A Lei das Grades

A pandemia nas prisões

black metal fence during daytime

por Vítor Ilharco // Setembro 13, 2022


Categoria: Opinião

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Quem nunca esteve na prisão não sabe como é o Estado, Leon Tolstói

A covid-19 fez, em Março de 2020, soar os alarmes no Ministério da Justiça.

Ninguém sabia nada sobre a doença e a única preocupação era evitar que ela se propagasse.

As cadeias tiveram, desde logo, o tratamento habitual quando se desconhece aquilo que se combate: o máximo de restrições.

man holding chain-link fence

A ignorância leva a seguir “a voz do povo” e, todos sabem, “vale mais prevenir do que remediar”.

Aproveitando o Estado de Emergência, entretanto decretado, foi determinado que as visitas dos familiares fossem reduzidas ao máximo. De duas visitas semanais, de uma hora cada, passaram a uma única visita, por semana, e de meia hora.

Deixaram de poder entrar três visitantes por recluso para passar a um único.

Colocaram barreiras de acrílico entre reclusos e visitantes.

Mas não distribuíram máscaras, nenhuma cadeia tinha uma gota de gel, não havia desinfectantes para as celas ou sanitários. Nem as famílias os podiam entregar sendo obrigatória a compra dos mesmos nas cantinas das cadeias (onde os preços são os de lojas gourmet).

Veio a campanha de vacinação “que foi um êxito” com mais de 90% dos reclusos vacinados.

low-angle photography of lighthouse

Entretanto as crianças, presas com as mães, em Tires, não recebiam qualquer vacina. Sequer as do Plano Nacional de Vacinação.

Talvez porque não estava na moda…

O estado de emergência não foi renovado depois de 30 de Abril de 2021, pelo que, a partir de 1 de Maio desse mesmo ano, passou a vigorar a situação de calamidade, com muito menos restrições, que praticamente terminaram, por decisão do Governo, três meses depois, a partir de 1 de Agosto.

Mas, é sabido, as cadeias são um mundo à parte.

Rara é a Lei que ali é cumprida.

man in brown jacket and brown pants holding black smartphone

Nem mesmo a Lei de Execução de Penas, que devia reger a vida dos reclusos, é respeitada.

Todos os dias, em todas e cada uma das prisões de Portugal, os reclusos são vítimas do atropelo às Leis por parte de quem a devia cumprir escrupulosamente. Até para, pelo exemplo, ajudar na reabilitação.

Dificilmente se poderá encontrar uma maior perversidade do que esta do Ministério da Justiça não cumprir a Lei em relação a cidadãos privados da liberdade por também a não terem cumprido.

Mas é o que acontece. Para vergonha de todos.

Num momento em que a vida voltou ao normal – com estádios de futebol, espaços destinados a concertos, transportes públicos, repletos de gente sem máscara –, o que se passa no interior das cadeias?

Em nenhuma prisão portuguesa se cumpre a lei das visitas, continuando as restrições quer no que respeita ao seu número (deviam ser duas semanais, com pelo menos uma delas ao fim de semana devido aos familiares que trabalham ou estudam); tempo de duração, que devia ser uma hora e não meia hora ou quarenta e cinco minutos, com permissão de entrada de três visitantes por recluso, e não um ou dois, com as crianças de um ano de idade a contarem como adultos.

Para mais, cúmulo da ilegalidade, as visitas íntimas estão proibidas se os visitantes, ou os reclusos, não estiverem vacinados, mesmo que apresentando testes negativos.

Isto sabendo-se que as vacinas não são obrigatórias.     

Todas estas medidas podem ajudar na gestão das prisões.

Quanto mais restrições, menos trabalho para guardas e funcionários.

Se isso justifica o incumprimento da Lei é questão diferente. Mas com que poucos se preocupam.

Únicas conclusões possíveis:

A Tutela considera um êxito o facto de não ter morrido um único recluso, por covid-19, o que é, sem dúvida, um sucesso a registar.

Ninguém comenta o facto do número de mortes, por diversas outras causas, e o de suicídios nas cadeias portuguesas – muito pelo agravamento das já péssimas condições de vida e pela quebra dos laços familiares – tenham aumentado, neste período, para o dobro do habitual.

brown and white short coated dog in cage

O modo como a covid-19 é encarada nas cadeias portugueses permite não só perceber o total desprezo do Poder Político em relação aos reclusos, e seus familiares, como também provar que as prisões são, no nosso país, feudos geridos à vontade dos directores e chefes de guarda sem qualquer supervisão do Ministério da Justiça ou, sequer, da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais.

E razão têm os que dizem que os muros das cadeias servem, principalmente, não para evitar que haja fugas, mas para que não se veja o que se passa lá dentro.

Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


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