[Este texto foi publicado, como capítulo no livro Assim se pariu o Brasil, sob o título “Um reino a quatro mãos”, editado originalmente naquele país em 2015 pela editora brasileira Sextante. Manteve-se a grafia da edição original, em português do Brasil, num trabalho conjunto do autor com Bruno Anselmi Matangrano. Esta obra conheceu uma edição em Portugal pela Saída de Emergência, em 2016, e outra na Itália pela editora Mimesis, em 2020.]
O Brasil, como hoje o conhecemos, não devia existir. Ou melhor dizendo, é um milagre possuir um território de mais de 8,5 milhões de quilômetros quadrados, figurando como o quinto maior país mundial. Na verdade, os ventos separatistas que percorreram a América Latina no século XIX deveriam ter feito com os domínios portugueses aquilo que aconteceu com as antigas possessões espanholas: um desmembramento em várias nações. Se assim tivesse acontecido, talvez houvesse agora uma nação chamada Brasil, mas de menor dimensão, rodeada de outros países lusófonos. E, pelo meio, muitas cruzes marcando sepulturas, porque infelizmente quase todas as independências são pagas com sangue.
Embora se trate sempre de um exercício especulativo, pois jamais será possível ter certeza do que se passaria se as circunstâncias e personagens de um determinado momento da História não tivessem se “encontrado”, o Brasil dificilmente seria uma nação unificada e federativa se não fossem dois homens que lá estiveram: o rei português D. João VI e seu filho, o primeiro imperador, D. Pedro I. E também indiretamente por causa de um terceiro homem que nunca lá pôs os pés: Napoleão Bonaparte.
Com efeito, a retirada estratégica de D. João VI para o Brasil, no final de 1807, no momento da invasão das tropas napoleônicas em Portugal, permitiu não apenas evitar a perda da independência lusitana – porque assim seu soberano não pôde ser deposto – como involuntariamente uniu ainda mais o território brasileiro.
Por outro lado, optando por manter a velha aliança com a Inglaterra, em vez de se subjugar aos caprichos de Napoleão, o rei português esquivou-se também da má sorte de seus pares da Espanha, com graves consequências para esta nação, quer na Europa quer em suas colônias americanas.
De fato, Carlos IV da Espanha foi ingênuo quando assinou com a França o Tratado de Fontainebleau, em outubro de 1807. Pensava que, aliando-se a Napoleão, ficaria mesmo com parte do território português e com um bom quinhão de suas colônias[1]. Não menos surpreendente foi o fato de que o rei espanhol pretendia invadir o reino vizinho onde o regente, D. João VI, casara-se com sua filha, D. Carlota Joaquina.
O feitiço virou contra o feiticeiro. Em março do ano seguinte, o rei castelhano foi obrigado a abdicar em favor de seu filho Fernando VII, em uma revolta conhecida como Motim de Aranjuez, que causaria também a queda de Manuel Godoy. Dois meses depois, foi a vez de Fernando VII ser preso por Napoleão em Bayona. A Espanha ficou assim sob domínio francês – sendo nomeado como rei-fantoche o irmão do próprio Napoleão, com o título de José I. Somente em 11 de dezembro de 1813, a Espanha se livraria na Europa do jugo francês, através de duras batalhas contra seu traiçoeiro aliado.
Porém, o mal já estava feito na Espanha. Durante os seis anos de guerra interna estima-se que morreram entre 215 mil e 375 mil pessoas, às quais se somam mais algumas centenas de milhares em resultado da fome e de epidemias. Sem esquecer a destruição econômica e a redução da capacidade militar. Ou seja, a Espanha ficou na bancarrota, precipitando a perda do controle de seus domínios ancestrais na América do Sul. E não em um só bloco, mas se desmembrando em pedaços.
Embora as primeiras insurreições na América espanhola tenham se iniciado, mas em pequenos focos, ainda em 1806 – no mesmo período em que a Inglaterra tentou invadir, sem sucesso, os territórios do Rio da Prata, na atual Argentina –, a ruína começou apenas durante o reinado espanhol do irmão de Napoleão. Primeiro, perdeu a Venezuela, pouco depois várias regiões na costa do Pacífico – que formariam, em um primeiro momento, a chamada Grã-Colômbia –, seguiram então as Províncias Unidas do Rio da Prata, o Paraguai, o Império Mexicano e muitas outras regiões.
Esta desagregação evoluiu depois para novas divisões. Simón Bolívar, o chamado Libertador da América, ainda tentou concretizar seu sonho de criar, na América hispânica, uma solução federativa similar aos Estados Unidos na América do Norte. Mas nunca conseguiu. Atualmente, os territórios americanos que a Espanha dominou até o início do século XIX estão distribuídos em mais de duas dezenas de países. Ao contrário disso, os domínios portugueses originaram apenas o Brasil, com uma estrutura federativa e territorial quase similar ao período colonial.
Não foi obra do acaso, este distinto desfecho. A razão é simples: quando as convulsões nas colônias espanholas iniciaram, o Brasil já não era uma colônia portuguesa; era Portugal, de fato, pois D. João VI e a família real nele viviam. E não estavam só de passagem. Tanto que, quando o principal motivo para sua saída de Portugal – as invasões napoleônicas – deixou de existir, nunca houve pressa para regressar à Europa. Aliás, embora nunca o manifestasse abertamente, D. João VI sentia-se melhor sendo rei no Brasil do que em Portugal, o que é compreensível; o território sul-americano era quase cem vezes maior do que o minúsculo retângulo europeu.
A manutenção de D. João VI na América do Sul também se dava por um motivo de estratégia política, além das belezas do Rio de Janeiro, que obviamente o agradavam bastante. Sua presença no Brasil apaziguava, de forma decisiva, eventuais “contaminações” subversivas vindas do lado espanhol. Uma coisa eram os movimentos separatistas contra um soberano que vivia do outro lado do Atlântico, como se passava nas colônias espanholas – ainda mais diante de um rei-fantoche, como José Bonaparte, irmão de Napoleão –, outra bem diferente era uma revolta acontecer perante um inédito rei presente.
Além disso, olhando para os três séculos anteriores de colonização portuguesa na Terra de Vera Cruz, o Brasil transfigurou-se com a estadia da família real. Para bem melhor. E mais ainda o Rio de Janeiro.
No momento da chegada dos monarcas portugueses, a cidade era, nas palavras do comerciante inglês John Luccock, “o mais imundo dos ajuntamentos de seres humanos debaixo do céu”. Com uma população de 60 mil habitantes, dos quais apenas 20 mil brancos e 15 mil escravos, a cidade era um aglomerado de apenas setenta ruas e algumas vielas, todas pestilentas devido às águas estagnadas e pântanos, e aos despejos generalizados de lixos nas vias públicas. Havia doenças para todo gosto.
Nas palavras do médico Bernardino Gomes, as moléstias mais frequentes eram “sarnas, erisipelas, impingens, bolbos, morfeia [lepra], elefantíase, formigueiro, bico dos pés, edemas de pernas, hidrocele, sarcocele, lombrigas, hérnias, leucorreia, dismenorreia, hemorroidas, dispepsia, vários afectos compulsivos, hepatites e diferentes sortes de febres intermitentes e remitentes”.
A falta de edifícios para acolher milhares de reinóis, muitos dos quais de famílias nobres, impulsionou um crescimento urbano nunca antes visto. Construíram escolas, hospitais e teatros; fundaram a Academia Real Militar e a Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica, estabelecendo uma provedoria da saúde, para controlar as epidemias, e um corpo especial de guardas, para melhorar a segurança pública. E, além de tudo isso, introduziram a tipografia no Brasil, até então proibida. A vida cultural, então inexistente, floresceu para entreter fidalgos e pessoas de posses. O comércio de todo tipo de produtos teve um crescimento ímpar. Em menos de uma década, para tanto serviço, foram trazidos mais de 200 mil escravos.
D. João VI soube também agradar às elites cariocas. Fartou-se de distribuir cargos públicos e outras prebendas e também títulos nobiliárquicos. Até 1821, “criou” vinte e oito marqueses, oito condes, dezesseis viscondes e vinte e um barões – um número impressionante, jamais registrado em toda a História da Monarquia Portuguesa –, alguns destes títulos beneficiando pessoas havia muito radicadas em terras brasileiras e, pelo menos, duas nascidas na colônia: Ana Francisca Maciel da Costa, nomeada baronesa de São Salvador de Campos de Goitacases, e José Egídio Álvares de Almeida, nomeado barão de Santo Amaro. Também não foi por um acaso, nem por fanfarronice, que em dezembro de 1815, o Reino de Portugal e dos Algarves passou a incluir o Brasil com similar estatuto. E mais, com o privilégio de ter o rei em seu seio.
As comunicações terrestres ao longo do Brasil melhoraram extraordinariamente. O Rio de Janeiro tornou-se uma capital nevrálgica, de onde partiam estradas para todas as principais cidades de outras capitanias, como Belém do Pará, numa extensão de mais de 120 léguas, Salvador da Bahia, São Paulo, Vila Rica, Sabará, Vila do Príncipe, Vila Boa de Goiás e tantas outras, tornando-se assim uma alternativa segura e confiável ao transporte marítimo.
Por outro lado, longe de ser um rei autoritário, D. João VI sempre surpreendeu com sua atitude conciliadora e atenciosa. Mesmo quando aportou pela primeira vez no Brasil, em Salvador da Bahia, chegado de uma longa e acidentada travessia atlântica, recebeu em audiência toda a casta de gente, desde agricultores e negociantes até oficiais e padres, inclusive as pessoas mais humildes. Nem sempre era rápido em se decidir, o que por vezes parecia denotar pouca firmeza; mas, porventura, assim procedia por pensar menos naquilo que era melhor para si mesmo.
Também nunca mostrou ser um rei atormentado ou traumatizado por ser o primeiro monarca português a se refugiar fora de seus domínios europeus. Pelo contrário, além da decisão imediata à sua chegada ao Rio de Janeiro de invadir a Guiana Francesa[2],
D. João VI soube aproveitar as fragilidades e dificuldades da Coroa espanhola na gestão das colônias americanas. Por via de seu casamento com uma infanta castelhana, D. Carlota Joaquina, filha do deposto Carlos IV, tentou no início da segunda década do século XIX, através de ações diplomáticas, mescladas de atitudes por vezes intimatórias, que as autoridades coloniais da região do Rio da Prata, na atual Argentina, aceitassem a proteção lusitana. Porém, alguns erros estratégicos, bem como certa rebeldia de D. Carlota Joaquina, gorariam a concretização desse plano.
Em todo o caso, D. João VI queria mesmo seu quinhão na região meridional. E apostou assim na região onde Portugal até já tivera um pequeno enclave no meio do território espanhol: Sacramento. De fato, desde meados do século XVII, Portugal tentara ocupar a margem esquerda do Rio da Prata por ser uma área de acesso aos rios Uruguai e Paraná. Embora na margem direita já se localizasse a cidade de Buenos Aires, os espanhóis não tinham considerado a ocupação do outro lado prioritária. Mas como pelo Tratado de Tordesilhas aquele pedaço de terra lhe pertenceria, também não queriam portugueses por lá.
No entanto, quase quatro décadas após a Restauração da Independência, no fim de 1679, o governador da capitania do Rio de Janeiro, Manuel Lobo, foi incumbido de fundar uma fortaleza na margem oposta a Buenos Aires. Na boca do lobo, se assim se pode dizer. Poucos meses após a instalação de um pequeno forte na ilhota de São Gabriel, que deveria constituir o primeiro baluarte para uma posterior ocupação terrestre, o governador de Buenos Aires, José de Garro, enviou um grande contingente naval. Eram centenas de soldados espanhóis auxiliados por três mil índios guaranis.
Perante o fraco contingente português, assistiu-se a um massacre naquela passagem de 8 para 9 de agosto, tristemente conhecida como Noite Trágica. “Não se dava quartel aos que se rendiam as armas pelos índios […], a nenhum dos quais perdoou a fúria gentílica”, escreveu Manuel Lobo. Morreram 112 portugueses, a que se seguiu o habitual saque, executado, sobretudo, pelos indígenas. “E não foi pouco, pois todos perdemos tudo”, como se lamentou o malfadado governador português, que veio a morrer, poucos anos mais tarde, ainda prisioneiro em Buenos Aires.
Os desejos lusitanos não amainaram, apesar do vexame. Procuraram então a via diplomática. Em 1681, um tratado provisório entre os dois reinos ibéricos acabaria assim concedendo o direito a Portugal de construir naquela região uma cidadela de terra e madeira, com baluarte, fosso e tudo mais. E assim nasceria a colônia de Sacramento.
Porém, os acordos de um dia, se desfaziam no outro. Sobretudo a partir de 1699 e até o final de 1716, os espanhóis arrependeram-se da concessão, atacando por diversas vezes o reduto lusitano.
Com o tratado de Utrecht, Portugal garantiu o direito de permanência naquelas terras, iniciando-se então uma intensa migração de reinóis, sobretudo da província lusitana de Trás-os-Montes. Em 1730 já viviam ali mil famílias portuguesas, dedicando-se principalmente à exploração do gado e ao comércio de couros.
Em todo o caso, embora tenha tentado, Portugal nunca conseguiu estender seus domínios na região cisplatina. Em 1723, ainda fundaram um povoado na atual cidade de Montevidéu, mas um ataque espanhol acabou com os sonhos expansionistas. Em suma, a colônia do Sacramento se manteria como um enclave, sempre sujeita ao mau humor dos castelhanos. Por exemplo, durante dois anos na década de 30, a cidade foi cercada por causa de um conflito diplomático entre as duas monarquias ibéricas.
Porém, independentemente destas indisposições, a anarquia reinava mais do que os reis ibéricos na região cisplatina. O contrabando entre as margens do Rio da Prata era intenso, pois as colônias sul-americanas da Espanha estavam proibidas de importar certos produtos da Europa. A situação era aproveitada pelos portugueses para traficarem com comerciantes de Buenos Aires a troco de prata sem precisarem pagar impostos.
Além disso, os roubos eram constantes. Os jesuítas, que desde o século XVII tinham instalado aldeias naquele trecho, exploravam extensas criações de gado, que, de quando em vez, eram dizimadas por aventureiros para roubar couro e outros produtos animais. Em poucos anos, de acordo com uma reclamação do Padre José de Aguirre, as manadas passaram de quatro milhões de animais para apenas trinta mil. Os padres da Companhia de Jesus ficaram fartos de tanta roubalheira e começaram a dar o troco. Armando os índios guaranis, fizeram diversas incursões e saques em estâncias de muitos aventureiros.
Através da assinatura do Tratado de Madri, em 1750, a colônia de Sacramento deveria ter sido entregue aos espanhóis em troca das terras de Sete Povos das Missões, mas a subsequente Guerra Guaranítica, e o desinteresse do futuro marquês de Pombal em abrir mão do enclave, fez tudo voltar à estaca zero[3]. Ou, melhor dizendo, o jogo de pingue-pongue continuou. Durante os conflitos da Guerra dos Sete Anos, que extravasou para a Península Ibérica em 1762, a Espanha decidiu, e conseguiu, expulsar os portugueses da Cisplatina, tomando ainda uma parte do Rio Grande do Sul e da ilha de Santa Catarina. Um ano mais tarde, com o Tratado de Paris, a colônia do Sacramento regressou à posse dos portugueses. E, finalmente, em 1777, com novo acordo de paz, neste caso de Ildefonso, os espanhóis ganharam a colônia de Sacramento.
E era assim que estavam as coisas quando D. João VI chegou ao Brasil. Porém, três anos mais tarde, em 1811, as diversas insurreições na região transplatina obrigaram as autoridades coloniais espanholas a recuar para Montevidéu sob pressão de José Gervasio Artigas, um dos generais das recém-criadas Províncias Unidas do Rio da Prata. No Rio de Janeiro, D. João VI predispôs-se logo a ajudar os castelhanos. Por interesses próprios, diga-se de passagem.
No trono da Espanha sentava-se então o irmão de Napoleão Bonaparte, e a intenção do regente português não era propriamente auxiliá-lo. Queria sim ganhar adeptos na região para o partido de sua mulher, Carlota Joaquina. Como era irmã do rei deposto espanhol, Fernando VII, pretendia Portugal que ela fosse aceita como tutora da Cisplatina, o que significaria sua integração a Portugal.
Formalmente, D. João VI não entrou em guerra contra as tropas de Artigas, nem apoiou diretamente o lado castelhano. Sob orientação do recém-nomeado capitão-general da capitania do Rio Grande do Sul, Diogo de Sousa, o contingente português tinha uma denominação eufemística: Exército de Observação, ou também Exército de Pacificação da Banda Oriental. No entanto, desde cedo e desde sempre mostraram atitudes hostis. Constituídos por diversas legiões de militares e de voluntários paulistas e gaúchos – capitaneadas por Manuel Marques de Sousa, Fonseca e Sá, Joaquim Xavier Curado e Mena Barreto –, os portugueses investiram fortemente em colunas ou ataques esporádicos, logo conquistando muitos bastiões dos homens de Artigas.
Talvez os portugueses tivessem conseguido, com estas investidas, controlar de imediato toda a Cisplatina, se não surgisse, neste meio tempo, um armistício, assinado em outubro de 1811 entre as autoridades espanholas e as Províncias Unidas do Rio da Prata. De qualquer modo, as tropas lusitanas não mostraram interesse em sair da região. Ao contrário, reforçaram os batalhões, que chegaram a atingir mais de cinco mil homens munidos com quase duzentos canhões.
Somente em maio de 1812, através do tratado conhecido como Rademaker-Herrera, intermediado pelos ingleses, a trégua seria selada com a nova república revolucionária cisplatina. No entanto, como consequência, D. João VI conseguira integrar para o território brasileiro os atuais municípios gaúchos de Uruguayana, Quaraí, Santana do Livramento, Alegrete e ainda parte de Rosário do Sul e Dom Pedrito.
Mas a coisa não parou por aí. Quatro anos mais tarde, os tempos já eram outros. Napoleão tombara, os territórios da Península Ibérica tinham se libertado definitivamente do jugo francês, mas D. João VI continuava com ideias expansionistas, aproveitando o desmantelamento do império espanhol. Em 1816, a Espanha já deixara de controlar a Cisplatina, dominada então por Jose Gervasio Artigas, que neste meio tempo entrara em rota de colisão com os outros líderes das Províncias Unidas do Rio da Prata. Em suma, desejava a autonomia completa da margem esquerda do Rio da Prata. Ou seja, a independência.
Sabendo das fraquezas de Artigas, D. João VI ordenou ao marechal Carlos Frederico Lecor, comandante da Divisão de Voluntários Reais, um ataque massivo à região cisplatina. Começou por Montevidéu, alargando depois as investidas para todo o território a leste do rio Uruguai. Sem grande dificuldade, as tropas lusitanas tomaram a estratégica fortaleza de Santa Teresa em agosto de 1816, avançando em seguida pela costa até Maldonado.
As tropas de Artigas também se dirigiram aos tropeços para o interior, deixando os portugueses dominarem toda a região meridional do rio Negro, bem como a margem oriental do rio Uruguai. Em julho de 1821, a Cisplatina foi formalmente integrada no Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.
Enfim, tudo parecia estar correndo bem na vida de D. João VI. Para um rei supostamente medroso, em menos de uma década, ele conseguira transformar a geografia e o urbanismo do Brasil e até aumentar seus domínios ao norte e ao sul[4]. Nem parecia que ao seu redor as colônias espanholas entravam em colapso. Durante esse período, tivera de se preocupar apenas com uma insurreição em Pernambuco, no ano de 1817, mas logo abafada ao fim de três meses[5].
Porém, não há mal que sempre dure, nem bem que não acabe. Durante este tempo, os portugueses europeus fartaram-se de ver seu rei no Rio de Janeiro. Ou melhor dizendo, em uma Europa em convulsão, os portugueses do Velho Mundo – que durante séculos se habituaram a explorar as colônias sul-americanas, africanas e asiáticas – ficaram perplexos ao se sentirem colonos em suas próprias terras. Na Europa, Portugal quase se transformara, depois das invasões napoleônicas, em um protetorado britânico.
Com efeito, na ausência de D. João VI, o território lusitano passara a ser administrado por um conselho regente que, embora composto por portugueses, estava sujeito ao controle militar do marechal inglês William Carr Beresford. Também por via de acordos comerciais, a Inglaterra dominava os principais negócios, causando um mal-estar geral entre a população.
Em 1817, a insatisfação teve um lampejo subversivo. Uma conspiração de caráter liberal e maçônica foi aniquilada em Lisboa, levando ao enforcamento de doze envolvidos, incluindo um renomado general. Se esta primeira tentativa de insurreição em Lisboa foi logo cortada, as raízes, no entanto, mantiveram-se fortes e despontariam cerca de três anos mais tarde na cidade do Porto.
Aproveitando a ausência de Beresford – que se deslocara ao Rio de Janeiro para solicitar reforço de poder ao rei–, um movimento liderado pelos magistrados Manuel Fernandes Tomás e Ferreira Borges desencadeou, em 24 de agosto de 1820, uma revolução apoiada pelo exército, pela nobreza e pelo clero.
Depondo as autoridades da cidade, criaram uma Junta Provisória do Governo Supremo. Através de um manifesto disseram o que queriam: o retorno imediato de D. João VI a Portugal e a reposição do Brasil ao estatuto de simples colônia. Em setembro daquele ano, Lisboa e todo o país adeririam ao movimento liberal. O marechal Beresford foi impedido de desembarcar, quando regressava do Brasil, e a situação política deixou de estar sob o controle do rei.
Apesar disso, esta revolução nunca teve características republicanas nem questionou a soberania de D. João VI; somente cerceava -lhe o poder absoluto – o que, diga-se de passagem, já era muito. Quando comunicaram o Rio de Janeiro sobre suas ações, os líderes do pronunciamento até pediram a bênção do rei “como bom, como benigno e como amante de um povo que o idolatra”.
Embora as primeiras informações sobre a revolução no Porto tenham chegado ao Brasil em outubro, somente dois meses mais tarde, com a chegada do conde de Palmela ao Rio de Janeiro, a Corte tomou consciência da magnitude daqueles episódios. De fato, ao contrário do que talvez D. João VI poderia pensar, os revolucionários não exigiam apenas seu regresso a Portugal, mas, sobretudo, a realização de Cortes Gerais Extraordinárias para que uma carta constitucional de viés liberal fosse aprovada.
Em suma, a figura do soberano português passaria a um papel secundário, quer no executivo ou legislativo. Obviamente, uma recusa de D. João VI poderia desencadear uma cisão de consequências imprevisíveis até mesmo no Brasil.
D. João VI hesitou muito sobre qual direção tomar. Alguns de seus conselheiros, sobretudo Tomás Antônio Portugal, seu primeiro-ministro, advogaram que a família real deveria permanecer no Brasil, independentemente do rumo tomado em território europeu pelos revolucionários.
Podia-se perder os anéis – o território europeu –, mas sempre restariam os dedos – ou seja, o Brasil –, repleto de recursos, ainda longe de estarem explorados. A hipótese de ser o infante D. Pedro a atravessar o Atlântico para presidir às Cortes Extraordinárias, e apaziguar os ânimos, começou a ser levantada no fim de janeiro, mas o rei hesitou também em tomar uma decisão.
Os receios transmitidos pelo conde de Palmela sobre os riscos dos movimentos liberais lusitanos se alastrarem no Brasil foram confirmados com novos acontecimentos. Em 10 de Fevereiro de 1821, em Salvador da Bahia, um grupo liderado pelo médico Cipriano Barata, que contava com diversos militares, exigiu também a limitação dos poderes do rei, propondo uma constituição semelhante à desejada pelas Cortes em Lisboa. E criticavam também a centralização do Rio de Janeiro em relação às outras regiões brasileiras.
Já com pouca margem de manobra, D. João VI tentou, por fim, convencer o infante D. Pedro a partir, em vez de ir ele mesmo. E não era apenas por apreciar a cidade carioca. Na verdade, com certeza sabia que sua presença no Rio de Janeiro e a de seu herdeiro em Lisboa garantiriam um melhor controle dos acontecimentos. Se já era certo que as Cortes Extraordinárias iriam retirar seu poder absoluto, sempre lhe seria mais fácil, estando no Rio de Janeiro, gerenciar a nova situação política e controlar focos subversivos no Brasil. No limite, caso em Lisboa a corda esticasse, teria ele refletido sobre uma cisão. Ou seja, perderia Portugal, mas permaneceria sendo rei do Brasil. Porém, o infante D. Pedro recusou esta pretensão.
E após mais muitas indecisões, o rei acabou decidindo voltar a Lisboa com toda a família real, exceto o infante D. Pedro, que se manteve no Rio de Janeiro como regente. D. João VI rumou para Portugal em 26 de abril de 1821 em um contexto já explosivo, inclusive na cidade carioca. Quatro dias antes, um grupo de radicais, que participava numa assembleia na praça do comércio da bolsa fluminense, teve de ser repelido a tiros. Na hora da despedida, D. João VI já profetizava o futuro, quando disse ao filho: “Pedro, se o Brasil se separar [de Portugal], antes seja para ti, que me hás-de respeitar, do que para algum desses aventureiros”.
O rei ancorou em Lisboa cerca de dois meses e meio depois, em 3 julho, juntamente com quatro mil pessoas. Não foi uma chegada triunfal. Embora as ruas da capital estivessem decoradas e três noites de festas com luminárias tivessem sido organizadas, incluindo o habitual beija-mão, o ambiente não se mostrou muito caloroso. Havia muito ressentimento no ar, não apenas pela longa ausência do rei, mas também pelas muitas benesses que concedera aos brasileiros, nos últimos anos, em detrimento dos lusitanos.
Além disso, com a demora na partida, D. João VI se viu em um caldo político ainda mais desfavorável, porque as Cortes Extraordinárias não esperaram por ele e a Carta Constitucional já tinha sido aprovada. Além disso, as reuniões entre os deputados lusitanos e a centena de representantes brasileiros, que para Lisboa tinham rumado, abriram ainda mais as feridas.
Enquanto a facção lusitana exigia a reversão do Brasil à antiga condição de colônia, a ala brasileira reivindicava tratamento igualitário. Sem nenhum espaço para manobra, nem podendo sequer ser árbitro, o rei fora, por mais que estrebuchasse, reduzido à mera figura simbólica. Nada lhe restara além de assinar a Carta Constitucional. Ou assinava, ou era deposto. E assinou, em julho daquele ano.
A completa subalternização do rei acentuou-se ainda mais nos meses seguintes, chegando ao ponto de a regência do infante D. Pedro no Brasil ter sido retirada pelas Cortes. Exigiram também seu regresso a Lisboa. Começou uma queda de braço nos dois lados do Atlântico. Dando seguimento à assinatura da Carta Constitucional, e para pressionar o infante, seriam reforçados os batalhões militares portugueses de Pernambuco e da Bahia.
O governador desta última região, bem como o do Maranhão, majoritariamente dominadas por reinóis, passaram a recusar ordens diretas do infante. O descontentamento nas demais regiões do Brasil também aumentou. Por sua vez, D. Pedro, como herdeiro de Portugal, indisposto com a nova realidade em Lisboa, sentia-se cada vez mais humilhado e pouco disposto a acatar ordens.
Contudo, apesar de seu espírito aventureiro, irrequieto, voluntarioso e resoluto – muito diferente do pai –, o infante não desejava dar o passo que uma boa parte dos brasileiros já ambicionava: a independência do Brasil. Em setembro de 1821, em uma carta endereçada ao pai, escreveu que os movimentos em prol da emancipação o pressionavam para que aceitasse a aclamação como imperador, mas que jamais aceitaria essa solução. Só “depois de eu e todos os portugueses estarem feitos em postas”, reiterava. Terminava essa missiva com uma garantia: “juro ser sempre fiel a Vossa Majestade e à Nação e à Constituição Portuguesa”.
Nunca se deve dizer desta água não beberei, porque quando a sede aperta não há força que lhe resista. Porém, se D. Pedro parece ter depois negado o juramento feito à Nação portuguesa e à sua Constituição, ditada por uma Corte rancorosa em relação aos interesses brasileiros, não se pode dizer, por outro lado, que foi infiel ao pai. Pelo contrário. Talvez mais do que o abaixo-assinado de oito mil fluminenses que o levaram, em 10 de janeiro de 1822, a proclamar a célebre frase: “como é para o bem de todos e felicidade geral da nação, estou pronto; diga ao povo que fico”, talvez tenha pesado mais a troca de cartas mantida com D. João VI.
Com efeito, mesmo tolhido pelos ventos revolucionários, o rei português mostrava uma grande lucidez. Se na hora de sua partida do Rio de Janeiro já pressagiara a independência do Brasil, os meses em Lisboa o convenceram ainda mais de que este seria o caminho, se levado obviamente a cabo por seu filho. No fim de 1821, instigou-o implicitamente a avançar. “Sê hábil e prudente”, escreveu D. João VI ao infante, “pois aqui, nas Cortes, conspiram contra ti, querendo os reacionários que abdiques em favor do teu mano Miguel[6]. Tua mãe é pelo Miguel e eu, que te quero, nada posso fazer contra os carbonários que não te querem”.
Depois do Dia do Fico, o rumo em direção à independência avançou de forma imparável. Ainda em janeiro de 1822, ignorando um ultimato das Cortes, D. Pedro nomeou novos ministros para a regência, dentre eles, José Bonifácio de Andrada e Silva, que se tornaria um de seus mais influentes conselheiros. No mês seguinte, responsabilizando as tropas portuguesas pela morte de seu filho João Carlos Pedro[7], liderou pessoalmente um cerco ao batalhão do general português Jorge Avilez, acampado na região de Niterói, conseguindo sua expulsão.
A partir de então, ordenou que qualquer ordem vinda de Lisboa somente fosse distribuída no Rio de Janeiro após sua concordância. Exigiu também que todos os governos ou juntas das outras regiões brasileiras lhe obedecessem. Por fim, criou um Conselho de Procuradores, uma espécie de assembleia constituinte. Sobre todos os detalhes, D. Pedro informou D. João VI em carta particular, não como um regente para um rei, mas de filho para pai.
A independência já estava, então, na fase embrionária, embora ainda não declarada. D. Pedro decidiu primeiro viajar para Minas Gerais e para São Paulo com o objetivo de reconfirmar apoios e sentir o que pensava o povo. Em setembro daquele ano, nas imediações de São Paulo, perto do riacho do Ipiranga, recebeu vasta correspondência das Cortes de Lisboa, em tons ainda mais ameaçadores. E também uma carta anexa de Andrada e Silva que lhe dizia: “Senhor, o dado está lançado e de Portugal não temos a esperar senão escravidão e horrores. Venha Vossa Alteza Real [até o Rio de Janeiro] e decida-se.” Não foi; decidiu logo ali, naquela tarde do dia 7 de setembro de 1822, proferindo o célebre Grito do Ipiranga: “Independência ou Morte”. O Brasil estava independente.
A adesão das diversas regiões à aclamação de D. Pedro como primeiro imperador do Brasil não foi imediata; pelo contrário. Na Bahia, um forte contingente português, liderado por Madeira de Melo, já desde março de 1822 dominava a capitania. E bateu o pé diante do Grito de Ipiranga. Foi osso duro de roer. Com um número reduzido de tropas fiéis à nova nação, pois os batalhões militares estacionados no Brasil eram, sobretudo, provenientes de Portugal, D. Pedro viu-se obrigado a contratar mercenários. Grande parte veio da Inglaterra, como Thomas Cochrane, famoso por suas ousadas campanhas navais.
Conhecido como “o Lobo dos Mares”, foi logo nomeado primeiro-almirante do Brasil, desempenhando um papel vital na organização dos combates que levariam, em 2 de julho de 1823, à difícil renúncia de Madeira de Melo. Pouco meses antes, a resistência à integração do Pará, Maranhão e Piauí também tinha sido aniquilada, por vezes de forma sangrenta. O mesmo se passou na Cisplatina. Depois de alguns confrontos, D. Pedro acabou sendo aclamado em Montevidéu no início de 1824.
Mais problemática se mostrou a região pernambucana. Historicamente imbuídas de espírito autonomista, como se vira recentemente em 1817, as elites não se mostraram predispostas a aderir a qualquer um dos lados; nem a Portugal nem ao Brasil. Muitos idealizaram sua emancipação, dentro do contexto de certa anarquia, mas com um viés republicano. Assim, tendo como mentor o carmelita Joaquim da Silva Rabelo, popularmente conhecido como Frei Caneca, arquitetaram a criação da Confederação do Equador. Proclamada em 2 de julho de 1824, a nova nação foi subjugada poucos meses depois.
Consolidada a independência do Brasil, faltava o seu reconhecimento. Os Estados Unidos foram o primeiro país a fazê-lo, logo em maio de 1824. Porém, as diversas nações mundiais aguardaram por mais desenvolvimentos que clarificassem a estranha gênese desta emancipação. Afinal, apesar da Constituição do Brasil impedir seu imperador de governar outro país, para todos os efeitos D. João VI mantinha D. Pedro I como seu herdeiro em Portugal; e D. Pedro não renegara ainda esse estatuto.
A Inglaterra, desejando estreitar relações comerciais com o Brasil, predispôs-se então a mediar uma solução diplomática, enviando o embaixador Charles Smith ao Rio de Janeiro. A proposta britânica inicial, articulada em segredo com Portugal, passava por um reconhecimento imediato desde que a independência fosse assumida como uma “doação” do rei D. João VI ao seu filho. Em uma primeira fase, D. Pedro negou essa solução de forma categórica. Contudo, a habilidade britânica acabou conseguindo um acordo que, na verdade, se mostrou extremamente desvantajoso para o Brasil, embora favorável ao seu imperador.
De fato, nas negociações, além do reconhecimento simultâneo da independência brasileira por Portugal e Inglaterra, D. João VI aceitou que o herdeiro ao trono lusitano passasse a ser sua neta, a infanta Maria, filha do imperador D. Pedro I, que então tinha apenas seis anos[8]. Porém, em troca destas concessões, o Brasil obrigou-se a pagar uma indenização de dois milhões de libras esterlinas – obtidas por um empréstimo bancário inglês –, além de outorgar benefícios especiais ao comércio britânico. Para evitar qualquer integração de outras colônias portuguesas, nomeadamente africanas – a principal “fonte” de escravos –, o Brasil também se comprometeu a não ter uma política expansionista contra Portugal.
Depois disso, com um mau ou péssimo acordo, o Brasil iniciou finalmente sua viagem pelo tempo como país independente. Não sem sobressaltos, pois teve muitos, mas conseguindo manter quase imaculadas suas fronteiras do tempo colonial. De fato, com exceção da perda da Cisplatina, que originaria o Uruguai em 1828 – por via de uma negociação intermediada pelos ingleses –, da incorporação do Acre – “adquirido” da Bolívia no início do século XX – e de pequenos acertos diplomáticos com os países vizinhos, o Brasil permanece ainda hoje unido e federalista, como D. João VI e D. Pedro I o idealizaram[9].
E, claro, somando, como todos os países, e já sem poder culpar os antigos colonizadores, infinitos conflitos e insurreições, carnificinas e selvagerias, despotismos e ditaduras, injustiças e perversões.
Mas relatar com pormenor esses sempre trágicos episódios ficará para outros carnavais, e por conta de outros escribas. Um português se meter com a História do Brasil colonial, até que tudo bem; agora, na História do Brasil independente, já seria meter o bedelho onde não se foi chamado. Ou, como se diria em terras lusitanas, meter foice em seara alheia.
[1] – Antes da invasão a Portugal, Napoleão e o rei Carlos IV da Espanha “decidiram” a divisão do território lusitano: a província de Entre Douro e Minho, incluindo a cidade do Porto, destinava-se a Carlos Luís, neto do rei espanhol (como compensação pela anexação do efêmero reino da Etrúria, que tinha Florença como capital), sob a denominação de Lusitânia Setentrional; o Alentejo e Algarve ficariam nas mãos de Manuel Godoy, duque de Alcudia e primeiro-ministro espanhol, sob a denominação de Principado dos Algarves; e a restante região seria depois distribuída entre a França e a Espanha. Ficou também estabelecido que estas duas nações decidiriam posteriormente a “igual divisão das ilhas, colônias e outras possessões ultramarinas de Portugal”.
[2] – Ver o capítulo “A vingança servida quente” (pág. XXX).
[3] – Ver o capítulo “Um acordo para um real pesadelo” (pág. XXX).
[4] – A Guiana Francesa, conquistada logo em 1808, veio, contudo, a ser devolvida aos franceses, depois da queda de Napoleão. Ver o capítulo “A vingança servida quente” (pág. XXX).
[5] – Ver o capítulo “A república tingida de sangue” (pág. XXX).
[6] – D. Miguel, terceiro filho de D. João VI e D. Carlota Joaquina, viria a participar ativamente em dois movimentos contrarrevolucionários em Portugal para o estabelecimento do regime absolutista em 1823 (Vilafrancada) e no ano seguinte (Abrilada). Ele chegou a tentar obrigar o pai a abdicar. Foi exilado em Viena, regressando em 1828 para se casar com sua sobrinha, D. Maria II, filha de D. Pedro I do Brasil, e se impôs em seguida como rei absoluto de Portugal. Como resultado, uma guerra civil eclodiu, perdurando até 1834 com a recondução ao trono de D. Maria II. Para este desfecho a participação do imperador D. Pedro I, que voltou a Portugal após abdicar do trono brasileiro em 1831, foi essencial.
[7] – Após o Dia do Fico, as hostilidades com as tropas fiéis a Portugal só aumentaram, obrigando o infante D. Pedro a enviar sua família para Santa Cruz. Durante a viagem, seu pequeno filho, ainda com menos de um ano de idade, adoeceu gravemente e acabou morrendo. O infante escreveria, mais tarde, ao rei D. João VI que foi “a divisão auxiliar [o batalhão português no Rio de Janeiro] que assassinou o príncipe, o neto de Vossa Majestade”.
[8] – A infanta D. Maria, que se tornou a rainha D. Maria II, nascera e vivia então no Rio de Janeiro. Apenas partiu para Portugal após a morte do rei D. João VI em março de 1826. Por razões estranhas, D. Pedro I do Brasil concordou com o casamento da filha com seu irmão D. Miguel, que se encontrava exilado em Viena. Uma péssima decisão – como muitas outras que D. Pedro I haveria de tomar até abdicar do trono brasileiro –, porque D. Miguel, apesar de ser apenas um rei consorte, usurparia o trono português, desencadeando uma guerra civil.
[10] – Além de conflitos armados com outras nações e insurreições políticas, o Brasil assistiu ao longo do século XIX a alguns movimentos separatistas, que resultaram em estados efêmeros, nomeadamente no Rio Grande do Sul (República Rio-Grandense, 1836-1846), Salvador (República Bahiana, 1837-1838), e Santa Catarina (República Juliana, durante menos de quatro meses em 1839).