Tinta de Bisturi

Os comentadores que nos “induzem” 

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por Diogo Cabrita // Setembro 25, 2022


Categoria: Opinião

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De uma análise recente sobre os comentadores das televisões portuguesas, ficámos a saber que não há comentadores residentes do Chega nem da Iniciativa Liberal. Isto não seria grave se não fosse também assim na televisão pública. 

Ou seja, na democracia conduzida pelo partido do Governo (em Maio distribuiu 40 milhões de euros pelos media) comprova-se que o Bloco tem um espaço maior de representação nas televisões que os deputados todos do Chega e da Iniciativa Liberal. Também o PCP e o PAN estão à beira do eclipse e afogados no silêncio.  

 

A democracia é uma coisa diferente disto, e por muito que custe, a representatividade e, portanto a própria democracia, estão em causa neste momento. A opinião, o comentário, deveria ser claro e transparente, indutor de informação e com contraditório, mas nada se passa assim.   

Em 2011, um primeiro estudo importante sobre comentadores de televisão era também muito esclarecedor. “Concluindo, os painéis de comentadores residentes reflectem, sobretudo, dois sectores da sociedade portuguesa, deixando de fora todos os telespectadores que não se interessem nem por política nem por desporto. Estas áreas são, claramente, as que garantem mais espectáculo televisivo, na medida em que proporcionam confrontos e polémicas. E talvez estes ingredientes estejam a ser mais valorizados do que a preocupação de pluralismo e de representatividade”. 

Podemos dizer que daqui para o estudo de 2020 nada mudou, e posso afirmar que muitos ainda são os mesmos comentadores residentes.  

Para termos a noção da importância disto, analisemos a gestão do gosto, a indução do consumidor para um determinado género musical através das playlists.

Quatro grandes empresas controlam mais de 90% do som que se divulga na rádio portuguesa. “As músicas não são proibidas agora, mas algumas são obrigatórias” dizia Fernando Quinas citado em “Provedor do Ouvinte – relatório de actividades de 2017” por João Paulo Guerra. 

E basta ler Luís Montez, da produtora Música do Coração e detentor de um grupo de emissoras (Capital, Radar, Oxigénio, Festival, Nova): “A rádio é um bicho vivo, de 24 horas sobre 24 horas, as pessoas que ligam uma rádio esperam ouvir o que estão à espera. Querem que seja familiar, simpático, que corresponda às expectativas. Que seja regular” – e essa regularidade é fornecida pela playlist. Está a falar em seu benefício pois a Música no Coração é das quatro maiores a controlar o que os ouvintes podem ouvir. 

Os portugueses mais interessados começam a perceber a matrix onde nos estamos a instalar e onde os cidadãos são instrumentalizados para os assuntos, induzidos para as opiniões e controlados no seu universo de possibilidades.

Tudo está balizado, colorido, aprimorado por discursos com um mesmo foco. Reparem como não há comentadores para a interpretação da responsabilidade do PS no desastre do SNS, na condução da grande noite escura pela DGS entre 2020 e 2022, e ainda na presença de defensores da versão Bolsonaro na eleição brasileira, ou da versão russa da guerra na Ucrânia.

Nunca aparece um comentador do Braga ou do Vitória de Guimarães, ou do Paços de Ferreira. Reparem como os grandes medalhados de outras modalidades não surgem nos ecrãs. 

Os donos da informação podem conduzir esta manada sem precisar de muito pessoal. Bastam trinta e cinco construtores de opiniões parecidas e fazedores de medos ou injectores de opiniões não contraditadas. 

Diogo Cabrita é médico


N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

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