Recensão: O colibri

O magnífico voo do colibri

por Maria Carneiro // Julho 9, 2022


Categoria: Cultura

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Título

O colibri

Autor

SANDRO VERONESI (tradução: Cristina Rodrigues e Artur Guerra)

Editora (Edição)

Quetzal (Março de 2022)

Cotação

18/20

Recensão

Sandro Veronesi é considerado um dos mais importantes romancistas italianos dos últimos trinta anos e é um (o outro é Paolo Volponi) dos dois únicos que ganharam duas vezes o Prémio Strega, o mais prestigiado prémio literário entre os que reconhecem obras em italiano. 

Nasceu em Florença, em 1959, e licenciou-se em arquitetura. Entre os seus livros destacam-se: Caos calmo, adaptado ao cinema e interpretado por Nanni Moretti, nomeado como actor para o Urso de Ouro do Festival de Berlim, em 2008.

Este, O colibri, publicado em Portugal pela Quetzal, terá também, em breve, uma adaptação ao cinema. O livro é um excelente romance que impõe uma releitura, porque é riquíssimo em referências e pormenores que nos prendem desde o início, e sendo tantos e tão ricos não os apreendemos a todos na primeira leitura.

O título remete para a alcunha que o protagonista, Marco Carrera, médico oftalmologista, tinha em criança, dada pela sua mãe, por causa da sua pequena estatura, abaixo do percentil considerado normal. O problema físico resolveu-se, na adolescência, com um tratamento à base de hormonas de crescimento, mas Marco permanece toda a vida um colibri por causa da sua capacidade de permanecer no ar, apesar das adversidades.

Numa carta que lhe é enviada por outra personagem, Luísa, é-lhe dito: "Consegues ficar parado no mundo e no tempo, consegues parar o mundo e o tempo à tua volta, às vezes consegues até remontar e recuperar o tempo perdido, tal como o Colibri és capaz de voar para trás. Por isso, é tão agradável estar ao teu lado."

O livro é uma saga familiar, marcada por uma sucessão de perdas e de impossibilidades que marcam profundamente Marco que, apesar de tudo, se reergue, se reorganiza voltando a cair e a organizar-se, numa vertigem de perdas irreparáveis (a morte de uma irmã, o afastamento do irmão, a doença do pai e depois da mãe de quem tem que cuidar até à morte) e a vivência de relações fortes tecidas com uma ternura que nos comove (a filha, com problemas psiquiátricos, de quem fica responsável quando se separa da mulher,  a neta linda, Miraijin, de uma beleza exótica, que vem encher de alegria e esperança a parte final da vida do protagonista).

O mais surpreendente, contudo, é a voz do narrador polifónico: a correspondência entre Marco e Luísa, que vivem um amor sempre no limbo, sempre a pairar e só no final do livro percebemos na sua totalidade, os telefonemas, com outros personagens que aparecem transcritos assim como as SMS e os e-mails, versos citados, frases de outros romances inseridas no discurso, alusões frequentes a outras formas de arte, músicas e letras de canções, obras de arte e de design, mistura de ficção e realidade, títulos de livros e, um dos capítulos, é até a adaptação (ou transcrição?)  de um conto de Beppe Fenoglio, Il gorgo. O autor explica-nos todas essas referências no final do livro.

A narrativa não está organizada linearmente, oscila no tempo, há penumbras que antevemos e só mais tarde se iluminarão, ora pelas analepses proporcionadas por jogos de memórias, ora pelas prolepses que antecipam momentos decisivos para as personagens. Mas o ritmo é encantatório com uma beleza de linguagem sem notas dissonantes que não conseguimos deixar de seguir numa leitura que não conseguimos largar.

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