com uma pista de aterragem a funcionar.
Somos os mestres do desenrascanço. Bastou um avião privado ter um azar – um rebentamento de dois pneus na aterragem – e a Portela voltou para a Idade da Pedra: voos desviados, aeroporto encerrado, partidas canceladas e filas intermináveis de espera com passageiros que desesperavam para chegar a casa. Porquê? Porque a alternativa à pista existente são os autocarros da Barraqueiro. Ou o UBER.
A cidade engoliu o aeroporto. Lisboa cresceu até tocar na pista de aterragem, e será hoje, julgo, uma das poucas capitais europeias com o aeroporto na sua zona central. Chegámos aqui porque os sucessivos Governos se limitam a estudar e estudar, chutando para mais tarde qualquer decisão.
Pedro Nuno Santos tentou despachar o assunto e foi arrasado. Juro que li “atitude precipitada”. Importam-se de repetir? Imprudente? Apressado? Depois de 50 anos? Era necessário um pacto de regime com o PSD? Como os restantes que nos trouxeram aqui? Este país ainda adora as comissões de Salazar. Discute-se para dar a impressão de que há movimento apenas para que tudo fique na mesma.
Confesso que não percebo o que pode ser tão complicado na decisão de uma obra pública como um aeroporto. Quantas décadas e estudos são necessários mais? A discussão deve ficar ao rubro entre especuladores imobiliários e municípios interessados, compreendo isso.
Imagino, aliás, os lobbies e a quantidade de boys apertados nestes anos para influenciarem a decisão aqui ou ali. Mas por favor… estamos em Portugal, já sabemos que a obra encherá os bolsos a uns quantos e, portanto, andem lá com isso e facilitem a vida aos viajantes. O dinheiro gasto já dava um terminal internacional. Daqueles onde pensamos que o gin é mais barato, mas depois percebemos que fica mais em conta no Pingo Doce.
De entre as várias discussões que este tema acarreta, a minha preferida é a da distância. E aqui lembro a conversa inicial do meu amigo brasileiro para quem a conversa de “longe” começa nos 1.000 quilómetros. Li dezenas de indignados que, de uma forma geral, davam a entender que tudo o que não fosse uma pista no Rossio, parecia ser a visão do Apocalipse.
Montijo e Alcochete são longe de Lisboa. Ota é longíssimo. Beja é noutro planeta.
São as mesmíssimas pessoas que adoram voar com a Ryanair, e que elogiam a experiência de aterrar no Aeroporto de Frankfurt-Hahn quando compraram um bilhete para Frankfurt, não se importando que fique a 125 quilómetros daquela cidade alemã. Que aterram em Bérgamo quando no site dizia Milão, distando afinal 45 quilómetros. Que chegam a Skavsta, a 100 quilómetros a sul de Estocolmo, quando querem chegar à capital sueca. E que dizer de Charleroi, quando o destino é Bruxelas? Ou Stansted, e afinal vão para Londres?
Ora, mas uma coisa é passar uma hora num comboio ou autocarro, num destino qualquer europeu, a caminho do centro depois de aterrar a mais de uma centena de quilómetros de distância; outra é fazer isso dentro de portas. Era o que faltava!
Aterrar do outro lado da ponte? Ou num aeroporto que já está feito (Beja), e que num comboio de alta velocidade nos pode deixar em Lisboa em menos de uma hora? Please: isso não é para nós! Além do mais Beja já está pronto, como é que se pagavam os favores? Não! Vamos com calma procurar um sítio perto, sem flamingos ou pontes.
E, já agora, eu sugiro uma alternativa: desloque-se antes Lisboa. O aeroporto da Portela fica. Às tantas, em despesas de construção e em pagamento de mordomias, o saldo aumentaria mais; e, portanto, compensaria.
Estude-se!
Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
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