EDITORIAL

Senhora Procuradora-Geral da República: há um extermínio de idosos em Portugal e há suspeitos (e eu já lhe indico quatro)

Editorial

por Pedro Almeida Vieira // Julho 20, 2022


Categoria: Opinião

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Excelentíssima Senhora Doutora Lucília Gago:

Pode Vossa Excelência, como procuradora-geral da República Portuguesa ficar na História como mais um cinzento magistrado a ocupar o órgão superior do Ministério Público. Ou pode ser alguém que, meio século depois de militares terem “imposto” a democracia, contribuiu para reverter o estado comatoso deste quase quinquagenário regime.

Escolher a primeira opção implica o caminho mais fácil. Basta manter-se silenciosa ou tartamuda, fazendo de conta que altos e mais superiores preocupações se sobrelevam, e que o termo gerontocídio não existe sequer no léxico lusitano e, muito menos, no enquadrado jurídico nacional.

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No segundo caso, é assumir que está em curso um gerontocídio, e agir em conformidade.

O termo é, efectivamente, estranho em Portugal, mas é palavra da língua de Camões. No outro lado do Atlântico, por exemplo, a Academia Brasileira de Letras define gerontocídio como “delito de homicídio praticado contra pessoa idosa decorrente de violência doméstica ou familiar e/ou por motivo de menosprezo ou discriminação em relação à condição de idoso” e ainda como “extermínio de idosos”. E está mesmo previsto, desde 2019, o agravamento das penas por este crime, por iniciativa da Câmara dos Deputados brasileira.

Em Portugal, nada. Mas há, neste preciso momento, a decorrer, cobarde e nojentamente, um extermínio de idosos. Não se vê. Não há gritos. Não há sangue literalmente em jorros. Não é carnificina, porque muitos, pela sua avançada idade, até já estão caquéticos. Mas há.

E pior – como se tal fosse possível: há negacionistas. Estes, sim.

Comparação da mortalidade média diária nos maiores de 85 anos por quinzena para os anos de 2017 a 2022. Fonte:: SICO. Análise: PÁGINA UM.

Atente-se: Portugal está a caminhar para o nono mês consecutivo com mortes sempre acima dos 10.000 óbitos. Recorde absoluto em Maio e em Junho. A probabilidade de nada de incomum se passar em tanto tempo seguido é virtualmente de 0%. O PÁGINA UM denunciou. Provou.  

O PÁGINA UM também alertou que, desde finais de Fevereiro, morreram a mais 5.700 pessoas do que o expectável, sendo uma estimativa feita por um professor de Estatística e Investigação Operacional da Faculdade de Ciência da Universidade de Lisboa. E não foi em tempo quente.

O PÁGINA UM também noticiou que, desde 10 de Julho, a mortalidade acumulada este ano nos maiores de 85 anos ultrapassou o já funesto 2021. E isto quando a diferença em 25 de Fevereiro era favorável a 2022 – ou seja, tinham morrido menos – em 4.828 vidas. Apresentamos análises rigorosas sobre tudo isto.

Que sucedeu depois destas notícias do PÁGINA UM – para além da “usurpação” da sua investigação por certa comunicação social?

Comparação da mortalidade média diária na faixa etária dos 75 aos 84 anos por quinzena para os anos de 2017 a 2022. Fonte:: SICO. Análise: PÁGINA UM.

O secretário de Estado-adjunto da Saúde, o médico Lacerda Sales – aquele que deixou cair lágrimas de crocodilo porque em certo dia de Agosto de 2020 não morreu ninguém de covid-19 – diz candidamente que “perante um excesso de mortalidade não atribuível a uma causa específica, a investigação das razões tem de ser feita em períodos longos, não em períodos pontuais, e deve ser feita entre cinco a dez anos exactamente para excluir que esse aumento possa ser um fenómeno pontual”. Leia-se: sacudamos a água do capote de qualquer responsabilidade política do actual Governo.

A ministra da Saúde, Marta Temido, seguiu o mesmo diapasão, garantindo hipocritamente que “queremos chegar a conclusões céleres”, mas que “elas não são possíveis quando são sobre fenómenos complexos e necessitam de tempo e de análise técnica”.

Por sua vez, a médica Graça Freitas – que apenas denota sagacidade para se manter num cargo, a de directora-geral da Saúde, para o qual não foi talhada – veio já tentar tapar o sol com a peneira, culpando uma putativa onda de calor (veja Vossa Excelência as de 2013 e 2018, as mais recentes e compare) como a responsável pelo excesso de mortes desde… Fevereiro?! E vai sempre, para todo o sempre, culpar o “tempo quente”.

Comparação da mortalidade média diária na faixa etária dos 65 aos 74 anos por quinzena para os anos de 2017 a 2022. Fonte: SICO. Análise: PÁGINA UM.

E, para ajudar na festa deste gerontocídio, veio um inclassificável burocrata, também outro médico, Fernando Almeida de seu nome – circunstancial presidente do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (coitado do Ricardo Jorge que deve andar a dar voltas à tumba) – a defender que se deve evitar falar de excesso de mortalidade comparando apenas números. E também ele, para agradar à tutela política, afiançou ser impossível fazer uma análise séria e cientificamente consistente em dois ou três meses.

Estes, doutora Lucília Gago, são quatro suspeitos. Haverá mais, por certo.

São suspeitos por omissão. Por obstaculização de informação. Por acção. Provavelmente, por ocultação de provas. As suas tarefas não incluem espetar facas, mas morrem pessoas à mesma.

Estes e outros responsáveis políticos sabem aquilo que está a suceder. Têm, por exemplo, acesso aos dados bruto do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO), que permitem diariamente, e desde 2014, observar todos os óbitos e suas causas. Há sete anos de dados para comparar com o que se passa este ano. Existem sistemas informáticos e peritos que conseguem detectar, num piscar de olhos, quais as causas para esta anormalidade.

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Eles sabem que eu sei que eles sabem. Mas eles não querem que se saiba. Por isso, existe neste momento um processo no Tribunal Administrativo de Lisboa para intimar o Ministério da Saúde a divulgar esses dados em bruto ao PÁGINA UM.

Mas mesmo que não existissem esses dados em bruto – e existem esses e muitos mais, incluindo uma base de dados que deixou de ser pública porque um amigo de longa data da senhora ministra da Saúde decidiu expurgá-la para impedir as investigações do PÁGINA UM –, bastaria observar os singelos gráficos que se apresentam ao longo deste texto. Veja, Vossa Excelência, como está o gerontocídio, sobretudo nos maiores de 85 anos.

Não perca mais tempo. Não acredite nas palavras de quatro suspeitos deste gerontocídio em curso, que nos dizem que não há gerontocídio nenhum, que é necessário muito tempo para se apurar se houve ou não houve um gerontocídio.

Na verdade, doutora Lucília Gago, eles querem ser como aquele ladrão que, apanhado em flagrante, defende que se tem de avaliar a sua acção em função de uma análise a ser feita apenas no dia de São Nunca à tarde para, depois, se divulgarem as conclusões na manhã do enterro da solteira Culpa.

Que vai Vossa Excelência fazer? Fazer-nos… Fazer-lhes…

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