Uma análise a cerca de 900 artigos científicos, feita por uma equipa de investigadores italianos, mostra que a imunidade natural é mais prolongada e eficaz do que a imunidade concedida pelas vacinas. Os autores desaconselham mesmo a vacinação de quem “apanhou” covid-19, porque o risco de ter efeitos adversos pode ser 60% superior em comparação a quem se vacinou sem nunca ter tido contacto com o vírus. Se a estratégia de não vacinar recuperados fosse aplicada, mais de metade dos portugueses não necessitaria de fazer “reforços”.
Numa base de risco-benefício, as pessoas recuperadas da covid-19 não deviam vacinar-se. Esta é a principal conclusão de 12 investigadores e médicos italianos feita após a análise a cerca de 900 estudos publicados em revistas científicas sobre a infecção pelo SARS-CoV e a eficácia das vacinas, e que está em fase de peer review (avaliação pelos pares).
Intitulado “SARS-CoV-2 – O papel da imunidade natural: uma revisão narrativa” (SARS-CoV-2 – the role of natural immunity: a narrative review), este artigo científico de 29 páginas – que tem como primeira autora Sara Diani, da Universidade Europeia Jean Monnet de Pádua – debruça-se sobretudo em analisar a evolução da imunidade vacinal e da imunidade natural, bem como dos riscos das reinfecções e das vacinas contra a covid-19.
Em concreto, esta revisão narrativa analisou a literatura científica sobre a duração da imunidade natural; a imunidade celular; a reatividade cruzada; a duração da proteção imunológica pós-vacinação; a probabilidade de reinfecção e suas manifestações clínicas nos pacientes recuperados; as comparações entre vacinados e não vacinados nas possíveis reinfecções; o papel da imunidade híbrida; a eficácia da imunidade natural e induzida por vacina contra a variante Omicron; e incidência comparativa de efeitos adversos após a vacinação em indivíduos recuperados versus indivíduos virgens de COVID-19.
É porventura a análise mais completa até agora feita no âmbito da pandemia.
Uma das principais conclusões deste estudo – que a ser aplicada acarretaria um forte revés económico para as farmacêuticas, porque as vendas reduzir-se-iam – é de que a protecção natural, adquirida após a infecção por covid-19, é mais duradoura do que a imunidade vacinal, e que, mesmo sendo a vacina eficaz – menos, no caso da variante Ómicron –, quem possuir imunidade natural não beneficia em vacinar-se por causa dos riscos dos efeitos adversos das vacinas.
O destaque para a protecção natural face ao SARS-CoV-2 – que, aliás, é fenómeno habitual em outras doenças infecciosas – advém não apenas da imunidade induzida pelas células B (humoral) mas também pelas células T (celular). “A análise da literatura sobre a imunidade natural pós-COVID-19 destacou uma série de achados que indicam uma boa proteção imunológica na grande maioria dos indivíduos”, dizem os autores, acrescentando que, nos recuperados, a imunidade após a infecção é “tipicamente de natureza humoral mediada por células e parece proteger contra a reinfecção e doença clinicamente grave”.
O artigo menciona diversos estudos onde “foram encontrados anticorpos protectores e células B de memória” após mais de 12 meses da recuperação, e que o nível de imunidade ainda era bastante forte. “Especificamente, um estudo sueco, com um seguimento após infecção natural de até 20 meses, mostrou uma taxa de proteção de 95% à infecção e 87% à hospitalização naqueles que não tomaram vacinas” após uma primeira infecção, apontam os investigadores italianos.
A constatação da menor gravidade nas reinfecções advém de uma avaliação empírica nos hospitais. “Em geral, a severidade dos sintomas de reinfecção é significativamente mais baixo do que a infecção primária, com um mais baixo grau de hospitalização (0,06%) e uma mortalidade extremamente baixa”, salientam os autores.
Isto advém exactamente da “longevidade” da imunidade natural. “Mais de um ano após a infecção primária, as pessoas não vacinadas ainda têm proteção em torno de 70% (69% num grande estudo coorte de profissionais de saúde do Reino Unido)”, salientam. Tal deve-se em grande medida à carga viral nas reinfecções ser “cerca de 10 vezes menor do que a de uma infecção primária”.
Embora os autores sustentem que “uma vacinação subsequente pode aumentar ainda mais essa proteção” – e tem sido essa a justificação das autoridades de Saúde mundiais para vacinar recuperados –, adiantam que numa análise risco-benefício esta pode não ser a melhor solução.
Com efeito, os investigadores confirmam, através da análise a outros estudos, que “a proteção contra a infecção conferida pelo ciclo de vacinação é muito boa após os primeiros 14 dias, mas tende a diminuir rapidamente nos meses seguintes, quase desaparecendo cerca de cinco meses após a segunda dose”.
Mas sustentam que “alguns dados da literatura destacam que numa fase posterior, esta protecção induzida pela vacina contra o contágio e/ou doença grave torna-se menos evidente do que a demonstrada nos indivíduos não vacinados”, mostrando ainda que “alguns investigadores relataram que, após uma infectação com SARS-CoV-2, é improvável que os indivíduos beneficiem da vacinação contra a covid-19”.
Dizem mesmo que, “devido à resposta imune prolongada documentada após a covid-19, a administração adicional de doses de vacina, especialmente a partir da segunda dose, não leva a uma melhora significativa na imunidade”.
Ainda por cima, os recuperados após uma primeira infecção, têm uma maior susceptibilidade a sofrer efeitos adversos decorrentes da vacinação.
Os investigadores italianos, que não têm ligações a qualquer farmacêutica, defendem mesmo que a vacinação de recuperados de uma infecção pelo vírus SARS-CoV-2 “não deve ser indicada”, tendo em conta “que os eventos adversos locais e sistémicos pós-vacina são 40% e 60% mais altos, respectivamente, em indivíduos com histórico anterior de infecção por SARS-CoV-2″, em comparação com os que ainda não tinham sido expostos ao vírus de forma natural.
E concluem: “a relação risco-benefício nesses casos [pessoas recuperadas de uma infecção por SARS-CoV-2] parece não indicar a necessidade de administração da vacina”, sustentando igualmente a realização de mais estudos sobre imunidade híbrida (natural e vacinal), uma vez que, até agora, “os resultados dos estudos são às vezes contraditórios”.