É a 12ª recusa que o PÁGINA UM recebe de entidades públicas ou equiparadas quando solicita documentos administrativos sensíveis; e é o 12º processo de intimação que o PÁGINA UM faz entrar no Tribunal Administrativo de Lisboa. Desta vez, uma entidade universitária e científica decidiu que um (suposto) relatório alarmista fosse divulgado pela Lusa sem que ninguém mais o pudesse ver nem analisar. Além do processo por falta de transparência, este caso revela sobretudo o estado da Ciência nos tempos modernos.
O PÁGINA UM avançou esta quinta-feira com um processo de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa para obrigar o presidente do Instituto Superior Técnico (IST), Rogério Colaço, a dar acesso ao relatório revelado pela Lusa em 28 de Julho passado sobre o alegado forte impacte negativo dos Santos Populares na transmissão da covid-19, bem como a todos os dados numéricos e informação metodológica que levaram à sua elaboração.
Mas não só. O PÁGINA UM também pede o acesso a documentos e informação para escalpelizar a relação existente entre o IST e a Ordem dos Médicos, por via de um protocolo anunciado em Julho de 2021.
Em causa está um suposto relatório – a que apenas a Lusa teve acesso, apesar do seu take ter sido difundido pela generalidade da comunicação social – com estimativas da transmissão causada pelo aglomerado de pessoas durante o mês de Junho nos Santos Populares (sobretudo Lisboa e Porto) e em festivais como o Rock in Rio.
Recorde-se que as conclusões do alegado relatório do IST apontaram, segundo a Lusa – que nunca quis apresentar provas ao PÁGINA UM da existência do documento científico – que “houve cerca de 242 mil casos de covid-19 registados oficialmente devido às festividades dos santos populares e festivais como o Rock in Rio”. A notícia da Lusa salientava ainda, citando o alegado relatório, que “se juntarmos os casos não reportados oficialmente atinge-se o número de 340 mil”. E apontava ainda, expressamente, para as consequências: 790 óbitos devido ao levantamento das restrições e 330 óbitos associados apenas às festas populares de Junho.
Mas, apesar da gravidade das conclusões do alegado relatório, o documento nunca foi tornado público e não foram divulgadas as bases em que os investigadores se fundamentaram para elaborar as estimativas noticiadas.
As conclusões alarmistas do alegado estudo do IST não encontram respaldo nas evidências observadas durante o mês de Junho. Com efeito, enquanto decorreram as festas de Santo António, São João, Rock in Rio e outros festivais ao de Junho, os casos positivos de covid-19 foram sempre descendo.
Por exemplo, para todo o país, no dia 1 de Junho a média móvel de sete dias estava nos 24.602 casos positivos para todo o país, no dia 8 tinha descido para 20.575 casos, no dia 15 já estava nos 15.368 casos positivos, no dia 22 baixou para os 12.939 casos positivos e no final do mês estava mesmo abaixo dos 10 mil casos.
Durante o mês de Junho, os casos positivos de covid-19 aceleraram sempre mas na direcção da redução. Em Julho sucedeu o mesmo. De acordo com os dados do Worldometer para Portugal, no final de Julho contabilizavam-se 3.258 casos positivos (média móvel de sete dias). Em Agosto, os casos mantiveram-se sempre estáveis em redor dos 2.500 casos positivos.
Esta acção em Tribunal surge depois de o PÁGINA UM ter solicitado o acesso ao relatório, tanto junto do IST, através do seu presidente e da assessoria de imprensa, como a um dos autores do dito relatório. O acesso ao documento e aos dados que supostamente serviram de base ao suposto relatório, foi sempre recusado. No dia 30 de Julho, um sábado, o próprio presidente do IST, Rogério Colaço,enviou mesmo, através do seu Galaxy, um e-mail reforçando a recusa: “O pedido formal ao presidente do IST está respondido e a resposta é negativa.”
Saliente-se que em outros relatórios, as análises do IST são sempre assumidas pelos investigadores Henrique Oliveira, Pedro Amaral, José Rui Figueira e Ana Serro, mas sempre sob supervisão do presidente daquela instituição, Rogério Colaço, engenheiro de materiais e professor catedrático na área da nanotecnologia.
Na sua ação junto do Tribunal Administrativo – o 12º processo desde Abril, sempre por recusa de acesso a documentos administrativos – solicita-se que o IST seja mesmo obrigado a disponibilizar “o acesso, para eventual obtenção de cópia, de todo e qualquer documento considerado como administrativo na posse do Instituto Superior Técnico – por publicamente ter sido elaborado e/ou utilizado por investigadores desta instituição universitária – relacionados com a avaliação epidemiológica da covid-19 (ou do seu agente infeccioso, o SARS-CoV-2)”.
Nesse lote, pede ao Tribunal o PÁGINA UM, deve constar, obrigatoriamente, os dois relatórios sobre estimativas de transmissão da covid-19 durante as festas populares e festivais de música, cujas conclusões foram divulgadas por órgãos de comunicação social em 8 de Junho e em 28 de Julho, bem como os ficheiros informáticos contendo os dados usados para a sua elaboração”, bem como documentos científicos sobre a metodologia usada.
Solicita-se ainda a “cópia do protocolo ou outro qualquer documento assinado entre o Instituto Superior Técnico e a Ordem dos Médicos para a realização das análises / estudos iniciados em 14 de Julho de 2021, bem como documentos que atestem a eventual (ou não) contratualização com efeitos patrimoniais dos envolvidos, quer seja pagamento ao Instituto Superior Técnico quer aos seus investigadores”.
O processo de intimação para a prestação de informações, consulta de processos e passagem de certidões – já identificado com o número 2683/22.1BELSB – foi intentado pelo PÁGINA UM no último dia do prazo, porque se aguardou, até ao limite, uma resposta voluntária do IST, como instituição científica (ainda por cima pública) com especiais responsabilidade na transparência e debate científico.
Como nunca houve manifestação de abertura, o Tribunal acabou por ser o derradeiro recurso. O IST terá agora 10 dias úteis para obrigatoriamente justificar ao Tribunal Administrativo a causa da recusa, havendo depois uma decisão teoricamente urgente.
N.D. – Os custos e taxas dos processos desencadeados pelo PÁGINA UM no Tribunal Administrativo são exclusivamente suportados pelo FUNDO JURÍDICO financiado pelos seus leitores. Rui Amores é o advogado do PÁGINA UM neste e nos outros processos administrativos em curso. Até ao momento, estão em curso 12 processos administrativos, além de uma providência cautelar. Dois dos processos foram ganhos pelo PÁGINA UM em primeira instância, mas as duas entidades (Ordem dos Médicos e Conselho Superior da Magistratura) recorreram.