Arquitectura dos Sentidos

O Pai Tirano, o governo totalitário à Costa e outros mundanos problemas

brown and blue wallpaper

por Mariana Santos Martins // Julho 21, 2022


Categoria: Opinião

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Pela Tatão!… Nem é uma mulher! É um tambor!… Pelatatão, pelatatão (tão tão)

Se houve coisa que o Vasquinho e a sua Geração de Ouro nos ensinou foi a evadir a censura com sucesso. Por isso é sempre pertinente manter a memória viva. Até porque, como todos bem sabem, a censura está viva e de boa saúde, só mudou de nome.

Para mim, ver as películas destas figuras do Portugal de antanho evoca-me o cheiro a bafio e óleo de cedro, com requinte de tabaco lusitano suave a manchar o estanhado da parede. Com carinho o digo, pois estes eram os aromas da minha infância pelas casas dos avós.

Pai Tirano (1941), realizado por António Lopes Ribeiro.

Mas funesta coisa esta de uma certa classe de figurões – e não figuras – andar em revivalismos pintados a guache, em remakes, retakes e replays destas operetas fora de suas épocas.

Só pode querer dizer que tenho que pagar licença de porte de isqueiro em breve e, a julgar pelos últimos dias, meter na cabecinha que, em incerta tarde, um qualquer parque, um qualquer jardim, um qualquer baloiço ou um qualquer escorrega será obviamente vedado para meu bem e para a modéstia do estilo de vida dos meus filhos. Até porque dizem que o Mundo vai acabar e temos de salvar o Planeta, um balancé de cada vez, para não apanhar um escaldão.

Como diz a má-lingua, a História repete-se, tendemos todos a achar e esperar que um pai tirano surja no nevoeiro venha em formas já conhecidas. Esperamos que venham com as mesmas ideias, no mesmo cavalo, com as mesmas cores ou até do mesmo lado de onde vieram da última vez. Depois, afinal não é. Para alguns pode chegar a merecer até voto na urna.

round brown wooden table

Ultimamente, sinto o cheiro a bafio e óleo de cedro no ar, próprio de casas fechadas com gente medrosa lá dentro. Eu sinto cheiro de totalitarismo, à portuguesa, meiguinho. E ainda por cima agora as boas intenções são todas modernaças, usam estrangeirismos e pronomes. Usam máscara, usam patologias e diagnósticos, são especialistas! (E não tractores holandeses, circulem, circulem!)

Elite que se preze a ascender a seu poleiro costuma notabilizar-se por uma desconexão absurda com a realidade.

Quem se mantém, por exemplo, no casulo universitário da retórica, pensa que a vida e os seres humanos se resumem a abstração, ou que talvez quem não acompanhe o pensamento de Suas Excelências será certamente inferior, démodé ou alguma espécie de fóbico.

Então vomitam e regurgitam impropérios e tentam colonizar até a língua de todos, pois se a língua é pensamento e identidade, sim, porque não tentar uma colonização deste género?

white and black speaker on green wall

Quem não admita falar esta novilíngua, quem questione o porquê de as instituições estarem a impor este linguajar, é um dissidente que não merece o passaporte sanitário! Nem tão pouco debate, e ai de quem tente falar sem pensar antes, que os esgrimistas do pensamento disso têm muita prática. En garde!

Esfera privada e esfera pública. Não me parece descabido que a Escola, enquanto arma poderosíssima do Estado para propaganda de dimensão quântica, saiba quando está a ultrapassar os seus limites da esfera privada familiar e do desenvolvimento individual da criança dentro dos seus valores familiares ou da comunidade. E respeitar isso é inclusivo. (Não que inclusividade seja realmente a questão para estes produtos de rankings escolares de marfim, produtores de superioridade moral muito acima dos selvagens que andam cá em baixo a comer animais enquanto eles ficam a debicar brioche ou scones.)

Sempre esperei que o ensino fosse laico. Fosse qual fosse o culto. Porque direito ao culto tem o indivíduo, pelo que, até sua maturidade cognitiva e emancipação, tem direito de influência a sua progenitura. São regras normalmente acordadas, que preservam as culturas de cada um numa sociedade e que, normalmente, pais tiranos querem revogar à força.

woman standing writing on black chalkboard

Mas desengane-se quem pense que o mundo do dinheiro e do poder está alegremente a pavimentar concordância para uma sociedade mais igualitária, para todes e todas e todos e quantas mais vogais, consoantes e símbolos haja.

O mundo do dinheiro e do poder, meus caros, está alegremente a fabricar guerras culturais para vos manter distraídos, para que não vejais o bolor nascer no amarelo do português suave a entranhar-se no estanho da parede. Enquanto vocês berram a quem pertence o arco-íris, eles contam notas na religião deles: o lucro.

No fim? No fim, vão todos presos.

Mariana Santos Martins é arquitecta


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