Em tempos, os jornalistas eram temidos pela sua tenacidade em investigar e expor os corruptos. Hoje, são os jornalistas, em geral, que têm medo. Estão reféns do medo e manietados por um corporativismo tóxico e por uma cultura bafienta do “só se critica em privado”. E assim não se investiga nada, e evita-se também resolver os problemas, limpar o sector dos media dos interesses e personagens que o tolhem.
O medo é um dos fatores que hoje em dia mais reduz jornalistas a meros agentes de comunicação ao serviço de governantes e empresa. Há vários medos.
Houve e há jornalistas com medo (pânico mesmo) de apanhar covid-19. Então, por causa disso, esquecem o que é ser jornalista. Noticiavam e noticiam apenas e somente o que diz a Direcção-Geral da Saúde (DGS), a Organização Mundial de Saúde (OMS), Graça de Freitas, Marta Temido e os “especialistas autorizados” (na maioria, consultores a lucrar com serviços a farmacêuticas e entidades públicas do sector da saúde).
Reduzem a sua atividade a espalharem a linha de comunicação das farmacêuticas, ávidas de vender produtos aos Estados e à população, e de quem tem ligações a esta indústria. Recusam investigar. Recusam fazer perguntas inteligentes e de interesse para a população.
Uma colega jornalista em pânico de apanhar covid-19 chegou mesmo a dizer-me que “nós precisamos praticar um Jornalismo responsável”, que, na visão dela, corresponde a espalhar propaganda de entidades públicas e farmacêuticas. A espalhar também desinformação que tem sido veiculada sob o disfarce de “política de saúde”, “combate à pandemia” e medidas que visam “o bem comum”.
Jornalistas dominados pelas emoções, pelo medo, deveriam ter suspendido a carteira profissional enquanto não voltassem a ser jornalistas de verdade, com domínio das emoções e usando a lógica, o raciocínio como ferramentas. Sem usar a lógica, o raciocínio, aquilo que resulta é um Jornalismo zombie que se alimenta de sucessivos atropelos ao Código Deontológico e ao Estatuto do Jornalista.
Destes jornalistas dominados pelo pânico, houve mesmo alguns que, sempre que podiam, espalharam o ódio e defenderam a perseguição criminosa de todos os portugueses e famílias que compreenderam melhor do que eles a real situação em que temos vivido. Uma realidade dominada por medidas sem qualquer fundamentação científica, medidas absurdas, irracionais, ilegais, inconstitucionais. E medidas que provocaram o caos no Serviço Nacional de Saúde (SNS) e levaram à deterioração da saúde, não só dos mais vulneráveis, como também das crianças e jovens.
Os resultados estão à vista no número elevadíssimo de casos positivos em Portugal (apesar da campanha agressiva de vacinação) e nas mortes em excesso por todas as causas, sem explicação até hoje e sem uma investigação independente no horizonte.
A cultura de censura e pensamento único que se instalou nas redações contribuiu para deixar o Jornalismo moribundo, em coma, durante dois anos. Naturalmente, houve jornalistas que ficaram em silêncio e pactuaram com a legião de fanáticos e zombies da propaganda sobre covid/vacinação, com medo de serem chamados de negacionistas e serem alvo de segregação. Ficaram calados, mesmo quando os meios onde trabalham publicaram disparates, notícias falsas e de incentivo ao ódio.
Estes jornalistas ficaram com medo de perderem o emprego, se falassem, se fizessem Jornalismo. Ficaram com medo de serem mal vistos, de ficarem à parte. De não serem promovidos. De deixarem de ser convidados para almoços, jantares. Para ir tomar café. Para ir fumar o cigarro.
Estes jornalistas ficaram com medo de não terem como pagar a renovação da cozinha. De pagar as prestações da casa. De não conseguir cumprir com a pensão de alimentos. De não conseguirem manter os filhos em colégios/universidades caros. De não conseguirem construir a piscina na casa de campo. De perderem “o respeito” nas redações e os amigos jornalistas que viraram zombies na pandemia.
Ter medo é normal. Mas, ser jornalista é conseguir viver e trabalhar tendo medo de todas essas coisas. Ter medo de apanhar covid-19. Ter medo de ser posto de lado. Ter medo de ser enxovalhado por colegas ignorantes, incompetentes e que viraram fanáticos da propaganda de “especialistas” (e de “estudos” pagos por empresas que lucraram como nunca desde 2020) e também da propaganda de governantes – que viram na pandemia uma oportunidade para fazerem novas leis e reforçarem o seu poder de forma inadmissível em democracia (como tentar eliminar o direito à liberdade de expressão e de manifestação).
Ser jornalista é poder ter medo – e, ainda assim, fazer perguntas. É investigar, mesmo quando estamos perante uma epidemia. Quem diz uma epidemia, diz uma guerra. Uma crise financeira. Uma crise energética. Uma crise climática.
Portugal tem excelentes jornalistas, como tem outros menos bons. Mas tem hoje, sobretudo, jornalistas desmoralizados. Tem jornalistas com medo. Medo de falar nas redações. Medo de falar em público. Medo de questionar, de criticar, de “levantar ondas”.
Nos últimos dois anos, procurei expor a desinformação e as campanhas anti-jornalismo e anti-democracia que vários media passaram para o público em geral. “És a ovelha negra do Jornalismo em Portugal”, disse-me um dia um profissional de comunicação. Pois, talvez. Certo é que recebi também mensagens de incentivo de colegas jornalistas e ex-jornalistas. Recebi telefonemas de alguns que estavam (e estão) simplesmente em choque com tudo o que se passou desde 2020. O clima de medo que se instalou. O clima de censura que se instalou.
O problema do Jornalismo não é a sua morte. É o seu suicídio. Está a ser morto por dentro. Pelo corporativismo. Pelos jornalistas fanáticos e zombies. Pela cultura portuguesa do “fala, mas só entre amigos”. Pelo facto de o sector viver numa bolha e de braços dados com políticos e empresas. Pelo baixo nível de literacia sobre Saúde, Ciência e análise de dados – que ficou evidente desde 2020 nas notícias pavorosas e falsas que foram divulgadas.
Também pelas chamadas “parcerias comerciais” entre empresas, Governo e grupos de media. Há uns anos, ouvi numa redacção um colega a queixar-se do facto de os conteúdos “patrocinados” estarem a roubar cada vez mais espaço aos trabalhos dos jornalistas. Prontamente, o diretor respondeu: “Podem não gostar desses conteúdos, mas são eles que pagam os salários”.
Pois, mas estão também a contribuir para matar o Jornalismo.
Não seria preferível deixar as empresas de media fecharem do que matar o Jornalismo e ter jornalistas a viver desanimados dia após dia? Além disso, convém dizer que este discurso de “poupança” não engloba as avenças chorudas pagas a amigos comentadores e os salários e condições principescas de alguns dirigentes.
Assisti a jornalistas a ganhar perto do salário mínimo, a recibos verdes, a dividirem minúsculos apartamentos com os amigos. Enquanto isso, eram contratados novos quadros e comentadores, pagos a peso de ouro, e que, no final, nada acrescentaram, nem trouxeram mais leitores nem mais qualidade ao meio.
E, sim, mesmo no sector dos media há “tachos” para amigos do partido A ou B. Do amigo C ou D.
É assim.
Os jornalistas perderam o seu poder.
Em parte, porque se renderam aos medos.
Em parte, porque esqueceram o que é ser jornalista.
Em parte, porque se calam perante as desigualdades salariais e os gastos excessivos com alguns quadros e comentadores.
Em parte, porque alguns se venderam ao poder e ao dinheiro.
E, em parte, porque alguns se tornaram fanáticos defensores de uma religião anti-ciência que nasceu em 2020, que se baseia em premissas falsas, sem qualquer fundamentação na ciência verdadeira – a que não obedece a interesses políticos ou de empresas.
E devido a tudo isto junto, no global, na soma, está-se a matar o Jornalismo.
Junta-se a este cenário, o silêncio e inacção da Comissão Profissional da Carteira de Jornalista (CCPJ), sobretudo perante a atitude indigna daqueles que promoveram e incentivaram o ódio e fizeram manchetes /aberturas falsas de telejornais e jornais.
Nem mesmo quando a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) enviou à CCPJ casos de jornalistas da CNN que divulgaram uma notícia falsa e difamatória para eventual abertura de um processo pela Comissão, a CCPJ quis logo actuar. Ficou, de forma cobarde, em silêncio e recusou, por agora, abrir processos.
Esta atitude integra-se no corporativismo tóxico e nefasto existente no sector. Entidades como a CCPJ integram a “bolha” em que muitos jornalistas vivem – alheios ao dever de informar, noticiar a verdade, de forma objetiva e rigorosa. A CCPJ partilha da cultura dos “bons costumes”, da cultura que confunde crítica fundamentada com o acto de “falar mal” de alguém ou de uma entidade. A cultura do “todos precisam proteger-se uns aos outros”, mesmo que isso esteja a matar o Jornalismo. Porque tudo isto é veneno para o Jornalismo e os jornalistas.
Sobra o Sindicato de Jornalistas, que tem procurado actuar para a melhoria das condições no sector e para recomendar boas práticas. Mas tem muito a fazer, nomeadamente no escândalo que envolve as chamadas “parcerias comerciais” – em que jornalistas lucram para participar em eventos de natureza comercial.
Também poderia ter-se manifestado de forma mais assertiva perante as notícias falsas e incentivo ao ódio que foi promovido por diversos jornalistas e vários órgãos de comunicação social desde 2020, nomeadamente através do tempo antena que deram a personalidades apresentadas como médicos ou especialistas, mas que na prática escondiam interesses pessoais e profissionais.
O seu silêncio quanto à praga das notícias recicladas – sobretudo com origem na agência Lusa – é preocupante. Quando o jornalismo está a afundar, a CCPJ pode até dormir, mas o Sindicato, estando mais desperto, não pode deixar de defender o bom jornalismo. Mesmo que doa a muita gente no sector.
Sobre a ERC, o seu actual Conselho Regulador tomou posições favoráveis ao bom jornalismo. Mas falhou rotundamente – e soube que falhou – quando tomou, recentemente, uma decisão baseada em premissas falsas, numa denúncia que visou apenas condicionar as investigações de um jornalista. A ERC tomou a decisão a favor da vingança do denunciante sem ouvir de forma justa e isenta o jornalista cujas notícias levaram à abertura de um processo de contra-ordenação contra o visado pelas notícias, e que foi afastado da função de consultor pelo Infarmed.
Contribui ainda para o estado vegetativo em que se encontra o jornalismo, os sucessivos “congressos de jornalistas”, que debatem os desafios do sector. Porém, com poucas ou nenhumas consequências práticas para uma maior justiça salarial, igualdade do género, boas práticas e o fim das contratações de amigos comentadores com remunerações chorudas completamente desadequadas para um sector “em crise” eterna.
Se há uma crise no Jornalismo em Portugal, como a que atravessamos hoje, deve-se falar dela, sim. E em público. Para que se possam resolver os problemas e permitir que os jornalistas ganhem autoestima e tenham consciência do seu verdadeiro poder para noticiar a verdade e investigar os que lucram à custa do bem-estar da população. À custa de enganar a população.
Os jornalistas devem manifestar-se nas redações, e publicamente, e baterem-se por melhores condições de trabalho e maior investimento em jornalismo verdadeiro, que investiga.
Voltar a ganhar paixão pela profissão.
Os jornalistas não precisam ser temidos por fazerem o seu trabalho. Mas precisam voltar a ser respeitados. Para isso, terão de ajudar os media a limparem-se e a livrarem-se dos hábitos e das más práticas que se infiltraram de forma nefasta no sector – no sector onde quem manda hoje são interesses políticos e os “clientes” das “parcerias comerciais”. E os medos.