Vértebras

Faltam obstetras no Verão? Ora, proíba-se o “truca-truca” entre Outubro e Janeiro

Vértebras

por Pedro Almeida Vieira // Agosto 24, 2022


Categoria: Opinião

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Durante a pandemia, os apelos directos para desopilar dos hospitais, de sorte a salvar os doentes-covid, tiveram consequências ainda hoje não mensuradas. Só em 2020, foram suprimidas 700 mil cirurgias programadas e 50 mil urgentes, de acordo com o Conselho Nacional da Saúde, que só acordou para o assunto este ano.

Embora não tenha havido uma proibição expressa, a censura social e o medo levaram também muitas pessoas a fugirem dos únicos locais que lhes poderiam salvar a vida em casos mais extremos.

people in white shirt holding clear drinking glasses

Mas houve muitas proibições desde 2020. Lockdowns, restrições às actividades económicas sociais, permissões após com base num documento administrativo, tudo imposto à generalidade da população sem critério científico. Tudo se endossou, em termos de responsabilidades e “culpas”, aos cidadãos, obrigando-os a pagar a fava: era o povo que deveria salvar o SNS da pandemia; não o SNS a salvar o povo dos efeitos da pandemia.

Esta postura, entre o paternalista – em que disciplina o menino mal-comportado – e o indolente – o Estado esquece-se de que serve a sociedade, e não é a sociedade a servir os políticos –, foi ganhando escola. Está tão enraizada, que já se encontra quase universalmente aceite. Numa democracia, veja-se.

Agora, proíbe-se genérica e cegamente, sem sequer ser necessário uma justificação técnica e política. Basta comunicar, decretar, uma Resolução de Conselho de Ministros serve perfeitamente, que a acrítica imprensa mainstream facilita a tarefa.

Neste momento, uma proibição – que passe pela retirada de direitos adquiridos – constitui uma eficaz “arma política” de desresponsabilização.

Por um lado, o Governo assume que só proíbe porque está em causa o bem comum – logo, ele é o lado bom.

stack of jigsaw puzzle pieces

Por outro, coloca o “problema” num patamar de nível gigantesco, sobre-humano; logo, se falhar, falha apenas porque… exacto, o problema era de nível gigantesco.

Além disso, a proibição é sempre entendida como uma acção: o Governo age. E, com a proibição, mostra o “músculo”: coerção e censura social, pelo menos.

Mostra-se autoritário contra os “faltosos” e contra aqueles que os criticam. Melhor ainda assim. Se houver contestatários, tanto melhor: serão transformados em “óptimos” bodes expiatórios. Lembrem-se dos tão “úteis negacionistas” (para onde se “chutaram” até as vozes incómodas e sensatas para forçar o unanimismo). E lembrem-se da epidemia dos não-vacinados…

Passada a pandemia (será?), temos agora nova onda de proibições com o intuito de resolver problemas políticos do Governo.

A floresta está mal gerida e o sistema de combate é obsoleto, e à conta disso os incêndios podem assumir um risco catastrófico? Cria-se uma “onda de calor” (antes mesmo de se assumir que se está perante uma), decreta-se uma situação de alerta (ou quejanda) para todo o país e generaliza-se uma proibição até ao absurdo, incluindo encerramento de monumentos. Depois inventa-se um algoritmo para dizer o impensável: podia ser pior se não fosse o Governo.

people walking near fire

Os Governos europeus geriram estupidamente a “guerra financeira” contra a Rússia em consequência da Guerra da Ucrânia? Pois bem, imponha-se “proibições e limitações na climatização e iluminação de espaços comerciais e públicos”, sem critério nem análise de benefícios (antecipar fecho de lojas para poupar energia terá um balanço positivo, tendo em conta que as pessoas assim vão para casa?). E não se fale na ineficaz política de eficiência energética em Portugal, nem na crónica fraca aposta na ferrovia nem nos projectos de mobilidade de fazer de conta.

Temo que o Governo não pare por aqui na arte do proibicionismo endossando culpas para a sociedade, que assim merece castigo.

Por exemplo, para “solucionar” a falta de obstetras em Julho, Agosto e Setembro, a arte do proibicionismo pode ser aplicada. Bem sei que, antes da pandemia, já havia queixas nesta época do ano. Em 2019. Em 2018. Em 2017. Em 2016. E por aí fora.

Ora, mas o Governo pode bem convencer-nos que a culpa não é das fracas condições dadas aos obstetras e ginecologistas no Serviço Nacional de Saúde – e que migram assim para os privados. Nem se deve ao facto de ser habitual que se concentrem as férias no período estival, levando a uma redução no número de médicos disponíveis em todas as especialidades (bem nos avisa a Dra. Graça Freitas).

Número médio de nascimentos por mês (período: Janeiro de 2011 a Maio de 2022). Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

Na verdade, o Governo pode agora “culpar” as grávidas, que, enfim, concentram os partos no Verão e no início do Outono. Podem culpar o timing dos casais que, sem noção das consequências nove meses depois, engravidam entre Outubro e Janeiro.

Donde, na nova “escola de fazer política”, a solução está à mão: proíba-se o truca-truca em Outubro, Novembro, Dezembro e Janeiro. E, com esse singelo acto, em Resolução de Conselho de Ministros eficazmente transmitida pela Lusa e “viralizada” pela imprensa mainstream, conseguir-se-á a paz absoluta durante o Verão em todas as maternidades e urgências de Obstetrícia.

Ah!, e temos bodes expiatórios. Quem não tiver espírito de missão, pelo bem comum, saiba que o “objecto” do crime será detectado. E sem contemplações, os agentes nocivos da sociedade serão multados convenientemente pelo Estado (por antipatrióticos e egoístas) e censurados e ostracizados pela sociedade como párias. Amen.

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