Tinha pensado desligar-me do mundo por uns dias e seguir por caminhos enviesados nesta longa estrada que liga Gotemburgo a Lisboa. Algures entre as intermináveis filas nas estradas alemãs, cujas obras são uma constante há pelo menos 20 anos, e a extorsão que a Vinci faz nas auto-estradas francesas, aborreci-me da playlist do Spotify e virei para as notícias.
A Jonet falava, chegavam pedidos ao banco alimentar, aumentava o número de pobrezinhos. No mundo com que sonho, a Jonet seria uma crónica desempregada. Contudo, no Portugal do século XXI, a senhora tem palco e luzes cada vez maiores.
De seguida fala o Costa. Tinha medidas para anunciar que iriam ajudar os pobrezinhos da Jonet. Foi aqui que percebi que as obras nas estradas alemãs seriam a menor das minhas irritações em período de férias.
O Governo anunciou um pacote de medidas de ajuda no combate à inflação e aos custos da energia. Antes de irmos às medidas em si, convém esclarecer uma coisa, a inflação aumenta o custo de vida de cada um de nós, mas traduz-se numa receita fiscal maior. Portanto, não existe qualquer pacote de ajudas em período de inflação galopante… quando muito existe um pacote de devolução extraordinária daquilo que nos tiram sem que percebamos bem porquê.
Em todas estas discussões, onde se apuram culpados, é preciso que se perceba uma coisa: não foram os portugueses que decidiram ter uma das electricidades mais caras da Europa em simultâneo com salários dos mais baixos entre os parceiros europeus.
E isto antes da guerra.
E isto é preciso repetir 50 vezes para que não continuemos no engodo de atribuir à Ucrânia toda a miséria que nos assola há décadas.
António Costa disse que todos os cidadãos com salários brutos até 2.700 euros (cerca de 2.000 líquidos) receberiam um apoio de 125 euros. Eu juro que pensei que fosse uma verba mensal ou algo assim. Mas não. Para pessoas que deixam, no caso dos 2.700 euros de salário, cerca de 10.000 euros em IRS anual nos cofres do Estado, António Costa achou que 1,25% desse valor seria uma boa “ajuda”.
Estamos a falar de famílias que passaram a pagar muito mais pela casa por causa das taxas de juro, que suportam os lucros pornográficos da energia (que repito, NÃO VEM DA RÚSSIA) e que ainda contribuem para mais um jackpot estatal com os impostos sobre os bens de consumo à boleia da inflação. Em resumo, e numa linguagem que se perceba, o Governo português recebeu um porco (Pata Negra, pelo menos) de cada um de nós, e resolveu dar-nos um chispe, anunciando-o com pompa e circunstância.
Conseguiu o Governo, pela primeira vez, colocar toda a oposição de acordo, depois de este número de ilusionismo. Carlos Guimarães Pinto, da Iniciativa Liberal, disse, e eu concordo, se o Governo queria de facto ajudar, bastaria ter reduzido os impostos sobre os salários e permitido que, nesta fase excepcional, as pessoas ficassem com mais dinheiro no bolso para enfrentar as dificuldades.
É, aliás, essa a base do problema: os nossos baixíssimos salários. Os 2.000 euros líquidos são o limite para a fabulosa ajuda dos 125 euros, daí para cima estão os ricos. Dificilmente se enfrentam tempos destes sem poupanças e, como qualquer um de nós perceberá, poucas ou nenhumas serão as poupanças num país onde a média salarial se aproxima dos 1.000 euros.
Por isso, estamos condenados à caridade, aos subsídios, às ajudas extraordinárias. Isto porque a nossa massa salarial não é, nem nunca foi, em média, algo sequer parecido com o Primeiro Mundo.
No fundo, somos o reflexo da política do país que durante mais de três décadas de presença na União Europeia se habitou a gerir subsídios em vez de os usar para começar a produzir riqueza. Triste fado o nosso que nos deixa de gatas a cada crise.
Vejo também, com alguma curiosidade, a indignação (e bem) de alguma parte da direita política com o ridículo valor de 125 euros. Não nos atrapalhemos que eu também aí concordo, mas, curiosamente, é a mesmíssima direita que falava no RSI e dos Mercedes à porta. Ora, o valor é semelhante. Eu pensava que dava para fazer férias em Nassau mas, afinal, parece que não.
A medida de auxílio aos pensionistas foi, ainda assim, a tentativa de ilusão mais indecente deste Governo, que, lembre-se, anunciou o Orçamento mais à esquerda de sempre. Os pensionistas recebem em Outubro metade do valor da pensão e os restantes 4% de aumento em 2023, perfazendo o aumento esperado para esse ano, de acordo com o valor da inflação.
Contudo, a partir de 2024, o aumento incidirá sobre o valor final de 2023 (o tal a que se chegou com 4% em vez de 8%); portanto, o que na prática o Governo de António Costa faz é antecipar para Outubro de 2022 o que já estava previsto por lei, mas a partir de 2024 retira, na parte valor, até à data da morte de cada pensionista.
Significa isto, portanto, que o adiantamento de Outubro de 2022 não aparecerá no aumento de 2023. Embora a totalidade do dinheiro recebido seja a mesma, o valor final da pensão bruta mensal não será. Portanto, quando se calcular o aumento para 2024, este incidirá sobre uma base menor. Ou seja, anunciando um aumento e uma ajuda, o que António Costa faz é, na verdade, um corte nas pensões. Segundo a ministra da Segurança Social, ontem no Parlamento durante o debate com a Oposição, devemos discutir para já 2023 e criticar, se for caso disso, o que o Governo apresentar daqui a um ano para o Orçamento de 2024. Aqui para nós, parece-me que o país percebeu rapidamente a ilusão e o PS procura empurrar com a barriga e ganhar tempo para respirar.
O tempo raramente nos engana e seria bom, ao dia de hoje, lembrarmo-nos de quem condenou este Orçamento e quem repetiu, até à exaustão, que iria retirar poder de compra aos portugueses.
Aí está ele, desmascarado por qualquer português que saiba fazer umas contas de merceeiro, o Orçamento mais “à esquerda de sempre”, que diminui o poder de compra dos pensionistas, rebenta com o que falta do SNS, desvia dinheiro para a NATO, mantém a Função Pública estagnada e nem por uma vez se digna cobrar impostos extraordinários sobre os lucros fabulosos do sector da energia. E isto enquanto os portugueses vão definhando para manter as casas.
Quanto à compensação da factura da electricidade é apenas uma piada de mau gosto. Tentem manter uma casa quente no Inverno consumindo menos de 100 Kwh. O governo sueco, sem perguntas, filtros ou ses, resolveu compensar cada cidadão, ajudando com as despesas de energia para todo o inverno de 2021/2022. Através de um simples e-mail, informou que seria descontado o valor X na próxima factura e ponto final. Isto num sítio onde o salário médio deve rondar os 3.000 euros.
As medidas anunciadas em Portugal são, no fundo, uma mão cheia de nada. Uma aldrabice pegada onde o Governo poupa dinheiro dando a ilusão de que é um mecenas. Num país cada vez mais pobre e, infelizmente, dependente das ajudas, é um embaraço e uma vergonha ter que assistir ao que faz o Governo de António Costa.
Os salários não acompanham a inflação; os impostos resultantes do aumento do custo de vida não são distribuídos; o BES (afinal) ainda existe; as clientelas e os Figueiredos também; as gasolineiras e as eléctricas continuam, em cartel, a decidir os preços praticados. E os portugueses estão reféns. De todos.
Mas, enquanto nos continuam a roubar, tenham pelo menos a decência de não chamarem, ao Governo que nos governa, de socialista.
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
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