Elucubrações

O best-seller: o popular e o kitsch do objecto literário

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A questão é incómoda e só com algum atrevimento nos é possível abordar a escandalosa coincidência, no plano do consumo, de, por exemplo, um romance de Morris West, Jacqueline Susan ou Leon Uris com o Ulysses de Joyce; contudo, a abordagem do best-seller, a menos que se entrincheire no diminuto reduto das certezas da arte literária para atingir com a suspeita a qualidade duvidosa dos não eleitos, tem de passar antes de mais pela constatação de um fenómeno: há livros que, por obra de uma publicidade mais ou menos deliberada, do activar engenhoso dos interesses informativos do público, atingem uma dimensão de venda que os tornam notáveis, mais do que outros que fazem parte da cultura mas que ficam esquecidos como objectos imediatos de leitura ou, pelo menos, de compra.

Em consequência disso, e de se indicar o seu alto índice de compra, tornam-se ainda mais vendidos, transformando-se numa referência que, num determinado momento, se tornam uma espécie de moda. Tais fenómenos de mercado são chamados, numa designação que ultrapassa as barreiras da teoria literária, da genologia e da análise morfológica, best-sellers.

Ulisses, de James Joyce, um clássico publicado originalmente em 1922 em Paris. Um exemplar da primeira edição pode valer cerca de 20 mil eiuros no mercado.

Tanto quanto a memória nos diz, esse termo data de meados do século XX, proveniente do mercado livreiro americano, e aparece como uma informação de claros propósitos persuasivos, tendente a criar uma frase exortativa do tipo “toda a gente já leu – porque é que você não faz o mesmo?”

Não pretendendo ser esse o nosso objectivo, aqui, não podemos deixar de pensar que seria bem interessante determinar o facto com verdadeiro rigor ou seja, o momento em que a expressão deixa de ter funções adjectivas, para se torna uma designação substantiva, um conceito com valor quase genológico.

Resignando-nos com a falta de uma investigação satisfatória sobre o esclarecimento de tal matéria, o que nos resta fazer, de momento, é lançar algumas conjecturas e apreciações sobre mecanismo de selecção accionado, partindo dos elementos do mecanismo com os quais temos contacto mais directo.

O primeiro elemento desse mecanismo de activação de interesse, venda e leitura, cuja existência postulamos, assemelha-se à formulação entimémica: o que é massivamente procurado pode ser índice da qualidade presumível do que se anuncia, arrastando, como causa ou antecedente “lógico”, a hipótese de que o que já agradou a muita gente por certo será do agrado de toda a gente.

As reservas são, normalmente, de uma estirpe de maçadores armados em elite que, por vezes, teimam em não alinhar com as maiorias. É evidente que esses seres bisonhos existem, olham para tudo o que não está rotulado com as legendas canónicas de literário ou até de clássico, com ar de suspeita e lançam a dúvida, muitas vezes injustamente, sobre a qualidade do que é popular no sentido que o termo tem nas sociedades modernas: lido por “toda a gente” sem qualquer critério sólido de selecção.

Não nos é possível desfazer e tornar claro todo este novelo de questões que tocam, como o leitor mais experto notará, em alguns dos problemas de fundo da literatura e da arte em geral: selecção, literatura, qualidade, capacidade de critério estético, popularidade, elitismo, etc., numa infinitude de vias e argumentos que nos deixam tontos. Porém, alguma coisa se pode fazer.

Antes de mais, constatar que, por exemplo,  facto registado como motivo de grande surpresa,  a edição portuguesa de Ulisses de James Joyce – obra que ainda se pode considerar muito difícil, de leitura muito complexa não só pela sua elaboração textual, pela complexidade da sua gramática narrativa, mas até pelo sistema referencial de toda a cultura ocidental e irlandesa (pela sua hipertextualidade disseminada e inquieta, enfim) que nela é posto a funcionar, a cintilar – tenha atingido o sucesso livreiro que atingiu, tendo sido considerado um best-seller.

Pressentimos que o mecanismo posto a funcionar, na operação de marketing efectuada por editor e livreiros, é o do kitsch, com as implicações que ele impõe: retirar ao objecto a sua funcionalidade primeira, reduzi-lo a objecto de mostruário, colocando como primordial a sua perceptibilidade mais imediata, tornando-o ícone ostentável da sua função primordial de origem que deve ser indicada mas não activada.

Uma obra cimeira da literatura e da legibilidade literária, conotada com a problemática poética da própria legibilidade/ilegibilidade/escritibilidade, fica, assim, notabilizada pelos seus aspectos culturalmente mais frágeis: a intensificação da reprodutibilidade do produto editorial, a iconografia do seu nome, e a valorização visual do volume-livro.    

No entanto, e apesar da realidade recente que funda a etimologia, não é ao fenómeno de mercado, na sua pureza sócio-económica, que nos referimos, quando falamos de livros pertencentes a um género, intuitivamente reconhecido por todos (notar-se-á, também neste caso, como em toda a genologia, o esforço é para abordarmos noções arquitextuais – difusas, como não pode deixar de ser – em tom de elaboração teórica, como se nos aproximássemos de conceitos estabilizados, a partir de noções intuitivamente reconhecidas) como best-seller.

Na sua conotação depreciativa, que é também a genológica, best-seller designa um conjunto de obras que enfileiram em certas colecções, ou que constituem a produção de um autor, que são bastante conhecidas e às vezes estão na origem de filmes (no caso mais frequente é o que acontece  ao romance best-seller) ou de programas televisivos, mas que todos reconhecem pelos seus traços fundamentais implícitos – mesmo quando difíceis de enumerar na totalidade, ainda que possam ser resumidos em três ou quatro tópicos: a pobreza ideológica pela banalização dos valores, a recorrência dos motivos temáticos, a popularidade dos seus elementos e situações bem como o conformismo estético-cultural.

A cultura como informação

O trilho habitualmente seguido pelo sistema do best-seller, seja qual for o género “canónico” em que se inscreva por semelhanças estruturais do discurso, aponta, antes de mais, para uma problemática de informação. Há uma espécie de desejo compulsivo de cultura, de saber sobre o “mundo postulado como real” que caracteriza o público consumidor desse material bibliográfico.

O best-seller é, na maioria esmagadora dos casos, uma obra que fala sobre um tema candente, uma problemática apaixonante, um acontecimento capaz de comover amplas camadas sociais. Como muita da outra produção literária normalmente assumida como marginal, de amplas edições e alto consumo em certas épocas e em certos momentos de moda (há ou houve a do policial, a da FC, a do fantástico, a do romance cor-de-rosa) o best-seller emerge como resposta a um ambiente informacional favorável, seguindo de perto, de maneira mais ou menos evidente, o tema que na comunicação social se encontra mais agitado.

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Não é possível determinar todos os meandros desta influência nem detectar exactamente como se engrenam os assuntos do dia. Pode a activação de um imaginário ser desencadeada por um programa particularmente feliz de TV, ou pelo eco que determinado acontecimento atingiu no noticiário. Os chamados dramas humanos, aqueles que apresentam uma vítima da desgraça, a tragédia de alguém dividido entre um dever transcendente e o sentimento mais banal (amor filial, paixão não correspondida ou contrariada pelo dever), a catástrofe colectiva que tenha por motor um dado irracional (a etnia perseguida pelas convicções religiosas – os judeus, por exemplo) tudo o que assente, enfim, em axiologias implicadas por inquestionáveis tradições já enraizadas em determinados universos culturais e civilizacionais, serve de tema privilegiado para o livro best-seller.

De certo modo, atrás do apelo mórbido de uma temática da fatalidade (duas doxas que se opõem, cindindo tragicamente um ou vários protagonistas ou colocando-os diante de um problema de consciência), há um apelo informativo directamente entendido pelo leitor do género: ele quer e procura saber mais, informar-se, conhecer mais profundamente o caso através do romance inspirado por ou lendo o relato, a série de entrevistas, a biografia ou a autobiografia ou mesmo a monografia ensaística que aborda o tema em questão.

A actriz bela assassinada, a prostituta que ganha muito dinheiro e é feliz, o padre que se divide entre os deveres da ordem e os apelos do amor, ou da família, ou do grupo racial ou da nação, são esquemas que, por assim dizer, entroncam no apelo romântico do caso como tema – ou, mais correctamente, no apelo romanesco-sentimental do caso como singularidade e como excepção. É claro que o aspecto informativa busca menos na casuística “romântica” o apelo ao leitor, fazendo incidir antes o interesse no desfilar de coisas extraordinárias ainda que “verosímeis” que são apresentadas.

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O caso da obra “crua”, reveladora de uma “realidade” social sórdida e inevitável, a demonstração cabal de que as classes altas vivem nos mais “abomináveis costumes”, a confirmação de que na vida só se triunfa pela baixeza e pela infâmia, parece-nos ser revelador dessa apetência de uma massa leitora pelo “realismo”, que fornece a dose doentiamente esperada de desagrado (perante uma formulação ética normalmente hipócrita que vacila como um fascínio denegativo numa expressão do tipo: “como eu gostava de ter participado daquele horror! – mas sem ser tocado pelas suas consequências…até porque não devo!”) que confirma como os princípios da crença são a única protecção contra as tentações do mal – mas como a experiência fantasiosa dele é necessária para a catarse.

Desejo de informação e apelo do conhecimento que está na moda, vontade de estar em dia com o que se diz por esse mundo fora, parecem ser motivações para um terceiro aspecto característico dos best-sellers, talvez o mais fascinante de entre ele: a busca de resposta para as grandes temáticas antropológicas. Daí, entre esta casta genológica que procuramos embaraçadamente delinear, resulta que aparecem livros sobre astrofísica, ciências naturais e humanas que atingem altas procuras no mercado e que são parcialmente (até um ponto de insuportável rotura) devorados pelos leitores desprevenidos.

Formulações sensacionalistas que apregoam, sobre um livro, que ele dá respostas a questões tão importantes como o problema da morte, do destino da humanidade, das origens da vida, fazem de imediato incidir sobre tal texto as atenções doentias. Ao lado das obras como Um Pouco mais de Azul, de Hubert Reeves, que parece responder ao desejo fundamental de conhecer os limites do universo, vêm, depois, enfileirar-se tratados práticos sobre a forma de obter o prazer sexual utilizando o yoga, ou respostas aos desejos de felicidade pelo domínio da ciência do karma… o aparato retórico e científico fornecido pelo modelo reverte em favor de todas as especulações oportunistas e, por vezes, assumindo o modelo argumentativo do senso comum, evocam os benefícios da mais crassa candura – que lembra a estupidez.

A retórica do realismo

Apesar de todos os casos acima se poderem incluir no “género best-seller, ainda que pertencentes a variados tipos de discurso, o que aqui nos importa, como zona específica (até porque típica) do conjunto é o do género literária tradicional, clássico, privilegiado como modelo, num horizonte que participa da aspiração cultural e da interiorização das regras da boa leitura: o romance “clássico”, ou seja, que cumpre certas regras que uma determinada tradição “culta e escolarizada” considera “boas”.

Mesmo quando não se pode perceber, pelo apelo do saber na moda, como Joyce atingiu o lugar, nos escaparates, do best-seller, dado que a moda nada tem a ver com as suas características específicas, podemos pontualmente aceitar que ele se tornou muito falado e vendável porque e escreveu um “romance” – e é um “clássico”, pelo que o saber trivial divulga.   

Narrativa bem “regulada”, forma de discurso capaz de veicular informação segundo modelos antropologicamente fortes pelos traços de representação, vigorosamente actuantes desde o mito até ao romance moderno pelos valores amplamente difundidos de que são emblemáticos, a ficção típica do best-seller assenta, de facto, a sua legibilidade, sobretudo, nos traços mais notórios de um género tornado clássico, no Ocidente: o romance realista.

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Por abstracção desse modelo, que poderia ir do romance de costumes ao de aprendizagem, o que vigora, em grandes linhas é o conto alongado de um (ou vários) protagonista que se defronta com o mundo, busca nela resposta, uma ciência da vida. Normalmente, uma sabedoria do trivial que transporta um provérbio de monótono bom senso para uma atribulada deambulação pelo mundo dos enganos constitui o tema esquemático privilegiado.

A grande ciência, a última, a suma teleológica do género assenta na máxima do saber viver com mais ou menos custo, com mais ou menos atribulações. A visão antropológica pícaro-realista é a grande fonte de inspiração, depois de expurgada e desproblematizada. A banalização de desvendamento do naturalismo é a pedra de toque para a produção controlada de todo o dizível e, portanto, de todo o visível.

O uso da elipse sensata nas perigosas revelações da sexualidade, o uso do provérbio na reflexão sobre a existência, os modelos reconfortantes da narração centrada num saber omnisciente, uma confiança na lógica da temporalidade e uma hábil gestão das técnicas de focalização, apresentando os mecanismos narrativos mais usuais, são condições para uma boa recepção, ou seja, garantia de que a peça fabricada atinge o alvo com segurança.

Mas, sobretudo, o verosímil, a conformidade com um real altamente codificado enquanto percepção tem de estar claramente formulado. Daí, talvez, o best-seller de matriz realista ter dificuldade em sobreviver muitas gerações. A alteração dos costumes, das crenças banais, tem de ser calculada em cada momento.

Uma apaixonada suicida em nome da honra não seria motivo de aceitação nesta visão do mundo adaptada aos dias de hoje. Um herói que pusesse os princípios acima do desejo de sucesso social seria encarado como um idiota inverosímil. O que constitui o arrojo nas regras do jogo no romance de Balzac, torna-se a banalização triunfalista do oportunista do herói aceitável dos nossos dias.

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É por isso que a revelação desmesurada na visão do mundo do texto balzaquiano se reduz a uma receita do “dar a ver” realista que encanta no romance de sucesso popular dos nossos dias. O mecanismo artificioso é como que esquecido; para o leitor apressado, mais em busca do esquecimento do que da interrogação, do saber do que da pergunta, interessa sobretudo a redundância do conformismo enquanto tal, a todos os níveis.

O mecanismo em causa é de tal forma poderoso que, mesmo em circunstâncias em que o sucesso (presume-se) não é procurado pela via da facilidade, ele funciona na mesma. No seu Poetics of postmodernism (Routledge, New York) Linda Hutcheon afirma sobre a duplicidade paródica da ficção pós-moderna:

“De certo modo, como já argumentei, o novo romance (nouveau roman) é, consequentemente, muito mais radical em forma do que qualquer romance pós-moderno. Aquele assume que o seu leitor conhece as convenções da narrativa realista e por isso procura subvertê-las – mas sem fazer como o pós-moderno, que as inscreve. Ambos procuram mostrar a natureza convencional dos processos vulgares de construção dos mundos romanescos, mas a metaficção historiográfica confirma e depois sabota esses mundos e a sua construção. Talvez isso explique porque razão muitos romances pós-modernos têm sido best-sellers” (1988: 202)

A transtextualidade: as regras da imitação e as condições da crença.

O que o best-seller nos vem mostrar, se o que sobre ele dissemos tem algum fundamento, é que ao lado de uma literatura de evasão (às vezes buscando no fait-divers apenas uma pequena parcela de caução de verosimilhança, como acontece com o policial em relação à imprensa “criminal”) que aponta claramente para os mecanismos do fantástico como apelo primordial, onde o acto de contar se compromete com a aspiração irrecalcável do universo do devaneio, do “seria tão bom que…”, existe uma outra via de integração nos gostos generalizados que parece paradoxalmente a sua antítese, apelando para o desnudamento realista.

Só aparentemente existe tal contradição, pois o que a técnica do best-seller nos dá é uma movimentação da crença, só que assumida a um outro nível. Se a crença infantil e popular é irreverente, desmesurada e inconformista, os seus monstros estão perto em aspecto dos grandes fantasmas do fascínio e do medo, a crença do leitor moderno é acomodada no interior de uma vulgata positivista e cientista que faz do real, do exorbitantemente real, um centro de apelo irreprimível.

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Claro que, se para o folclore e para a criança os ogres e os lobos emergem como figuras da inquietação e da desinquietação, para o moderno leitor adulto essas figuras do medo têm de emergir investidas de factores de aquietação, tranquilizantes. O seu mundo é um real verosímil onde as grandes ameaças estão domesticadas ou então têm nomes que asseguram o controlo das forças hostis, mas manobráveis: são marginais, ou loucos, ou comunistas, ou bandos subversivos de direita ou esquerda ou fundamentalistas islâmicos desaçaimados.

Se o monstro tiver o perfil de Hitler, ou os tiques de um nazi actuando para a KGB, a fábula assume as proporções de uma informação realista, o possível torna-se apaziguante e o sonho mau passa como um relato carregado de informações sobra a última grande guerra ou a guerra-fria. Mesmo que a guerra seja santa e o alvo sob mira se revele muito mais como moderna gesta de cavalaria em direcção a uma Jerusalém a “libertar”, do que como relato objectivo do retorno sionista à Palestina.

O sentimento da verdade histórica fica assegurado se meia dúzia de nomes controversos se erguer como um punhado de heróis da reconquista, tendo por detrás a documentação dos periódicos reconhecidos como equilibrados, desde os anos 40 e 50 até hoje.

Cabendo claramente dentro da relação transtextual do hipertexto com o hipotexto de valor genérico, ou seja com o arquitexto, de que nos fala Genette em Palimpsestes (Seuil, Paris, 1982, p. 60-61), o best-seller canónico, de tipo romanesco de imitação, tem objectivos sérios e veste roupagens de adaptação aos mais severos rigores de um grau zero da escrita da actualidade – ao contrário dos casos mais conseguidos da paródia moderna (ou pós-moderna, como querem alguns). 

A rejeição frequente, mesmo por leitores apaixonados de best-sellers, dos que foram consumidos pela geração anterior, com uma velocidade que ronda a da mudança na moda do traje, talvez encontre justificação na seriedade dos valores que nele se imprimem. De certo modo, a busca cuidada do autor de sucessos, contrariamente à busca do escritor que se empenha na revolução que cada obra procura ser, nos processos de desautomatização ou de estranhamento de que nos fala o  formalismo russo, é uma busca de automatismos de escrita, de identificações e de identidades, de utilizações e de lugares-comuns que, sob a estrutura novelesca do realismo, faz o efeito do segundo guia para leitor que, sendo supostamente desprevenido, é, além disso, tomado como próximo da estupidez e da ignorância.

Se muitos textos de grande público piscam o olho ao leitor de cultura cosmopolita, a maior parte deles não se arrisca e, mesmo que tenha como assunto um tema de sucesso na comunicação social, na maior parte dos casos parafraseia e explica redundantemente para que a mensagem não escape.

Restaria talvez acrescentar um reparo a estas notas sobre terreno que, cremos, nunca foi razoavelmente explorado. A tendência do best-seller é para a redundância dos mecanismos de reconhecimento. Não desenvolve apenas o recurso ao género, que poderia ser um saudável trabalho sobre o arquitexto, como sugere Hutcheon.

Nem sequer aos modelos canónicos autorais, o que poderia activar uma saudável relação hipertextual. São os próprios universos ficcionais recriados que se evocam a traços largos, para os leitores não se perderem na escolha. 

Para citarmos um caso nacional, Manuel Arouca produziu a hipertextualidade à segunda potência quando, com Os Filhos da Costa do Sol,parafraseava o título do best-seller de James Michener Filhos de Torremolinos.

Isso vem provar que não é preciso sugerir que se inventa ou se busca um universo estranho ou populoso onde o excepcional pode acontecer, para ser sucesso editorial fácil. Basta dar com a receita local e com o verosímil que se aceita numa certa fase histórica – mesmo que os horizontes sejam estreitos.

A receita, entre nós, tem dado frutos que mostram claramente os limites do género – buscando o geral na mediania, e o reconhecível no fenómeno estritamente local, temos o sucesso editorial no cavaqueio de todos os dias. Se o grande acontecimento é a notícia e o notável é “colunável”, o best-seller inclina-se para o encanto onde o grande acontecimento é ser notícia e o fenómeno digno de registo é surgir na fotografia ou na imagem do noticiário ou do programa com máximo de audiência. Teríamos aqui o modelo de um certo sucesso de escrita – não do eterno retorno, mas da porca giratória, ou da batedeira

Carlos Jorge Figueiredo Jorge é professor emérito da Universidade de Évora


Bibliografia

Genette, Gérard, 1982, Palimpsestes, Seuil, Paris

Hutcheon, Linda, Poetics of postmodernism, 1988, Routledge, New York


Texto originalmente publicado na revista Vértice, n.º 23, 1990

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