VISTO DE FORA

Somos o Rohit da União Europeia

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por Tiago Franco // Agosto 13, 2022


Categoria: Opinião

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Sempre que aparecem estatísticas com as desigualdades salariais europeias – da União entenda-se, que isto de acharmos que a Europa começa e acaba em Bruxelas dava um romance –, lembro-me do Rohit.

Rohit era bom rapaz, um tipo simpático e competente, emigrante indiano, meu colega na Suécia que, durante anos, se sentia indignado com a diferença salarial face aos seus pares.

Expliquei-lhe, vezes sem conta, como funciona o mercado empresarial, do Primeiro ao Terceiro Mundo, sempre dependente de mão-de-obra barata.

man in green crew neck t-shirt sitting on black office rolling chair

Por que razão “importariam” trabalhadores da Índia para lhes pagarem o mesmo que a um trabalhador sueco? Pela mesma razão que na Índia importam mão de obra do Bangladesh.

O capital não tem fronteiras nem preconceitos. Desde que exista alguém ainda mais miserável, seja onde for, a receita funciona. A cada revisão salarial, sempre que a multinacional sueca onde trabalhávamos lhe perguntava: “o que podemos fazer para te fazer feliz?”, ele respondia “salário”. A mim dizia, “Tiago, eu não nasci rico, tudo o que tenho para vender é a minha força de trabalho e não gosto de fazer caridade”.

Nunca aconteceu. O Rohit nunca recebeu algo parecido com o salário dos colegas que trabalhavam menos. E que sabiam menos, detalhe importante. Mais do que aqueles que nasceram no sítio certo, com uma tez mais clara. Foi-se embora dois meses depois de mim.

Na União Europeia, nós somos todos Rohits. Nós, portugueses, claro.

Entrámos na União Europeia com um salário muito mais baixo – dois terços da média, se não me engano. E hoje, 35 anos depois, a média portuguesa é de metade da média europeia. Não há quem pense nestes números numa União que nos devia equilibrar por um patamar superior?

Bem sei que os sucessivos governos cometeram erro atrás de erro nas apostas de investimento e desenvolvimento, mas há algo a que dificilmente fugiríamos: numa União Económica, alguém tem que fornecer a mão de obra barata. Para uns terem excedente financeiro, alguém tem que ficar no vermelho. Ou, como diz um amigo meu, economista liberal, o dinheiro é finito: se entra num lado, é porque saiu de outro. Eis a teoria da manta que passeia entre os pés e a cabeça.

Ora, o nosso papel nesta União Europeia começou por ser o de fornecer fábricas baratas para produção de tudo um pouco. Três décadas depois, e com a população mais formada, passámos a ser poiso de financeiras, multinacionais de engenharia e todo um tecido empresarial que procura cursos universitários a troco de 1.000 euros mensais.

Um negócio da China se me perguntarem.

Ao mesmo tempo, as confederações de empresários vão defendendo que, em Portugal, mais salário apenas se vier com mais produtividade. Isto num povo que já é dos que mais horas trabalha na Europa e que vai acreditando que os baixos salários são uma inevitabilidade e, até, culpa de quem trabalha 40 horas por semana.

Já ninguém acha estranho que a classe dirigente, gestores e administradores, independentemente da sua produtividade, tenham salários europeus de Primeiro Mundo. Aliás, quem não se lembra dos gestores do “BES bom” (Novo Banco) que, quando intervencionados com dinheiros públicos, se arrogavam no direito de distribuir prémios milionários?

blue and white flags on pole

A União Europeia serviu para nos trazer estradas e impostos de Primeiro Mundo, corrupção e salários de Terceiro. Ao mesmo tempo, cria uma clientela que já não vive sem subsídios europeus.

O nosso problema nunca foi a falta de conhecimento, como se percebe pela quantidade de cérebros que oferecemos à emigração. E muito menos a falta de trabalho, como dirá qualquer empregador de um português para lá de Badajoz.

O problema foi, é e será – ontem, hoje e sempre – o silêncio com que combatemos a injustiça e a facilidade com que nos acomodamos a viver com migalhas. Herança da ditadura, dizem uns. Falta de mundo, acho eu.

Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


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