ECONOMIA EM FÉRIAS

Sardenha: não vi o Ricardo Salgado

grayscale photo of two wooden chairs on wooden dock

por Luís Gomes // Julho 11, 2022


Categoria: Opinião

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Não podia morrer estúpido: na Sardenha, tinha de conhecer Porto Cervo, o local dos famosos, dos multimilionários e do nosso conhecido ex-banqueiro Ricardo Salgado – há uns anos, como sabemos, foi uma espécie de dono do regime.

No ano passado, a imprensa lusa fez parangonas sobre as férias de Ricardo Salgado, enquanto decorria o seu julgamento. Beneficiou da lei que permitia aos arguidos com mais de 70 anos não marcarem presença em tribunal devido aos riscos associados à putativa pandemia. Por Porto Cervo, segundo fotografias na imprensa, andava ele descontraído, sem máscara e longe dos tais riscos – o “bicho” por lá não aparecia.

crystal blue water on white sand beach

Hospedei-me em Olbia, a cerca de 30 quilómetros de Porto Cervo, onde me foi possível encontrar um local para pernoitar a preços acessíveis. Em Porto Cervo, ou nas redondezas, os preços do alojamento são proibitivos. Acima dos 300 euros por quarto em cada noite.

As estradas na Sardenha são miseráveis; mais se parecem com as estradas de Portugal nos anos 80, onde para percorrer 30 quilómetros se demora 45 minutos. É o oposto da Madeira – com a população a ganhar na sua maioria menos de 1.000 Euros por mês e governada por um tiranete –, onde existem túneis e estradas de luxo para qualquer lugar.

O empreendimento de Porto Cervo está impecável, vivendas e apartamentos perfeitamente integrados na paisagem, com lojas de luxo em redor de uma marina, onde cada barco parece disputar a primeira posição em tamanho, esplendor e tripulação. Praticamente não se avistam carros de luxo.

Não vi Ricardo Salgado. Também não vi o café a 10 Euros anunciado pela imprensa mainstream. Também não ouvi ninguém falar português de Portugal, apenas escutei o sotaque do país irmão: o Brasil. Não espanta, hoje aquele país possui uma das comunidades empresariais mais dinâmicas e numerosas do Mundo.

Em relação à inexistência de portugueses, não há qualquer assombro: em 48 anos de socialismo, o regime encarregou-se de “abater” os empresários, enquanto elevava o peso do Estado na Economia, de 18% para mais de 50%, levando a dívida pública à estratosfera e destruindo o mercado de capitais. As empresas cotadas chegaram a valer 66% do PIB; valem agora menos de 40%, e o mercado está muito dependente de duas cotadas em mãos chinesas.

Apesar do pesadelo instituído durante dois anos pelo facínora Mario Draghi, a Itália continua a ser uma das nações mais ricas do Mundo. Em Porto Cervo, as lojas de luxo são, na sua maioria, de marcas italianas. Também se vende iates de luxo por encomenda, igualmente de fabrico italiano. Ou seja, continua a existir um capitalismo vibrante, onde a indústria de luxo tem uma enorme preponderância e há capacidade industrial.

Olho para a Itália, e à distância recordo Portugal. Fomos em tempos uma das nações mais prósperas do planeta; hoje, estamos a caminho de ser a nação mais pobre da Europa. Talvez esteja relacionado com a forma como nos relacionamos com o capitalismo e a riqueza.

Continuamos a pensar que é fruto do acaso, da sorte, da vigarice e dos contactos certos, em lugar do esforço, da poupança, do risco, da excelência, do trabalho em equipa e da perseverança. Para nos aliviar a abjecção, não espanta o novo-riquismo com estradas e carros de luxo.

Aparentemente, o único português que pode aparecer em Porto Cervo de Iate e aí alojar-se é um ex-banqueiro acusado de subornar os próceres do regime. Talvez por lá também apareçam figurões desse mesmo regime, com riqueza obtida à mesa do Orçamento do Estado e fruto do confisco dos demais portugueses.

Mas, confesso, que não os vi; e também não vi Ricardo Salgado. Estará ele e os outros, por certo, em outras paragens paradisíacas.

Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

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