Não vou falar da Márcia e da Né. Elas adoram animais – e, se todos fossem como elas, era uma alegria para mim e uma melhoria para o Mundo. Animais carecem de tempo, disponibilidade, interligação, compromisso. Elas são 20 valores.
Falo dos outros. Ter cães que não passeiam está errado. Ter animais que se deixam ao deus dará é um desastre social e ecológico. Ter animais por esterilizar ou por educar é contra um mundo melhor. Os gatos são predadores naturais e definem seus territórios de caça onde matam sem quartel. Não ficam ninhos, não sobrevivem insectos grandes, ratos e outra fauna.
Se uma cidade como Coimbra tiver trinta mil gatos, os pássaros vão fugir daqui. A Nova Zelândia descobriu como os gatos abandonados dizimavam os papagaios e teve de tomar medidas importantes.
Ter animais de estimação é uma responsabilidade social e não “uma coisa fixe” ou uma tonteira para alegrar dois ou três meninos que não os passeiam, não os lavam, não lhes dão de comer. Cão e gato, coelho ou cobra, ou mesmo iguana, carecem de uma regulamentação para que fiquem em casa, sejam domésticos e não selvagens.
Para serem felizes carecem de espaço, carecem de companhia, são exigentes na dedicação. Os animais são relógios de rotinas. Todos os animais sabem as suas horas de comer, de sair, de entrada dos donos. As vacas têm de ser mungidas à mesma hora, encontrar a palha no mesmo lugar, repetir os mesmos gestos todos os dias. Este compromisso com o tempo é mandatório a quem deseja ter pets.
Se o teu cão passa a vida a latir, algo está errado. Se o teu cão deixa fezes na minha porta, és tu quem tem culpa. Se o teu pet fede, é porque és um porco e um preguiçoso, a não ser que tenhas adoptado uma doninha. Se há tantos cães e gatos mortos nas estradas, a culpa é tua que libertas o bicho para ir de férias. É uma questão também de ética.
O que é brutal hoje é que um discurso crítico ao negócio do amor de estimação é silenciado pelo poder das empresas que controlam a alimentação, os produtos infinitos para mimosear os bichos de casa, as associações defensoras dos animais. Dizer que os animais de estimação têm um custo ecológico elevado, são mais uma fonte de poluição e de morte é uma brutalidade para os fanáticos.
Infelizmente, os supermercados estão a encher-se de secções de negócio animal, comida mais cara que a ração dos esfomeados de África, mais dispendiosa que a diária das penitenciárias.
Se formos ao Google vemos milhares de virtudes em ter estima por animais, encontramos resmas de discursos que potenciam o negócio. Mas, claro, nem todos podem criar animais de estimação – tem de haver regras. Os gatos e cães devem estar esterilizados nas vossas casas. Para serem domesticados sofrem uma contracção da sua essência, e por essa razão há uma grande discussão sobre este tema.
Depois há animais que são donos de objectos com patas e os levam para cenários violentos, os transportam para jogos de morte e de diversão com barbaridade acrescida. Tudo isto carece de observação, legislação abrangente e sobretudo vertida de uma discussão aberta, sem filtros, culta, informada por técnicos e cientistas.
Não fosse a Márcia e a Né, eu defenderia que os pets fossem proibidos, sem ser em condições excepcionais, mas elas demonstraram-me à saciedade como posso não ter razão e concordaram comigo em muito do que disse atrás.
Afinal, eu gosto dos bichos e eles espantosamente, aproximam-se despudoradamente de mim.
Diogo Cabrita é médico
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