As prisões portuguesas são um mundo vazio onde a vida fica suspensa, até que o recluso possa regressar à Liberdade.
Um tempo sem sentido, onde apenas se pensa em punir e se esquece, quase totalmente, a necessidade de dar meios e ferramentas a cada um dos condenados, que acabam por sair ainda mais marginalizados do que estavam antes de entrarem na Prisão.
Fomentar a inércia, por todos os meios possíveis, é a prática diária.
Distribuem-se ansiolíticos à saciedade, de modo a ter os reclusos adormecidos e nada reivindicativos, facilitam a preguiça, permitindo playstations, consolas de jogos, leitores de CDs e rádios, para os conseguir ter nas celas, já que dar-lhes trabalho, permitir que estudem ou façam exercício físico, obriga a que funcionários e guardas também trabalhem…
A palavra reabilitação, que devia ser (e é, no espírito da Lei) o foco principal de todo o Sistema Prisional, é colocada em último lugar das preocupações de muitos responsáveis (?) e praticamente desprezada pela imensa maioria da classe política nacional.
Dizer-se que o objectivo que se pretende alcançar durante o cumprimento de penas, é “reintegrar” os cidadãos em reclusão é quase uma blasfémia.
Os números mostram que entram e saem, por ano, cerca de 5.000 cidadãos necessitados de inserção social, e não de “reinserção”, dado que, na sua grande maioria, nunca estiveram realmente inseridos, pois viveram quase toda a vida à margem de uma sociedade que os ignora, fora das regras sociais estabelecidas, fora do mercado de trabalho ou sem capacidades (escolaridade, formação profissional ou mesmo formação cívica) para poderem sobreviver em Liberdade sem praticar crimes.
Não há ninguém que não conheça essa realidade, por muito que se faça (e faz) para a esconder.
A exclusão social é a prova mais evidente de décadas de má governação no nosso país.
E, pior, não se consegue vislumbrar uma qualquer medida que leve à inversão destas políticas vergonhosas.
Obviamente que o crime tem de ser combatido e o crime grave não pode merecer qualquer contemplação.
Mas o tempo de punição só ganhará algum sentido se for aproveitado na tentativa de construção de um novo projecto de vida, que não obrigue à prática de crime para sobreviver.
A verdade é que não existem condições de apoio a este tipo de cidadãos, mais vulneráveis e a necessitar de um apoio solidário e efectivo.
E para além de nada acontecer, durante a prisão, o encarceramento leva a que aconteçam tragédias inaceitáveis numa sociedade que se diz Democrática e Livre.
Um Mundo onde a exclusão física e psicológica – que leva a que a maioria dos reclusos se sinta rejeitado e fora da Comunidade – será uma bola de neve que só terminará quando TODOS nos sentirmos co-responsáveis pelos outros e, em especial, pelos que têm maiores dificuldades em sobreviver sem apoio da comunidade e do Estado, enquanto primeiro responsável por esta coesão social.
O Poder Político tem afirmado, quando quer usar o assunto para se promover e ganhar votos, que conhece a realidade.
Mas a verdade é que os presos, e as prisões, são temas que todos – a começar no Presidente da República, Governo, Deputados, Comunicação Social e até os Cidadãos comuns – evitam tratar.
Quanto menos forem falados melhor, porque ninguém gosta de tocar numa ferida que está a sangrar há muito tempo.
Podemos todos falar dos maus-tratos que alguns infligem a animais – e de imediato se juntam centenas de pessoas para se manifestarem – mas quando os assuntos são sobre presos, e as condições inadmissíveis em que vivem, ninguém lhes quer tocar!
E, no entanto, há muitas medidas extremamente simples, que poderiam melhorar, substancialmente, o nosso Sistema Prisional.
Um exemplo: Num país onde o crime de condução sem carta leva mais cidadãos à cadeia (7,8%) do que o crime de homicídio, nas suas diversas formas (7,6%), fica claro que não existe intenção, ou motivação, para ir ao fundo das questões e corrigir o que deve ser corrigido.
Obrigar esses faltosos (a direita chama-lhes “bandidos”), ajudá-los até, se tal fosse necessário, a tirar a carta de condução, em vez de os meter na prisão, de onde sairão de igual modo indocumentados, seria um bom exemplo e retiraria das prisões milhares de cidadãos.
Ter políticas efectivas de Reabilitação, Reinserção e de construção solidária de vidas destruturadas que, de uma forma ou doutra, levam ao aumento de práticas violadoras das leis da República, seria outro caminho para o sucesso.
Por isso a nossa insistência num combate sem tréguas à exclusão social.
É fácil dizer que a prisão é a Faculdade do crime.
Esquecem, contudo, que ninguém começa a estudar pela Universidade.
Quais são, então, as escolas pré-primárias, as primárias e os liceus do crime?
Estão à vista de todos: os bairros de lata, o desemprego, a fome, o absentismo escolar e a falta de oportunidades.
Analisar o Sistema Prisional sem ter em conta estas realidades é como tentar estudar trigonometria sem saber a tabuada.
Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso
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