A construção da lei obedece a um negócio entre parceiros que usam esse poder de modo discricionário para se proteger e ajudar os seus amigos e construir necessidades onde constroem os seus negócios. A legislação sobre a idade dos trabalhadores do Estado é um exemplo da incoerência política.
Por um lado, os sindicatos lutam pela reforma, os trabalhadores descontam a vida toda para a obter, equiparamos o mais possível o valor da pensão ao salário do trabalhador, e vai daí, permitimos que a Administração Pública contrate funcionários para lá da jubilação.
Mas quem quer trabalhar depois da reforma? Porque damos lugares a pessoas com setenta e vários anos, na função pública? Na privada é frequente, e há inúmeros cidadãos que mantêm as suas empresas para lá dos oitenta, e alguns gerem os negócios mesmo aos noventa. Sinto-me útil, dirão alguns. Não sei o que fazer se sair – ouvi outras pessoas. O problema desta desconstrução está na imagem que fazemos de nós: sinto-me jovem!
A idade não se manifesta na auto-observação e nas nossas circunstâncias. Por esta razão, é difícil ver políticos deixarem a cena de moto próprio. Nunca chegam ao seu fim. Mandela, Gorbachov, o Papa emérito são excepções raríssimas que abdicam.
Nas carreiras da função pública há inúmeros exemplos que se arrastam durante os últimos seis ou dez anos apenas porque sim. Não arranjaram entretém, não construíram sossego, não são capazes de se tornar associativos, ou ter funções beneméritas, ou ser opinativos. O que me entristece é a sua colocação em lugares de liderança na Administração Pública com salários opíparos.
Esta insistência rompe o ciclo da renovação, a exigência da evolução e, sobretudo, prejudica o futuro. Ver homens de oitenta aos saltinhos num palco, convencidos de que são roqueiros surpreende-me as artroses, deixa-me com apertos na próstata.
Há tanta coisa para ser, tanta realidade para viver. Não sou insensível ao mau gosto e parece-me desapropriado o avô a fingir que tem vinte anos. Também me indigna a parva decotada a visitar igrejas. Sou um conservador, já se vê.
Por estas razões, não percebo o que fazem tantos reformados na gestão de empresas do Estado. Não percebo porque transitam pela administração os funcionários dos partidos, sem limite e sem vergonha. Presidente da Mesa da Assembleia Geral do SUCH, temos Correia de Campos. Na direcção da ADSE lá está João Proença, um camaleão de todas as funções possíveis. Na Entidade Reguladora da Saúde (ERS), o curriculum de Rogério da Carvalho é típico dum transeunte do poder.
Mas os reformados da Administração Pública pululam em fundações, Santas Casas, entidades financeiras. Há lugares dourados para encaixar inúmeras figuras, num Estado que se multiplicou em instituições que competem nas funções e se anulam na acção.
Na gestão dos investimentos privados não me meto, mas na gestão de institutos, fundações, IPSS que recebem milhões da governação, acho ilícito que quem se reforma do trabalho público regresse a funções para as quais devíamos ter construído a rotação benéfica e eficiente.
Diogo Cabrita é médico
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