A divulgação em massa de notícias recicladas, baseadas em agências noticiosas ou em comunicados de imprensa, é uma das chagas do jornalismo e um dos entraves a uma sociedade bem informada.
É como uma erva daninha que cobre todo o terreno dos media em Portugal.
A massificação das notícias é uma realidade. As mesmas notícias aparecem invariavelmente em todos os media. É o famoso corta-e-cola.
Uma notícia que surja na agência Lusa, por exemplo, é de imediato replicada e divulgada por todos os media. Um comunicado de imprensa – seja do Governo ou de uma empresa influente – é disseminado de imediato. Todos os órgãos de comunicação o replicam. Assim. Sem pensar. Sem verificar o rigor da mensagem que divulgam, na maior parte dos casos. Sem verificar dados. Nada. Sem fazer uma pergunta que seja. Sem questionar se está correta a informação, se é sequer… relevante para os leitores.
Aquilo que interessa é aumentar o número de conteúdos disponíveis e atrair o maior número de cliques para o site. Mas o caso alarga-se a televisões, a rádios, a jornais. Como uma praga.
O jornalismo do corta-e-cola – ou churnalism, como ficou conhecido no termo em inglês – é uma realidade e nem sempre os leitores se apercebem do que se passa. De onde surgem notícias, como surgem, como se disseminam tão rapidamente. O problema não é de hoje nem se cinge a Portugal.
O caso da agência Lusa é o mais paradigmático em Portugal: todas as notícias que são publicadas pela agência são automaticamente replicadas em minutos por todos os media. Mas não é caso único. Se um jornal publica uma notícia, os restantes media encarregam-se de a disseminar rapidamente. Porquê? Porque têm de ter as notícias que todos têm. Porquê? Para terem cliques, ou seja, mais audiência.
E nenhum órgão de comunicação social quer ficar de fora de toda a notícia que é massificada. Uma espécie de floresta de eucalipto sem qualquer biodiversidade. A pobreza daí resultante para o jornalismo e para a sociedade é evidente.
Os perigos deste tipo de prática são evidentes, a começar pela possível disseminação rápida e acelerada de eventuais notícias falsas, incorretas, imprecisas ou parciais. Quem esfrega as mãos de contente com esta praga são as agências de comunicação, empresas, o Governo e todos os que querem pôr alguma “mensagem” a circular. Hoje em dia, uma notícia rapidamente se espalha como sendo verdadeira em todos os órgãos de comunicação social. Sem perguntas incómodas nem “comos ou porquês”.
Os media “lavam as suas mãos” de eventuais incorreções ou disseminação de falsas notícias, falsas estimativas, falsas conclusões. Se a notícia é da Lusa, então a culpa é da Lusa. Se foi de um jornal, é desse jornal. Isto, quando se admite sequer publicamente o erro na notícia, na estimativa, no anúncio.
Esta desresponsabilização é grave e errada e incentiva a que qualquer notícia reciclada se instale como verdadeira, mesmo que o não seja. A pressa é uma das desculpas utilizadas pelos media para não verificarem as notícias que reciclam. As magras redações será outro dos argumentos. Mas não chega.
Os órgãos de comunicação social devem ser responsáveis por verificarem todas as notícias que divulgam junto dos seus leitores. Devem fazer perguntas e questionar.
Publicar notícias da Lusa atrás de notícias da Lusa, intervaladas por anúncios de empresas e comunicados do Governo, não é o objetivo no Jornalismo. Não pode ser.
Se todos os media tivessem de identificar a amarelo, por exemplo, todas as notícias que reciclam e todas as de que são meros papagaios, então o público, os seus leitores, teriam uma ideia da dimensão do problema. E da dimensão do perigo.
Imaginem que todos os media tinham de colocar um aviso em todas as notícias em que não verificaram as fontes, o rigor da informação, etc… O panorama seria bem diferente. E os leitores leriam aquelas notícias com outros olhos. Mas os media não o fazem. Não querem fazer. Têm horror a fazer.
Pergunta o leitor: então, mas e os diretores dos jornais, das televisões, das rádios? Onde estão? Não querem eles melhores notícias? Grandes cachas? Claro que querem.
O problema é que há diretores concentrados em ajudar a executar produtos comerciais e não editoriais. Há muitos anos, seria normal uma secretária de um diretor de jornal estar coberta de pilhas e pilhas de papéis, documentos e jornais. Agora, há diretores que nas suas secretárias têm, a par de jornais, um ou mais dossiers e conjuntos de pastinhas coloridas com micas, cada uma contendo um “contrato de parceria” a executar pelo jornal.
Antes, o diretor estava focado em ter o jornal com as melhores cachas e entrevistas. Agora, há diretores trans: têm carteira profissional, mas são também marketeers. Trabalham para os “clientes” do Grupo de media onde trabalham.
O objetivo confunde-se e já não é sempre o de fazer notícias, mas vender “oportunidades” aos clientes para divulgarem as suas mensagens, serviços e produtos aos leitores.
Assim, se a este “jornalismo” de clientela juntarmos o igualmente instalado churnalism, conseguimos perceber como os media chegaram ao ponto em que se encontram, com notícias invariavelmente iguais, sejam elas verdadeiras ou não, rigorosas ou não, imparciais ou parciais. Desde que não incomodem “clientes”.
Melhorar a literacia dos cidadãos em matéria do que são as boas e as más práticas em Jornalismo é crucial. Educar sobre Jornalismo (e o que não é Jornalismo) torna-se imperativo num mundo mediático cada vez mais ocupado por notícias recicladas – “eucaliptos” – e “notícias” com interesses comerciais envolvidos.
A solução passa também pelos próprios jornalistas e a oposição que devem demonstrar a esta prática persistente. Mais notícias próprias – em vez de recicladas – valorizam o trabalho dos jornalistas, bem como a sua imagem perante o público. Uma classe valorizada mais rapidamente vai exigir melhores condições de trabalho para um exercício da profissão com mais dignidade. Com mais dignidade e qualidade.