“Mas que bronca!” A frase proferida por um banqueiro resume o seu sentimento em relação ao lucro extra que os bancos europeus estão a arrecadar graças a um “erro” do Banco Central Europeu. “O BCE cometeu um erro gigantesco. Agora quer resolver isto, mas não é fácil”. Apesar de considerar-se um “escândalo”, o que certo é que nenhum banco irá deixar de aproveitar esta oportunidade caída do céu (ou melhor, do BCE).
Os bancos estão sentados numa almofada de milhões e milhões de euros em fundos públicos. Agora, estão a usar esses fundos para ter um lucro extra. Estão a depositar os dinheiros públicos junto do banco central. Com a subida das taxas de juro, é só ouvir o “tlim, tlim” dos juros a entrar nos seus cofres.
Os bancos europeus conseguiram ter essa mala de dinheiro porque o BCE decidiu, em 2020, pagar à banca para ficarem com os fundos públicos. Isso mesmo. O objectivo do BCE era incentivar os bancos a emprestar dinheiro e a minimizar os impactos da crise económica provocada pelas medidas drásticas e polémicas adoptadas por governos europeus na pandemia – que incluíram devastadores confinamentos.
No total, os bancos europeus estão sentados em cima de 2,1 biliões de euros em fundos públicos provenientes da terceira operação de empréstimos direccionados de longo prazo (TLTRO), segundo dados citados pela Reuters. É um valor astronómico que o BCE tem de pagar aos bancos em juros.
Segundo analistas do banco ING, o total de excesso de liquidez nas mãos da banca europeia ascende a 4,6 biliões de euros. Com a actual taxa de juro, o BCE teria de pagar 34,5 mil milhões de euros em juros por ano, aos bancos. Se a taxa de juro subir para 2,5% em 2023, o valor a cair no colo dos bancos subiriam para 115 mil milhões de euros.
Agora, a factura bateu à porta do BCE. Com uma inflação galopante, começou a subir as taxas de juro mais cedo do que tinha previsto quando começou a pagar aos bancos para se endividarem.
Mas agora dava jeito ao BCE livrar-se de tanta liquidez. Analistas do banco ING apontam que o BCE pode decidir mexer no múltiplo de reservas mínimas exigidas aos bancos pela liquidez que detêm ou remunerar parte do excesso de liquidez dos bancos a uma taxa de 0%, para os levar a reduzir o montante de fundos detidos.
Claro que os bancos agora não entregam a mala do dinheiro. Não, quando podem ficar sentados a contar os euros garantidos pelos juros que os depósitos dos fundos públicos garantem.
Esse dinheiro está a agora de lado, a render e a trazer lucros chorudos para os bancos.
Tudo isto é perfeitamente legal. Tudo isto é perfeitamente legítimo. Mas é também igualmente altamente imoral.
Os bancos receberam dinheiro para pedirem emprestado ao banco central para ajudar a economia em tempos de crise. Usar os fundos públicos que lhes foram disponibilizados devido à crise para lucrarem com o seu depósito junto do banco central é lamentável.
Agora, esta gigantesca onda de dinheiro público nas mãos dos bancos é um problema para o BCE que se vê a braços com aumentos da inflação.
Mas é também um escândalo. É aberrante que bancos possam estar sentados em cima de tanto dinheiro público e, sem mexerem uma palha, lucrarem com ele.
O BCE analisa como vai tentar travar estes lucros para a banca. Mas descalçar a bota não é fácil.
Seja como for, fica sempre no ar aquela ideia de que, nas crises, o ‘banqueiro capitalista’ sai sempre a ganhar.
Neste caso, mesmo achando que é um escândalo, banqueiros esfregam as mãos de contentes. E vão continuar agarrados à mala, só devolvendo o dinheiro no fim do prazo do empréstimo especial (TLTRO), em Junho de 2023. Até lá, é facturar. Aos milhões.
No fim de contas, o BCE não sai bem na fotografia. Afinal, falhou os seus cálculos relativos ao calendário de subida das taxas de juro e deu de mão beijada uma dupla prenda aos bancos: primeiro, pagou-lhes para receberem dinheiro emprestado; agora paga os juros dos depósitos que os bancos fizeram com o dinheiro emprestado. Para os bancos é um Euromilhões. Para os europeus, a braços com menor poder de compra e preços a disparar, esta situação é, no mínimo surreal. Surreal e imoral.
Afinal, a crise quando bate à porta, não é para todos.