Recensão: Fainas Épicas do Mar Português

O mar que tanto tem para contar

por Paulo Moreiras // Agosto 23, 2022


Categoria: Cultura

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Título

Fainas épicas do mar português

Autor

Álvaro Garrido

Editora (Edição)

Clube do Colecionador dos CTT (Junho, 2022)

Cotação

16/20

Recensão

Depois de vários títulos dedicados às pescas em Portugal, Álvaro Garrido (n. 1968), professor catedrático e director da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, regressa agora com uma visão sobre as três fainas épicas portuguesas: a pesca do bacalhau, do atum e da baleia.

Para o autor, o presente “livro justifica-se pelo seu argumento original, pela relevância cultural e científica do tema e pelo fascínio histórico das três grandes fainas” que seleccionou, uma vez que as três “têm em comum a dureza do trabalho e a memória mítica que delas ficou”.

Através desta abordagem, “na inclusão de memórias do trabalho humano associado às grandes fainas do mar e na sua ligação com os seus territórios matriciais: Açores (pesca/caça da baleia); portos da costa ocidental portuguesa (pesca do bacalhau); praias do Sotavento algarvio (atum)”, Álvaro Garrido apresenta estes patrimónios cuja presença ainda permanece bastante arreigada no imaginário nacional, “precisamente porque as três fainas épicas do mar português se tornaram lendárias à escala internacional durante o período final do seu próprio apogeu”.

Apesar de Portugal ser um país virado para o mar, “a memória social de todo esse universo humano é frágil, e pouco trabalhada, apesar da retórica tecnocrata de ‘regresso de Portugal ao mar’ e de redescoberta da vocação oceânica do país.” De acordo com o autor, “não são muitos os museus marítimos em Portugal e costumam ser escassas, quando não ausentes, as referências à cultura do mar e aos imaginários marítimos nos programas culturais e educativos que partem de iniciativas do Estado e das grandes instituições públicas e privadas.”

Este livro vem colmatar essas lacunas e propor um novo olhar, não só científico como humano, sobre “as fainas épicas nos seus aspetos singulares: origens; organização económica e social; relações de trabalho; representações ou imagens culturais.”

Embora a linguagem adoptada pelo autor seja, em alguns momentos, bastante académica, em outros apresenta descrições apelativas e literariamente curiosas. A recolha de alguns excertos de autores reconhecidos é bastante pertinente, e permite verificar como estas fainas foram marcando presença na literatura portuguesa ao longo do tempo.

O livro está recheado de pequenas e grandes histórias, oferecendo um verdadeiro pitéu para todos aqueles que apreciam aquelas curiosidades que a História tende a esquecer. Uma delícia para quem gosta de descobrir e aprender.

O capítulo dedicado à pesca do bacalhau é, sem dúvida, o mais recheado, também fruto da sua importância na história e cultura portuguesa, de onde podemos destacar, por exemplo, a história sobre os navios portugueses que, por volta de 1585, foram atacados “por uma esquadra inglesa comandada pelo lendário corsário Francis Drake”. A pesca do bacalhau, como escreveu o etnógrafo poveiro Santos Graça, “era ‘áspera, dura, tremenda, quase heroica’, uma verdadeira ‘epopeia dos humildes’.”

Sobre a pesca ou caça à baleia, Álvaro Garrido aponta que a “prática da baleação a partir de pequenos portos e varadouros açorianos não partiu do impulso das comunidades locais. Nasceu sobretudo da escala de baleeiras americanas no porto da Horta”. Com o tempo, a fama dos caçadores de baleias açorianos tornou-se lendária, motivando Herman Melville a escrever algumas linhas sobre eles no romance Moby Dick (1851).

Quem dedicou especial atenção ao atum foi o rei D. Carlos, “o Rei-pintor, grande amante dos mares e estudioso dos fenómenos bio-oceanográficos das pescarias portuguesas”, tendo sido dos primeiros a estudar o comportamento dos atuns na costa algarvia, publicando em 1899 um relatório intitulado A Pesca do Atum no Algarve em 1898.

Embora a pesca do atum na costa do Algarve fosse uma actividade muito antiga, a mesma também se realizou em outras “zonas da costa portuguesa, em especial junto a Sesimbra e a Cascais», com recurso a armações fixas, as antigas almadravas, «mas foi na costa algarvia que ela ganhou maior expressão.”

Nas palavras do autor, “este livro pode interessar a um público muito diverso: comunidades marítimas, colecionadores, cientistas do mar, professores, agentes de turismo e cultura. Creio que interessa aos Portugueses, em geral.” Um livro que pode e deve “inspirar outras formas de imaginar o património marítimo português”, pois, como finaliza Álvaro Garrido, “importa descobrir e valorizar, num registo multicultural, a cultura marítima portuguesa — os grandes empreendimentos humanos das pescas e da navegação comercial, as pescas longínquas e costeiras, a vida marítima nas comunidades litorâneas.”

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