Editorial

Três requerimentos, quatro polícias e mais três senhores e uma senhora mal-habituados ao ‘jornalismo fofo’

Editorial

por Pedro Almeida Vieira // Agosto 10, 2022


Categoria: Opinião

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Regresso à Entidade Reguladora para a Comunicação Social, porque o caso merece.

Atente-se ao comunicado inédito e virulento do Conselho Regulador. Ficará na História como prova indelével do estado de podridão da democracia portuguesa no ano da (des)graça de 2022. Reza assim:

Hoje, dia 9 de agosto de 2022, um cidadão de nome Pedro de Almeida Vieira dirigiu-se à ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social sobre [sic] pretexto de consultar processos em que o seu nome está envolvido.

man sitting on chair holding newspaper on fire

Não é a primeira vez que o faz, não aceitando as regras estabelecidas para o funcionamento da ERC e, insatisfeito, com deliberações em que a ERC não lhe dá razão, tem vindo a insultar os membros do Conselho Regulador e a exercer coação sobre os funcionários que o atendem, insistindo, inclusive, em gravar uma audiência de conciliação apesar de advertido de que não o poderia fazer, e fotografar peças processuais.

Culminou, após ameaça, por pedir a comparência de Autoridade Policial para concretizar tal coação.

Intitulando-se jornalista, o referido cidadão tenta legitimar comportamentos nos quais, consideramos, que a classe jornalística não se revê.

A ERC não pode deixar de condenar e repudiar esta atitude invulgar e abusiva do referido cidadão e irá acionar os mecanismos legais e judiciais para a defesa do bom nome da Instituição e dos direitos dos cidadãos e da Liberdade de Imprensa.

“Acto de coacção” número 1, “intentado” ontem nas instalações da Entidade Reguladora para a Comunicação Social durante o processo de consulta, e com entrada convenientemente anotada

Quem lê isto – eu próprio – imaginará, por certo, que eu, talvez munido de um taco de beisebol, irrompi por ali adentro, na sede da ERC, vociferando impropérios, ameacei meio-mundo, uma Sicília em plena Avenida 24 de Julho, gritos por todo o lado, e tudo isto sob [assim, sim] pretexto de consultar processos, ali se fez um banzé e mais trinta por uma linha, ao ponto de enfim, até ficar envolvida a Autoridade Policial para se concretizar a minha coação.

A silly season misturada com um filme de terceira classe.

Se não fosse grave até julgaria muito curioso o estratagema da ERC de tentar transmitir a ideia de que eu sou um “vândalo” que “não aceita as regras estabelecidas para o funcionamento da ERC”.

Porém, para azar, e sobretudo para compor um processo judicial por difamação, contabilizo, na minha caixa de correio profissional do PÁGINA UM, 39 e-mails enviados à ERC desde Janeiro deste ano, entre requerimentos, questões e pedidos de esclarecimento.

Sempre cordatos, sem uma palavra imprópria. A ERC pode mostrá-los, são documentos administrativos, públicos. Na generalidade, sempre direccionados ao “Exmo. Senhor Presidente da ERC”.

Em grande parte dos quais, recorrendo, e explicitando, normas legais da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos, da Lei da Imprensa, dos Estatutos da própria ERC e do Código do Procedimento Administrativo. Noutros, colocando perguntas concretas.

Não se pense que os meus contactos com a ERC sejam apenas de assuntos relativos ao PÁGINA UM. Muito longe disso – e, aliás, por não serem quase nunca sobre o PÁGINA UM, e sim sobre a acção da ERC, eu compreendo a irritação e o nervosismo dos senhores do Conselho Regulador.

Desde que o jornal nasceu, publicámos já mais de uma dezena de artigos abordando a acção – ou inacção – desta entidade reguladora em assuntos sobre a comunicação social em que o PÁGINA UM (como “actor”) em nada estava relacionado, como se pode ver aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.

Ou seja, são 21 artigos noticiosos puros e duros, alguns de investigação – mas, repito, o interesse do PÁGINA UM foi estritamente editorial pela relevância dos assuntos na esfera jornalística. O PÁGINA UM não era “parte achada” nem directa nem indirectamente.

Acto de coacção número 2, “intentado” ontem nas instalações da Entidade Reguladora para a Comunicação Social durante o processo de consulta, e com entrada convenientemente anotada.

Diferentes são, de factos, os casos em que o PÁGINA UM – e eu, em particular, como seu director – recorri à ERC por esta ser a entidade reguladora, devido à denegação do direito de resposta da CNN Portugal, Observador, Público, Expresso e Lusa por causa de uma campanha vergonhosa iniciada por uma abjecta notícia em 23 de Dezembro do ano passado.

Mas até aqui o comunicado de ontem da ERC foge à verdade. De entre as cinco deliberações da ERC sobre esta matéria, três acabaram por ser globalmente favoráveis ao PÁGINA UM (uma das quais depois de reclamação formal em que a ERC reverteu a sua decisão inicial), e apenas as do Expresso e da Lusa não o foram, mesmo com o voto do próprio presidente da ERC a favor da pretensão do PÁGINA UM.

Portanto, em abono da verdade, de entre estas cinco deliberações, o presidente da ERC, o juiz conselheiro Sebastião Póvoas, até esteve sempre “ao lado” do PÁGINA UM. Portanto, pessoalmente, nestes casos em concreto, eu e o senhor juiz conselheiro estamos de acordo.

Bem diferente, porém, é o caso da deliberação da ERC sobre uma queixa da Sociedade Portuguesa de Pneumologia contra a investigação jornalística isenta e rigorosa do PÁGINA UM.

Não apenas por ser uma deliberação indigna e atentatória da Liberdade de Imprensa – em consequência dos artigos noticiosos do PÁGINA UM o presidente da SPP foi afastado de consultor do Infarmed e está a braços com um processo de contra-ordenação da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde –, mas também por a ERC ter cometido nulidades insanáveis (não concedeu a pedida audiência prévia para apresentação de documentos e testemunhas).

A ERC – e sobretudo o seu presidente, que é um juiz conselheiro – sabem que fizeram “porcaria” jurídica, sabem que se portaram de forma enviesada em todo o processo. Foram “apanhados” no meio de uma farsa, e perante a irredutível postura do PÁGINA UM de levar isto até às últimas consequências – e de defender que não têm condições para se manterem no cargo – estão a fabricar incidentes. E a tentar manipular a opinião pública.

Por isso, a alegada ilicitude da gravação de “audiência de conciliação” – expressamente mencionada no comunicado da ERC – é uma parvoíce. Durante essa audiência foi suscitado esse “incidente”, houve uma comunicação interna sobre essa matéria, mas um despacho da própria ERC, “não se vislumbrando ilicitude tratando-se de declarações ditadas pelo arguido”, arquivou o assunto. Emitir esse suposto incidente para me “conspurcar” é grave.

Quanto a “fotografar peças processuais” ser ilícito, só poderia ser piada, se não tivesse como objectivo colar-me uma atitude censurável. Fotografar papéis numa consulta autorizada é o acto mais banal de registo para um jornalista desde que os telemóveis têm boas câmaras fotográficas, tornando a recolha de notas mais rápida e prática.

“Acto de coacção” número 3, “intentado” ontem nas instalações da Entidade Reguladora para a Comunicação Social durante o processo de consulta, e com entrada convenientemente anotada.

Ademais, estava em causa documentos administrativos em processos já decididos, e que até me diziam respeito. Além disso, essas fotografias constituem, além de auxiliar de trabalho, uma prova da consulta e da existência desses documentos, independentemente de se requererem cópias (que têm um custo).

Por outro lado, sobre a chamada da “Autoridade Policial para concretizar tal coação”, sejamos claros: a PSP apenas foi chamada porque as técnicas da ERC ameaçaram chamar um “segurança” quando protestei sobre o impedimento de fotografar os documentos, e se recusaram a indicar a base legal desse impedimento. Considerando que estaria em causa um acto ilícito, somente com a presença de uma “Autoridade Policial” se poderia registar a veracidade da ocorrência.

Por fim, e na verdade, os meus actos de “coação” acabaram, ao fim e ao cabo, por ser a entrega de mais dois requerimentos e um pedido de fotocópias relativos a três processos consultados. Outros ficaram por consultar porque, entretanto, chegaram quatro polícias da Esquadra da Estrela para registar uma ocorrência, e meteu-se a hora do almoço, e disseram-me que não havia possibilidade de retomar a consulta pela tarde.

Uma chatice, porque vou ter de ir lá outro dia. Com advogado, presumo. Para já, seguiu hoje novo requerimento. Até porque, se o Conselho Regulador da ERC pensava que uma deliberação iníqua e cheia de nulidades e um comunicado difamante (e até para toda a classe jornalística) seriam suficientes para “vergar” o PÁGINA UM, e “amansar-me”, enganaram-se. Comportar-me-ei sempre, como jornalista, dentro da lei mas sem limites que não sejam os princípios deontológicos e a isenção e rigor.

Portanto, quando o exercício de um direito legal de consulta a processos e documentos administrativos se “transforma”, perante uma entidade pública, e ainda por cima a entidade que regula a Comunicação Social, num acto de coacção, ficamos com a verdadeira noção de que a Democracia está podre. Ou então que há pessoas que não sabem estar em democracia.

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