É sempre um espectáculo de variedades incrível observar uma senhora encavalitada em saltos altos e passinhos pequeninos, estilo Betty Boop, embrulhadinha em cor-de-rosa, com uma máscara branca bem demarcada no rosto como um super-herói da Marvel (ainda com isto das máscaras?!), a cantar de galo com uma super-potência que possui muito da dívida soberana do seu país… Os cowboys do deep state mandaram postal aéreo: “Dear Xi, fill in the blanks!“
Para a mente do comum mortal, como eu (e alguns outros), de novo vem a pergunta: “Porquê?”
Claramente, os representantes oficiais (não mais lhes chamarei líderes), tal qual deuses, não estarão loucos, mas talvez aborrecidos. Querem entreter os dias e não vão deixar os sérvios darem pontapé de saída neste jogo insano? (Afinal até vão, talvez, tanto dá, há várias casas no tabuleiro de xadrez.)
Para o corpo do comum mortal, como eu (e alguns outros), de novo vem a noção que só sobrará, com sorte, o pão que o diabo amassou. E é pão negro.
Há quem diga que este chegou a ser o único pão em Portugal na região alentejana e algarvia, porque era necessário usar mais alfarroba para compensar a falta de cereais. Daí a cor negra, daí o diabo como padeiro do nosso dia-a-dia. Muito diferente de embrulhos cor-de-rosa ou cores vermelhas a esvoaçar no Império de Leste, isso é certo, seja a origem da expressão esta ou outra, sobra pouco de migalhas para sacudir aos passarinhos.
Espantei-me estes dias, pois de novo, para várias mentes e corpos, há legitimidade em desafios bélicos, de qualquer escala, ainda mais desta. Eu sei que o convencionado para a natureza humana é que nos definimos por oposição. Se somos isto, não somos aquilo, fechem a jaula e ponham o cão e o gato lá dentro, criança ou adulto, menino ou menina (pim!), não existe cinzento!
A banalidade do mal não pode ser verdade, porque o que diz isso de mim e de ti? (E do cão e do gato?) Magia negra certamente estará na origem destas reacções colectivas tão bem orquestradas. E diziam os optimistas que a Internet ia acabar com o conceito de massas – claramente que nunca aprenderam nada sobre pão.
O facto é que a massificação da comunicação e partilha online tornou-se uma ferramenta, sim, extraordinária; e uma ferramenta também é uma arma. Uma arma poderosíssima de propaganda e colonização como nunca a rádio, a televisão ou o cinema conseguiram criar.
Mas, se considerarmos como todas essas ferramentas invadiram o nosso quotidiano – e , no caso português, até fizemos sempre questão de subalternar a nossa língua nessa comunicação, com as famosas legendas (e para mim é doloroso ver actores dobrados) –, somos, com efeito, uma mera colónia estadunidense e, como tal, estamos propensos ao belo do consentimento manufacturado do regime de Washington.
São décadas a ver gente gira na tê-vê, sempre sentados na sala de estar, a debaterem se naquela noite vão comer italiano, mexicano ou chinês. São décadas a ver americanos a comer nações enquanto passam clips de gargalhadas de pessoas mortas na sala de estar. (E eles adoram chinês!)
Já nós, colónia pobre, podemos sempre ir aos cricos, prendas que a ria de Aveiro dá (não cabem na cova de um dente, “não teremos nada, mas seremos felizes“). Podemos sempre acreditar que, pelo menos, não ouviremos sirenes de bombardeamento aéreo em terras lusas, e que temos maneira de usar o famoso “desenrasque” português para rapar o tacho.
Porém, verdade, verdade é que, enquanto embrulhos cor-de-rosa deixam bombas malcheirosas no quintal vermelho dos outros, pouco importa se o nosso Pai Tirano chega a evitar que a luz suba, e nem para candeias de azeite vamos ter solução no abrigo nocturno.
A linguagem informa o nosso pensamento, informa estruturas cerebrais e a nossa percepção do Mundo. Isso informa tudo o que produzimos para esse Mundo, desde a resposta dada ao plano maquinado. Um português sabe bem, pela História, pela Diáspora e pela postura – pois “nenhum povo despersonaliza tão magnificamente” – que a arte da diplomacia passa por essa empatia essencial de que simplesmente não pensamos da mesma forma.
Assim sendo, há várias maneiras de agir e de reagir, mas se não ouvimos ou não queremos conhecer a outra pessoa, certamente que, mesmo inadvertidamente – e que não é o caso de falta de aviso –, vamos desrespeitar.
Por exemplo, no espaço, para um alemão num escritório, a convenção é que gabinetes privados garantem concentração nas tarefas. Para um americano, portas e paredes, nesse escritório, é um horror onde se escondem conspirações. Não é tarefa fácil projectar algo para manter a harmonia na Torre de Babel, porque as culturas e suas linguagens simplesmente dominam tão profundamente o corpo e a mente que o bem ou mal-estar é espoletado pelas coisas mais inusitadas.
O comum mortal como eu (e alguns outros), por oposição a profissionais do duelo (que fazem yeehaa! desde o início do ano), sabem algumas coisinhas cruas e não urdidas para nos apanhar na teia de aranha: para um país existir é convencionado diplomaticamente ser necessário uma declaração de independência reconhecida e não tomada em violação dos princípios básicos das Nações Unidas, reconhecimento do Estado por uma maioria dos países (Taiwan, Palestina ou Kosovo não são muito consensuais neste ponto…), e por fim juntar-se às Nações Unidas (acho sempre este ponto cómico ou como diria Marx, o Groucho, eu não queria pertencer a clubes que me aceitassem como membro).
Taiwan é, para todos os efeitos, namoradinha da República Popular da China com um estatuto de separação amigável, mas votada a celibato. Assim, a grosso modo.
Ou seja, por miúdos: se o prato servido à mesa é língua de vaca, o Cowboy não pode dizer que não foi por falta de aviso da China.
Mariana Santos Martins é arquitecta
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