No passado dia 9 de Agosto, nas instalações da Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC), com autorização superior para consultar processos administrativos por parte do senhor juiz conselheiro Sebastião Póvoas, circunstancial presidente daquele regulador – previsto na Constituição da República para defesa da liberdade de imprensa –, cometi um suposto “crime de lesa-majestade”: saquei do telemóvel e comecei a tirar fotografias às páginas.
Desde que os smartphones se vulgarizaram, não conheço, como jornalista, meio mais corriqueiro de consulta, mais eficiente pela rapidez e mais ecológico pela poupança de recursos. Em meia dúzia de minutos, capta-se os elementos estritamente necessários, evitando-se ocupar tempo a todos, e cada um segue caminho. Que venha o primeiro jornalista dizer que nunca usou, de forma descontraída e sem pressão, um telemóvel para fotografar papéis.
Porém, em 9 de Agosto, a ERC quis fabricar um “incidente”, e procurou proibir-me ilegalmente de usar um meio legítimo de reprodução de documentos, previsto na Lei do Acesso aos Documentos Administrativos (LADA). Um pedido para a PSP tomar conta desta ocorrência, transformou-se de repente num distúrbio (artificial), que culminou não apenas em um, mas logo em dois comunicados da ERC, o segundo da própria Comissão de Trabalhadores.
Os dois comunicados difamantes – divulgados na imprensa, em que chegava a colocar em dúvida a minha actividade de jornalista e me atribuía supostos insultos aos membros do Conselho Regulador e uma alegada “atitude invulgar e abusiva”, pretendia criar uma “cortina de fumo” nas investigações do PÁGINA UM sobre a ERC.
Com efeito, o PÁGINA UM tem procurado saber como tem sido a intervenção do regulador na gestão dos pedidos de confidencialidade de grupos empresariais de media relacionado com a transparência de dados económicos, e também conhecer se haverá intervenção sobre estranhos contratos entre diversos grupos empresariais de media e entidades da Administração Pública que resultam em ingerências editoriais.
Ora, mas o PÁGINA UM não se deixa amedrontar com estas “manobras de diversão”. Nas últimas semanas, além de instaurar um processo de intimação contra a ERC por negar a consulta de documentos sobre a transparência dos media, fui insistentemente solicitando a remarcação da consulta dos processos inopinadamente interrompida em 9 de Agosto. Por três vezes se fez o pedido. Apenas no passado dia 24 de Agosto houve uma reacção da ERC, marcando nova consulta para hoje, dia 30, mas com a imposição de regras, entre as quais a proibição de fotografias.
Reacção: novo protesto, queixa na Comissão de Acessos aos Documentos Administrativos (CADA), indicação de que estaria presente na companhia de advogado e que não se aceitaria aquelas regras arbitrariamente impostas pelo Conselho Regulador da ERC, mesmo se ditadas por um juiz conselheiro que, na verdade, ali, assumia apenas o papel de presidente do regulador e não de qualquer tribunal.
Intolerável coacção sobre a ERC por um cidadão inoportuno?
Ou antes uma intransigente defesa de direitos por um jornalista incómodo?
Os leitores que decidam. Os cidadãos que escolham a perspectiva e, como a sua decisão, queiram aceitar o tipo de democracia que mais apreciam.
Em função desse protesto, enfim veio nova reacção da ERC: “excepcionalmente”, o presidente do Conselho Regulador autorizou ontem que a consulta de hoje pudesse ser feita com reprodução de fotografias dos processos – algo que, aliás, já eu fizera em outras oportunidades antes do dia 9.
E lá estive hoje, eu, Pedro na ERC, a consultar seis processos, na companhia do advogado João Pedro César Machado, na mesmíssima sala do dia 9 de Agosto, munido de telemóvel a fotografar páginas e a escrever seis requerimentos. Numa exacta hora e meia, despachei tudo: consulta, fotografias e requerimentos.
E onde está a “Anita no circo”? Talvez no facto de ter, durante esta corriqueira consulta, a “escoltar-me” o chefe de gabinete do presidente da ERC, acompanhada por mais uma jurista.
E, entretanto, lá em baixo, a guardar a porta, fiel, um agente da Polícia de Segurança Pública, convenientemente requisitado pela ERC, por certo.
Nunca antes, nas minhas diversas visitas à ERC, tinha visto à porta um agente da PSP. E foram várias. Nunca antes de 9 de Agosto esteve ali um agente. E não há coincidência. Há coacção sobre os jornalistas, agora olhados como Inimigos Públicos se saírem da bitola da “cordialidade” e do “respeitinho”.
Alguém da ERC achou que eu constituiria um perigo e requereu previamente presença policial; e alguém na hierarquia da PSP achou por bem destacar recursos públicos – um agente – para proteger não sei quem de um jornalista que, enfim, só ali entrou para exercer a sua actividade como jornalista, munido de telefone e caneta, e que dali saiu pacifica e livremente, mas a pensar se ainda se vive numa democracia.
Ou se já se está num circo.
Ou, mesmo já, numa ditadura.